Em 2016, o então senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB) apresentou um projeto em que permitia que consumidores atendidos pelas distribuidoras poderiam contratar energia de outros fornecedores, através de contratos bilaterais.
O projeto ficou nas gavetas até ser ressuscitado, ano passado, numa articulação para viabilizar a capitalização da Eletrobrás, onde foi incluído um artigo que autoriza a União a promover realização de leilões para compra de lastro para aumentar a confiabilidade do sistema elétrico. Informando que “o governo estabelecerá as condições da contratação”.
Essa frase foi a senha de uma espetacular articulação que envolveu o Centrão, um empresário dono de distribuidoras de gás natural no Norte e Centro Oeste, e a possibilidade de o governo bancar a construção de gasodutos no interior do País - por onde deverão correr gás natural para suprir usinas térmicas encarregadas de produzir o que tecnicamente se chama de “lastro para aumentar a confiabilidade do sistema elétrico”, como previsto no texto escrito pelo senador Marcos Rogério, então no DEM-RO.
O projeto PLS 232/2016 ganhou um novo número (PL 414/2021) que hoje é conhecido como “Centrãoduto” cujo relator é o deputado pernambucano Fernando Bezerra Filho (DEM-PE), filho do senador Fernando Bezerra e irmão do candidato ao governo Miguel Coelho.
GASODUTO DE R$ 100 BILHÕES
A expressão “Centrãoduto” decorre de ele prevê recursos da União para sua construção, estimada em R$ 100 bilhões cujos recursos viriam de um dinheiro que o governo recebe pela exploração do pré-sal que os deputados e senadores do Centrão “descobriram” que vem regularmente sendo repassado à União.
Quando o pré-sal virou a ancora da Petrobras, a então presidente Dilma Rousseff definiu que ele seria usado para bancar os projetos de melhoria da educação e saúde como investimentos.
Mas os deputados e senadores incluíram uma nova finalidade: projetos de infraestrutura. É aí que o projeto PL 414/2021 começou a chamar a atenção.
O governo atualmente trava uma briga com o TCU para conseguir fazer a capitalização da Eletrobrás. O ministro do TCU, Vital do Rego acha precipitado fazer a capitalização e exigiu uma série de informações.
Mas ideia do PL 414/2021 que permitir o aporte de dinheiro da União para fazer um gasoduto que vai fornecer combustível para empresas privadas sugere que alguma coisa está errada.
Afinal, se a capitalização é para o governo não colocar dinheiro na estatal de energia porque iria gastar R$ 100 bilhões num gasoduto para atender a uma empresa que vai distribuir gás para termelétricas?
O deputado Fernando Filho (DEM-PE) é favorável a ideia e por isso a pressão sobre ele está muito forte. Fernando Filho foi ministro de Minas e Energia no Governo de Michel Temer e é considerado um especialista em energia. Mas a ideia de defender o “Centrãoduto” está preocupando muita gente no setor elétrico.
A ideia de um governo em crise apoiar um projeto como esse ficou mais contraditória porque os deputados incluíram no campo de financiamento os recursos do pré-sal que a empresa Pré-Sal Petróleo (PPSA).
No final do ano passado, a PPSA divulgou um estudo que, certamente, foi a origem da proposta de incluir dinheiro do pré-sal no Centrãoduto.
O estudo informava que a empresa esperava arrecadar cerca de US$ 116 bilhões, entre 2022 e 2031, com a comercialização de 1,5 bilhão de barris de petróleo que a União terá direito nos contratos de Partilha de Produção.
Essa informação detonou a articulação do Centrão. A construção do Centrãoduto está prevista para ser feita exatamente em 2024 e 2030. Ou seja, o dinheiro do pré-sal que vai entrar na conta da União iria para o empreendimento.
PRÉ-SAL RENDE MUITO DINHEIRO
Pouca gente sabe que a PPSA entrega dinheiro regularmente ao Governo. Por exemplo. No ano passado ela enviou à União R$ 1,22 bilhão para a União cerca de 74% a mais em comparação a 2020.
Este ano, a empresa entregou ao governo R$ 642,1 milhões no primeiro quadrimestre do ano. E essa conta só tem crescido. Em oito anos de atividades a arrecadação de R$ 3,6 bilhões para a União, mas começou a subir exponencialmente a partir de 2022.
A possibilidade de o relator Fernando Filho incluir um artigo que determine que seja a União quem vai financiar o projeto do Centrãoduto já começou a fazer vitimas.
Nesta quarta-feira, o ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque foi demitido pelo presidente Jair Bolsonaro alegando que ele apoia os reajustes da Petrobras. Mas, as informações em Brasília é que essa foi a desculpa.
Os verdadeiros motivos seriam a sua oposição ao uso de dinheiro público numa obra que vai beneficiar uma única empresa que é dona de oito distribuidoras no Norte e Centro Oeste. A empresa é liderada pelo empresário Carlos Soares, chamado no setor como o Rei do Gás.
Convencido pelos deputados do Centrão que o projeto é bom para o país o presidente não aceitou a resistência de Bento Albuquerque e o demitiu aproveitando o discurso de sua leniência com os reajustes da Petrobras.