Metrôs - Uma conta que não fecha: Os exemplos da Bahia e de Fortaleza

Publicado em 21/10/2019 às 13:00
São sistemas que operam bem, têm tecnologia de ponta e oferecem previsibilidade aos passageiros. Alguns, sob gestão pública, mas a maioria é, de fato, concedido à iniciativa privada Foto: Metrô Bahia


 

Fotos: O POVO  

No segundo dia da série de reportagens Metrôs – Uma conta que não fecha, os exemplos vindos de Salvador, na Bahia, e de Fortaleza, no Ceará. A Rede Nordeste, parceria de produção de conteúdo jornalístico entre o Jornal do Commercio, O Povo (CE), e o Correio (BA), mostra que está no Nordeste, precisamente na capital baiana, um dos sistemas concedidos à iniciativa privada que virou referência no setor. Já no Ceará, o mapeamento revela um metrô promissor, mas que necessita de planejamento urbano.

À ESPERA DE PLANEJAMENTO - O SISTEMA DE FORTALEZA

LUANA SEVERO

luanasevero@opovo.com.br

Cinquenta e quatro quilômetros de trilhos em plena operação, 37 estações de embarque e desembarque, dez trens elétricos, cinco Veículos Leves sobre Trilhos (VLT), 40,8 milhões de passageiros transportados nos últimos cinco anos e um investimento de R$ 222 milhões só em 2019. Criado para ser um sistema de transporte rápido e de alta capacidade, o metrô de Fortaleza e Região Metropolitana, gerido pela Companhia Cearense de Transportes Metropolitanos (Metrofor), tenta ser parte importante da mobilidade da capital. Mas o ritmo ainda é lento. Com um ramal ainda em operação assistida, entre a Parangaba e o Mucuripe, e duas linhas, a Sul e a Oeste, operando integralmente sobre trilhos construídos na década de 80, o metrô atende a uma parcela pequena da população e não corresponde a um dos principais sistemas de transporte de Fortaleza. Isso porque também ainda pouco se integra às outras alternativas de deslocamento disponíveis, como ônibus, bicicletas e veículos.

Segundo Eduardo Hotz, presidente da Metrofor, há uma proposta que conectaria as linhas de metrô às principais redes de fluxo urbano. Mas, para efetivamente funcionar, esse planejamento deve se alinhar às reais demandas de deslocamento na cidade, ainda desconhecidas pelo poder público, responsável por gerir os sistemas locais de transporte. “Temos um estudo de origem e destino que está sendo feito pela prefeitura. Estamos buscando uma participação pra compartilhar dados e ver a possibilidade de usar essa pesquisa no metrô, porque não sei a real demanda”, admite o gestor. A pesquisa que originou o sistema metroviário como ele é hoje data de 1996. “A cidade já mudou tanto que a atualização não se justifica. Melhor fazer um novo levantamento”, disse Hotz.  

Quando foram construídas as vias férreas, os trens que transpassavam Fortaleza serviam mais ao transporte de cargas do que de pessoas. Foi no início do século 20, depois que a cidade se desenvolveu de forma desorganizada e pouco adensada, que essa demanda se inverteu. Assim como em outras oito capitais brasileiras, o metrô de Fortaleza era gerido, inicialmente, pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU). Mas, a partir de 1994, alguns desses sistemas, incluindo o da capital, passaram das mãos do governo federal para as esferas públicas locais. A rede básica do metrô foi construída em cima dessa estrutura porque não se tinha como arcar com os custos de desapropriação para a expansão da malha ferroviária.  

  Hoje, Hotz acredita que há mais condições de investir em metrô no Ceará. Principalmente, segundo ele, se for considerada a administração público-privada. “Como já se faz com ônibus”, alegou. Ele lembrou, inclusive, que o governo do Estado já tentou migrar para essa modalidade, mas que, devido ao período de recessão econômica nacional, não vingou.

A Metrofor se coloca no mercado como uma empresa de economia mista, porém, com controle majoritário do Estado. Transferir responsabilidades numa parceria público-privada necessitaria, de acordo com Hotz, de um contrato bem estabelecido juridicamente, inclusive, sinalizando que garantias podem ser dadas à iniciativa privada e de que forma deve ser gerada e compartilhada a receita para a sustentabilidade do sistema. Só recurso oriundo de tarifa não pagaria a manutenção. “Operação de metrô, em nenhum lugar, é paga pelo serviço,”.

Em 2017, ano em que teve receita operacional de R$ 18,9 milhões, a Metrofor registrou prejuízo de R$ 167,34 milhões, valor 10,6% maior que o déficit observado em 2016 (R$ 151,24 milhões). À época, a companhia já justificava que o lucro obtido pelas tarifas não eram suficientes para cobrir as despesas operacionais. Levantamentos recentes foram solicitados pelo O Povo à Metrofor, mas a companhia não respondeu.  

 

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    Com duas estações do ramal Parangaba-Mucuripe previstas para entrega no final deste ano e a obra inteira da Linha Leste pela frente, com prazo para 2022, o sistema metroviário de Fortaleza pretende chegar a 64,1 quilômetros de trilhos e 44 estações. A ideia é que o metrô não funcione mais somente no movimento pendular, ligando a Região Metropolitana ao Centro e consiga conectar bairros distantes.

SUBSÍDIO

Bruno Bertoncini, professor de Engenharia de Transportes da Universidade Federal do Ceará (UFC), entende que sistemas metroviários são caros e não podem exercer tarifas muito altas. Por isso, não conseguem se sustentar sozinhos financeiramente. “Não é como um avião. Tem que praticar tarifas condizentes com a realidade local, social. Em geral, no mundo todo, não há registro de metrô que opere sem a existência de algum subsídio. Todo sistema metroviário que a gente vê, por mais que exista alguma empresa privada fazendo a gestão, há uma presença forte de Estado”, analisou o professor. Contudo, para o especialista, pensar em gestão é pensar, principalmente, em como a rede metroviária está projetada, se está atendendo aos principais movimentos populacionais, se o sistema está bem integrado aos outros sistemas de transporte da cidade e se está, de fato, transportando um volume grande de pessoas diariamente.

“Nas linhas em operação em Fortaleza, não se observa um padrão de adensamento que justifica essa possibilidade de renovação (de usuários do sistema). A gente tem trechos da Linha Sul, por exemplo, que passa por regiões em que não há elementos de atração de viagem suficientes no entorno. Isso acaba se tornando um ponto de alerta. Pensar em modelos pra adensar esses corredores é uma estratégia”, observou.

Outro fator preponderante para o melhor funcionamento do sistema metroviário de Fortaleza é, de acordo com Bertoncini, integrá-lo de forma física e tarifária ao sistema de ônibus. “Não podemos entender que são sistemas concorrentes. Se bem pensados e desenhados, todo mundo vai ganhar.” Em geral, os usuários do sistema metroviário da capital consideram o transporte eficiente quando analisam as próprias viagens diárias que fazem. Mas sugerem a integração tarifária com ônibus, a redução do tempo de espera entre os trens e o funcionamento pleno do sistema aos domingos e feriados. Lia Araújo, 42 anos, funcionária pública acha que o metrô de Fortaleza cumpre a função de transportar uma quantidade grande de pessoas. Com a experiência de quem já utilizou o sistema metroviário de Berlim, na Alemanha, ela pondera que os intervalos entre os trens devem ser menos espaçados, que deve haver mais integração entre os transportes municipais e que, comparado a Berlim, o usuário paga muito mais caro para se deslocar no metrô de Fortaleza.

 

 

Foto: CCR/MetrôBahia

A REFERÊNCIA QUE VEM DA BAHIA

GABRIEL AMORIM

gabriel.amorim@redebahia.com.br

As quase duas horas de trajeto que ligavam a casa ao trabalho da advogada Carine Cruz, 30 anos, se transformaram em 35 minutos desde que o metrô de Salvador foi inaugurado. Moradora de Lauro de Freitas, na Região Metropolitana, ela percorre quase 17 km diariamente até o escritório onde atua, na Avenida Tancredo Neves. Com a economia de tempo, que chega a praticamente uma hora e meia, Carine conta que mudou completamente a sua rotina e, hoje, não sente mais falta de ter um carro próprio. “Se eu comprasse um automóvel, não usaria para ir ao trabalho. Com o metrô, além da rapidez, me sinto mais segura e com mais conforto. Não tenho que dirigir”, explica. A mudança na rotina de Carine chegou em 2014, quando os trens do modal baiano começaram a fazer suas primeiras viagens.

Foram 14 anos de espera entre o início das obras e o momento em que o metrô de Salvador saiu da estação pela primeira vez, ainda na fase de testes. A demora fez o equipamento ser alvo de piadas e brincadeiras entre os baianos. Depois de cinco anos operando e servindo a soteropolitanos e turistas, o metrô segue se modernizando. A novidade mais recente é a utilização de drones para auxiliar na manutenção do sistema. Os equipamentos voadores passaram por uma fase de testes no mês de setembro, quando dois aparelhos foram usados na manutenção predial e de energia elétrica. O sistema se consolidou e recebeu, no ano passado, investimentos de R$ 506 milhões. A previsão para este ano é que sejam injetados mais R$ 183,5 milhões.

 

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  Hoje, são 33 quilômetros em operação, que compreendem duas linhas e ligam Lapa a Pirajá e Acesso Norte ao Aeroporto. Mais três estações estão previstas, totalizando 43 quilômetros. Para percorrer toda a linha 1 (da Lapa a Pirajá), são necessários 15 minutos. Já todo o trajeto da linha 2 (do Acesso Norte ao Aeroporto) é feito em 27 minutos. As viagens ocorrem das 5h à meia-noite, quando 35 dos 40 trens se revezam na operação. O sistema atende diariamente a mais de 370 mil passageiros. Somando todo mundo que já foi atendido nesses cinco anos de atividade, estima-se que já foram mais de 200 milhões de usuários beneficiados.

“Eu me senti como em um desfile da Disney, fiquei bobão de ver a alegria das pessoas em ver o metrô funcionando. Eu acenava pra elas sem acreditar que eu estava ali.” O depoimento emocionado é de Silvio Cavalcante, integrante da primeira turma de agentes de atendimento e segurança da CCR Metrô Bahia. Ainda membro da equipe de funcionários, Cavalcante, como é conhecido, lembra que viajar no metrô de Salvador foi como realizar um sonho. Para embarcar é necessário comprar uma passagem que custa R$ 3,70. O bilhete dá direito também a uma integração com os ônibus da cidade para chegar ao seu destino final. Se o passageiro começa a viagem pelo metrô, no ônibus é cobrado apenas os R$ 0,30 que diferenciam as duas tarifas. O prazo para usufruir dessa integração é de até 2 horas – no caso das linhas urbanas – e de até 3h para as metropolitanas. É preciso usar o mesmo cartão de passagem e o acesso ao ônibus pode ocorrer antes e/ou depois da utilização do metrô.

 

Diferentemente do que habita o imaginário da maioria das pessoas quando se pensa em metrô, o modal baiano foi construído em sua maioria na superfície e tem trechos subterrâneos apenas em duas estações: Lapa e Campo da Pólvora. Foram quase quatro horas para que a equipe de reportagem do Correio percorresse as duas linhas do metrô soteropolitano e fosse apresentada a todos os detalhes que passam despercebidos aos olhos de quem usa o transporte diariamente. Cabine, salas de reunião, primeiros socorros, centro de controle. São inúmeras as particularidades para fazer funcionar uma operação do tamanho do modal de Salvador, que gera um custo mensal aproximado de R$ 20 milhões. Ao final de um ano, esse valor é de R$ 242 milhões.

PASSAGEIROS

Entrando e saindo dos trens, pouco mais de três passageiros chegam a dividir o mesmo metro quadrado nos horários de pico. Para eles, o metrô representa, acima de tudo, uma melhoria significativa na locomoção. É o caso dos amigos Jean Luca, 19, e Maria Eduarda, 18. Moradores do bairro de Stella Maris, eles estudam no bairro de Ondina e percorrem uma distância de 26 km para chegar à faculdade.

“Antes do metrô era horrível, a gente levava três horas para conseguir chegar. Fora a distância, ainda tinha a demora do ônibus passar”, conta a jovem. “Hoje, a gente consegue fazer o mesmo trajeto em 1h30, no máximo, e pulamos o engarrafamento. Ficou muito melhor”, completa o amigo.

Questionados sobre o que poderia ser aperfeiçoado, os estudantes reclamam apenas do aperto comum nos horários de pico. “O metrô poderia chegar às áreas mais internas da cidade também, mais perto da periferia”, opina a aposentada Agmar Rocha, 61, que gostaria que o serviço facilitasse ainda mais sua vida. “Eu uso muito para ir a médicos e fazer exames, realmente economiza bastante tempo. Se chegasse em mais lugares, seria ótimo”, reforça. Se, para a aposentada, o metrô poderia ser ainda melhor, existem aqueles para quem o modal acabou representando uma verdadeira transformação de rotina, como é o caso da advogada Camila Costa.

 

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  Moradora de Buraquinho, ela trabalha em um escritório em Salvador, na região da Tancredo Neves. “Devido à rapidez e ao curto intervalo entre trens do metrô, eu passei a otimizar o meu tempo. Agora já sei os horários dos ônibus que me levam de casa ao Terminal Aeroporto e vice-versa, consigo calcular cada minuto para fazer a integração e chegar ao meu destino. Eu passo de metrô olhando o trânsito na rua, aquilo me dá um alívio”, diz Camila, que passou a deixar o carro na garagem. Ela agora só usa o veículo particular para emergências. “No metrô ainda consigo produzir enquanto estou no trajeto, faço outras coisas com o tempo, o que não seria possível dirigindo”, explica a advogada.

Além dos conhecidos operadores, a equipe do metrô conta ainda com mais de 500 agentes de atendimento e segurança, formados em 12 turmas desde que o modal começou a operar. Se Cavalcante é veterano e estava na primeira turma, antes mesmo dos trens começarem a rodar, os novatos concluíram o curso, com dois meses de aulas, em agosto passado. “Foi completamente diferente do que eu imaginava. Eu gostei muito. Estávamos ansiosos para vestir a farda”, conta Augusto Damasceno, um dos novos agentes.  

 

  O treinamento, que envolve técnica de segurança, primeiros socorros e principalmente atendimento e abordagens ao público, depois do tempo em sala de aula, é finalizado com duas semanas em campo. Os alunos vão às estações, mas ainda sem vestir a farda e carregar a identificação com o chamado “nome de guerra”.

Se os agentes de atendimento são o contato mais próximo entre a equipe do metrô e seus usuários, outra peça fundamental da equipe permanece mais escondida: os operadores dos trens. Ao todo, são 150, que se revezam em turnos. Juntos, 40 deles operam os 35 trens que fazem o metrô funcionar. Como os vagões trafegam automaticamente, a figura do operador acaba se tornando uma presença de segurança em cada cabine. É deles a missão de estar sempre atento para passar a operar os trens manualmente caso algo saia do controle.

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