Um estudo publicado em 2019 pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), organismo das Nações Unidas, atestou em 2018 operários chineses tinham renda "similar" a operários de países menos desenvolvidos da Europa, como Grécia ou Portugal.
O estudo da OIT, porém, não se referiu ao fato de se a renda do chinês é equivalente à de um trabalhador português, sua jornada de trabalho, por outro lado, é muito mais extensa, especialmente em cadeias produtivas de elevado valor agregado, como a indústria de tecnologia, das pequenas startups às big techs, onde a falta de trabalhadores está forçando uma maior remuneração.
Faz sentido. Em março, o Escritório Nacional de Estatísticas do país (NBS, sigla em inglês) divulgou uma informação de que a China teve uma queda na taxa de emprego urbano pela primeira vez em seis décadas. Cerca de 459,3 milhões de pessoas estavam empregadas em áreas urbanas no final de 2022; 8,4 milhões a menos em relação ao ano anterior.
A questão das condições de trabalho na China ganhou um novo foco este mês com a informação de que o governo brasileiro vai acabar com a regra que isenta de impostos as remessas internacionais com valor inferior a US$ 50 (cerca de R$ 250). O benefício é exclusivo para pessoas físicas.
Nesta terça-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse à GloboNews que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pediu que a equipe econômica desistisse da proposta e buscasse outra solução, administrativamente. Ele disse que o governo não vai mais acabar com a isenção, como chegou a ser anunciado.
A medida, segundo o ministro da Fazenda, visa combater o que considera sonegação de impostos de plataformas digitais, como Shopee, Shein e AliExpress, entre outras, que vendem produtos importados no Brasil e ganharam espaço no país.
Ela vem na esteira de instituições como o Instituto do Desenvolvimento do Varejo, que em 2020 contratou um profundo estudo da McKinsey & Company, o qual observou que o mercado ilegal cresceu em 2020 e 2021 (durante a pandemia de covid-19) e provocou uma evasão fiscal de R$ 600 bilhões, em 2020.
O problema da atuação de empresas como Shopee, AliExpress e a partir de 2022, a Shein, passa longe da questão da competitividade das empresas que se queixam da forte tributação na produção.
Na verdade, trata-se de uma sonegação pura e simples, pois as empresas importadoras simulam uma remessa de pessoas na China para o Brasil. Como segundo dados iniciais do governo brasileiro no ano passado, o negócio atingiu a marca de 303 bilhões de produtos comercializados, é possível inferir que, na China, existem hoje três amigos chineses para cada dois habitantes brasileiros mandando, ao menos, uma encomenda para o Brasil.
O problema dessa remessa é que, em milhares de casos, é possível observar as etiquetas de produtos têxteis à venda aqui no Brasil selos que registram "Made in Bangladesh", “Made in Vietnan”, "Made in Indonesia" e “Made in India”, porque com a elevação do custo de mão de obra na China, as indústrias que agregam menos valor à matéria-prima deslocaram-se para centros mais baratos, como os países do sudeste da Ásia.
Na prática, o que está acontecendo é uma combinação de não pagamento de imposto com o uso de trabalho de baixo custo em países que se tornaram satélites da China, cujos trabalhadores agora exigem melhores salários (até pelo aumento da renda de escolaridade), inviabilizando os custos das indústrias na China ou em Cingapura, por exemplo.
A proposta de fiscalizar as importações vem provocando reações dentro do Governo Lula, embora o secretário da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, tenha afirmado nesta segunda-feira (17) que o governo não vai voltar atrás na decisão de fechar o cerco a empresas estrangeiras.
Segundo o IDV, o mercado brasileiro é um “convite para a ilegalidade”, porque os empreendimentos sofrem com o “manicômio tributário” mas porque existem brechas que permitem acontecer o que aconteceu com as empresas chinesas. Segundo o estudo da McKinsey & Company, em 2020 o Brasil teve uma perda de tributos de aproximadamente R$ 5 bilhões com o próprio varejo nacional, mais R$ 4 bilhões com empresas que não registravam seus empregados e R$ 20 bilhões nas vendas internacionais.
Foram esses números, como as projeções de 2022, que fizeram o governo Lula iniciar um debate sobre a questão, cujos varejistas e industriais nacionais, se referem a estes negócios como “camelódromos digitais”. E o maior canal é a possibilidade de uma pessoa no Brasil comprar algo de outra pessoa física no exterior sem pagar impostos se o valor for abaixo de US$ 50.
Segundo o presidente do Fórum Nacional Contra a Pirataria e a Ilegalidade (FNCP), Edson Vismona, em 2021, a economia brasileira perdeu R$ 300 bilhões em 2021 para o mercado ilegal. O valor é a soma das perdas registradas por 15 setores industriais, que chegam a R$ 205,8 bilhões, e a estimativa dos impostos que deixaram de ser arrecadados, de R$ 94,6 bilhões. Parte disso tem a ver com as ações de empresas chinesas nesse mercado de importação de produtos com menos de US$ 50.
Apesar das ameaças do governo, empresas como a Alibaba, por exemplo, estão muito atentas a possíveis restrições. Ela quer ampliar sua presença no Brasil com a varejista AliExpress, mas defende a ideia de virar uma opção de canal de vendas digital para pequenos e médios empreendedores nacionais.
Diferentemente das duas concorrentes, ela não se interessa apenas pelo mercado de menos de US$ 50 e que quer ser opção de loja online para brasileiros importarem da China produtos de alta tecnologia e industrializados em geral, com preços mais baixos do que os praticados no país e entrega cada vez mais rápida e, naturalmente tributados.
A Cainiao Network é o braço de logística do Alibaba Group Holding Limited, e fez um acordo para os Correios cuidarem da chamada “última milha” da Cainiao no Brasil, que cresceu mais de 70%, em março, quando as concorrentes também cresceram nesse segmento. Como a Cainiao tem oito voos fretados de carga semanais da China para o Brasil, ela vai usar a malha dos Correios.
Shein e Shoppe, entretanto, preferem concentrar as encomendas de milhões de pacotes em contêineres vindos por navios.