Cenário econômico em Pernambuco, no Brasil e no Mundo, por Fernando Castilho

JC Negócios

Por Fernando Castilho
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Coluna JC Negócios

CHILE: rejeição da nova constituição expõe um país que deixou de ser a referência de sucesso da América do Sul

O Chile foi o primeiro país no mundo a adotar sistema que faliu. Banco Central deu sua previsão de crescimento para o país neste ano, e vê uma crescente probabilidade de recessão em 2023

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Fernando Castilho

Publicado em 05/09/2022 às 12:18 | Atualizado em 05/09/2022 às 12:35
Eleição no Chile terá voto obrigatório - MARTIN BERNETTI / AFP

Na memória de muita gente, quando se falava do Chile, a imagem que vinha à memória era a de um país onde havia baixa inflação, alto índice de desenvolvimento humano, muita competitividade na economia global.

Além disso, a presença na lista dos 20 países com maior liberdade econômica e estabilidade política e econômica e, ainda, baixa percepção de corrupção.

O Chile se apresenta como o país mais desenvolvido da América Latina. E, de certa forma, é mesmo.

Quando se observa sua economia nos últimos 40 anos, é possível ver que o país passou por uma profunda transformação.

Saiu da ditadura militar de Augusto Pinochet para um dos países com maior liberdade de imprensa. Saiu instabilidade política e pobreza para estabilidade e ascensão social, com redução da pobreza com reconhecimento global.

Quando se fala de Previdência, o Chile era uma referência por ter sido o primeiro país do mundo a adotar um sistema de previdência totalmente privada.

Chile rejeita nova Constituição e manifestantes vão às ruas

Na educação, o Chile apresenta o melhor desempenho da América do Sul no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, que aplica provas de leitura, matemática e ciências em alunos de 79 países.

Mas, depois da pandemia, emergiu um Chile diferente. Os investidores vêm tirando dinheiro do país, apesar das taxas de juros.

O Banco Central teve que injetar bilhões de dólares no mercado de câmbio para estabilizar o peso. E este ano aconteceu uma coisa impensável sobre o Chile dos anos passados: o Fundo Monetário Internacional aprovou uma linha de crédito de US$ 18,5 bilhões para ajudar o Chile a enfrentar sua crise fiscal.

O peso perdeu mais de um quinto de seu valor desde o início de junho, atingindo repetidas baixas recordes, com uma moeda americana forte, preços do cobre em queda e preocupações com uma nova Constituição.

Na semana passada, o Banco Central deu sua previsão de crescimento para o país neste ano, e vê uma crescente probabilidade de recessão em 2023.

Na ponta, isso quer dizer menos vendas. O Chile, como a Argentina, quase que ancora sua economia na capital, e isso já está presente na cidade mais importante do país. As vendas no varejo na região metropolitana de Santiago caíram 18% em julho.

E para um país que praticamente nunca teve crise em 40 anos, quando a situação entra em descontrole, muita gente começa a querer se proteger. Nos últimos dois anos, a população do Chile correu para a realidade paralela das criptomoedas.

Ao lado da Argentina, outro país que tem visto uma grande adoção de Bitcoin por conta da crise, o caso pode mostrar que a América Latina tem visto sentido em moedas alternativas a de seus próprios bancos centrais.

MINERAÇÃO DE COBRE

Talvez como os demais países da América do Sul, exceto o Brasil, um dos problemas do Chile seja dependência da mineração do cobre. A dependência das extrações sem ter indústria como produtos mais elaborados trava o crescimento sustentado.

O preço do cobre é definido pelo mercado mundial. Não é o produtor quem faz o preço. Isso também foi uma das causas dos atuais problemas econômicos do Chile, pois em 2017 o preço do cobre sofreu forte redução no mercado mundial.

Mas não foi só isso. O país começou a sofrer com a questão da previdência, que se transformou numa crise política e leva à queda de vários presidentes.

Primeiro, o Chile envelheceu sem ficar rico. No início da capitalização, a expectativa de vida no Chile era de 78 anos, hoje é de 85 anos. Na prática, são sete anos a mais de vida a serem financiados sem prévia programação.

Tem mais. Como nos últimos 30 anos, as taxas de juros no Chile caíram. Os investimentos aumentaram em volume, porém a rentabilidade deles não foi suficiente para garantir o valor do dinheiro no tempo.

Assim, os aposentados não têm uma remuneração como esperavam.

A ideia de que as criptomoedas poderiam ser uma opção criam situações bizarras. Em 2021, o senador chileno Juan Carlos Prieto, do partido Renovação Nacional (RN) na região de Maule, anunciou que comprou Bitcoin para sua aposentadoria, indicando que na classe política do país, a novidade já chegou.

Isso pode ter desencadeado uma fuga da economia real para a economia virtual.

SISTEMA DE EDUCAÇÃO MOSTRA DESIGUALDADE

E mesmo na educação, um dos tema centrais da proposta da nova constituição, as coisas não andam muito bem.

Não se diz fora do Chile que, lá, o sistema de educação chileno demonstra fortemente a desigualdade social do país.

No Chile, 84% dos universitários pertencem às classes mais altas, contra somente 11% de alunos que provém de famílias mais pobres. Logo, percebe-se que estes últimos são massivamente direcionados a formações técnicas. Ou seja, a academia chilena é extremamente elitista e vê o mundo por essa ótica.

Embora a questão possa ser vista como uma reação de uma população conservadora e que mira ser da elite, uma vez vem sendo ensinada assim, a rejeição de uma constituição fortemente de esquerda talvez demonstre que ela é avançada demais e cara demais para ser bancada pela população que viu - com o exemplo do fracasso da capitalização da Previdência - que sem ter receita, não tem como se pagar as contas.

A esperança é que a política salve a economia que, como na Argentina, agora está apenas na lembrança de um tempo de crescimento que fazia o Chile esnobar as demais economias da América do Sul.

Inclusive o Brasil, que virou um dos três importantes mercados para a segunda indústria do Chile, a produção de salmão em cativeiro.

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