Bicicleta como solução para o pós-pandemia do coronavírus

Com o medo da contaminação no transporte coletivo, o mundo começa a dar exemplos de que a mobilidade ativa vai ganhar mais atenção quando o coronavírus aliviar. Não só a bicicleta, mais também o caminhar com o alargamento de calçadas
Roberta Soares
Roberta Soares
Publicado em 27/04/2020 às 12:22
OPERAÇÃO Com três quilômetros de extensão, a Ciclofaixa Operacional Marim dos Caetés vai funcionar no horário das 7h às 16h, aos domingos, quinzenalmente Foto: FILIPE JORDÃO/ACERVO JC IMAGEM


POR ROBERTA SOARES, DA COLUNA MOBILIDADE

O medo da contaminação pelo coronavírus mudará a sociedade por muito tempo e será um problema a ser enfrentado mundialmente no pós-pandemia. E na mobilidade urbana ainda mais. Como já falamos, a tendência é que as pessoas fujam do que é coletivo. Ônibus e metrôs talvez nunca mais recuperem a demanda que tinham no pré-pandemia, que já acumulava perdas. Nesse cenário de pessimismo, há uma
corrente, fortalecida por algumas ações mundiais, que enxerga o transporte ativo - especialmente a bicicleta - como protagonista de cidades melhores. Como a sociedade já percebia e passou a saber ainda mais com a efervescência da natureza diante da imobilidade humana, o planeta não suportará se todos tirarem seus carros da garagem ou adquirirem um. Sendo assim, transformar a ciclomobilidade em ator principal, abrindo espaço para a infraestrutura que ofereça segurança viária para as pessoas pedalarem, é uma decisão vista
como esperança para o futuro.

Mas não adianta usar essa lógica apenas no discurso, sem exercê-lo na prática. Quem não tem opção, usa a bicicleta de qualquer forma, em corredores viários de tráfego pesado, mesmo sem qualquer segurança. Mas é a estrutura cicloviária que estimula e faz as pessoas usarem a bike como meio de transporte.  Principalmente as classes média e alta, que serão as que mais condições de adquirir carros terão no pós-pandemia. Por sorte, o mundo começa a dar exemplos de que a mobilidade ativa vai ganhar mais atenção quando o coronavírus aliviar. Não só a bicicleta, mais também o caminhar com o alargamento de calçadas.

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O EXEMPLO DE FORTALEZA

ELES SÓ QUERIAM PEDALAR

Milão, na Itália, anunciou no dia 21/4 um plano ambicioso de realocar o espaço das ruas para o uso da bicicleta e do pedestre como estratégia para evitar o ressurgimento do uso e dependência do automóvel. Foi batizado de "Strade Aperte" (Rua Aberta) e seria uma resposta à crise do coronavírus, já que a região da Lombardia, no Norte da Itália e cuja capital é Milão, é uma das áreas mais poluídas da Europa e está vivenciando uma redução da poluição com a diminuição de até 75% dos congestionamentos. A região, inclusive, foi especialmente afetada pelo surto de covid-19. O plano para já prevê a transformação de 35 quilômetros de ruas durante o verão europeu em espaços com ciclovias temporárias, baixo limite de velocidade e ruas exclusivas para pedestres e ciclistas.

Não só o medo das algomerações no transporte coletivo, mas também a poluição tem pesado demais nas decisões de gestores mundiais que estão passos à frente do Brasil porque já começam a estruturar o pós-pandemia. E não é para menos. Além dos danos já conhecidos e do fato de que o planeta viu e sentiu os benefícios de não tê-la, a poluição pode estar diretamente atrelada à fatalidade pelo novo coronavírus. Alguns estudos pelo mundo associaram altas concentrações de poluição a elevados números de mortos em grandes cidades. Na Alemanha, um estudo da Universidade Martinho Lutero de Halle-Wittenberg, mostrou que 78% das mortes por coronavírus nos quatro países mais afetados da Europa – Itália, Espanha, Alemanha e França – ocorreram em apenas cinco das 66 zonas administrativas que compõem esses países. E que essas cinco zonas estão concentradas no Norte da Itália e em Madri, sendo as regiões mais poluídas desses países. O estudo foi publicado na revista Science of the Total Environment.

REDUÇÃO INTENCIONAL NO TRANSPORTE COLETIVO
Há alguns países, inclusive, que estão limitando o uso do transporte coletivo para a fase pós-pandemia como forma de minimizar as possibilidades de contágio – já que todos sabem do risco que ônibus e metrôs representam pelo volume de pessoas que os utilizam. O Metrô de Madri, por exemplo, já determinou que irá transportar apenas 30% da demanda pré-pandemia após a quarentena. Além de manter o teletrabalho e turnos escalonados, o governo da cidade espanhola recomendou, para os próximos meses, o uso da bicicleta e do carro.

Reprodução web - Propostas de ampliação dos espaços para a bicicleta em Milão, na Itália

CICLOVIAS PROVISÓRIAS EM BERLIM
Algumas cidades alemãs estão redesenhando as marcações das ruas e avenidas para criar ciclovias provisórias durante os bloqueios da pandemia. Foi uma forma de dar mais espaço aos ciclistas que usam a bike em seus deslocamentos para o trabalho. As ciclofaixas são chamadas "pop-up" porque surgem nas ruas, sendo de fácil implantação. Em Berlim, por exemplo, a estrutura foi montada com fita removível e sinais móveis para marcar as faixas expandidas, que podem ser removidas posteriormente. O projeto começou como um piloto no fim de março, mas já agradou. É tanto que outras 133 cidadães alemãs receberam pedidos para instalação de estruturas semelhantes.

O EXEMPLO MUNDIAL DE BOGOTÁ
Bogotá, capital colombiana, começou a operar uma ampla malha temporária para bicicletas no fim de março como alternativa ao medo do transporte coletivo e ao uso do automóvel. A estrutura - vale ressaltar - não foi criada para ser utilizada como lazer. Ao contrário. São 76 quilômetros de ciclofaixas móveis implantadas em corredores e eixos estruturantes da cidade para serem usados por quem pedala como meio de transporte. A medida começou com 22 km, mas dias depois houve a ampliação para os 76 quilômetros atuais. A rede está em eixos estruturantes de Bogotá e que antes eram utilizados pelo tráfego de automóvel. Funciona de segunda à sexta, das 6 horas às 19h30.

NOVAS ROTAS NO RECIFE
O Recife pretende tirar do papel novas rotas cicloviárias durante a crise do coronavírus. Segundo a CTTU, a gestão aproveita o isolamento social para executá-las e garantir um pouco mais de transporte sustentável no pós-pandemia. A cidade ganhará mais três rotas nos bairros de Beberibe, Parnamirim (Zona Norte) e Barbalho (Zona Oeste). São mais 6,5 quilômetros de ciclofaixas. Com elas, segundo a prefeitura, o Recife passará a ter 125,5 km de rotas cicláveis. A promessa é de que estejam implantadas até o fim de maio.
Também serão utilizadas em algumas áreas a redução de velocidade e o urbanismo tático.

A Rota Beberibe terá 2,2 km de extensão e o seguinte trajeto: Estrada Velha de Água Fria, Rua São Bento, Rua Alegre, Rua da Regeneração e Avenida Beberibe. Essa nova rota se conecta com a Ciclofaixa Professor José dos Anjos, formando um total de 36,2 km de malhas interligadas na Zona Norte e Centro, compostas pelas rotas Sebastião Salazar, Santos Dumont, Marquês de Abrantes, Othon Paraíso, Avenida Norte, Santo Amaro, Boa Vista, Jornalista Graça Araújo e Bairro do Recife. Na região da Rota Beberibe, será implantada, também, uma área de trânsito calmo e de urbanismo tático no entorno da área comercial do Mercado de Água Fria.

A Rota Caiara no bairro do Barbalho terá 3,3 km de extensão. O novo equipamento seguirá o percurso a partir da Avenida Nossa Senhora da Saúde, contornará o Parque Caiara, na Rua Doutor José Anastácio da Silva Guimarães, Rua Leal de Barros, Rua São Mateus, Rua Simonésia, Rua Jornalista Possidônio Cavalcanti Bastos, Rua Maria de Fátima Soares e voltará para Rua Leal de Barros. O novo equipamento se interliga com a Ciclofaixa Maurício de Nassau e, dessa forma, a Zona Oeste terá mais de 34 km de malha cicloviária 
interligada por meio das rotas Inácio Monteiro, Cavouco, Antônio Curado, Afonso Olindense, Tiradentes, Compaz, Arquiteto Luiz Nunes, Estrada do Bongi e Jardim São Paulo.

Já no bairro de Parnamirim, serão implantadas as Rotas Ferreira Lopes e Paula Batista, que terão 1 km de extensão. Embora pequenas, permitirão a conexão com as ciclofaixas existentes nas estradas do Encanamento e do Arraial. Além de ligar essas duas rotas, o novo equipamento estenderá a ciclofaixa da Estrada do Arraial pela Rua Paula Batista, equipamento que virou bidirecional recentemente.

Kmelo - Arte JC

CASA AMARELA SAI NA FRENTE E PEDE AÇÕES SEMELHANTES NO RECIFE
Ações de mobilidade sustentável semelhantes às que estão sendo realizadas em várias partes do mundo foram reivindicadas para o Recife. E o protagonismo é do Instituto Casa Amarela Saudável e Sustentável (ICASS), que enviou uma solicitação formal à gestão municipal para que seja ampliado o espaço para circulação das pessoas no bairro, que ocupa o terceiro lugar em casos da covid-19 na capital, com quase 70 registros. Diante do movimento de pessoas provocado pela força comercial do bairro, o instituto pede que algumas ações sejam adotadas:

* Bloqueio total ou parcial de ruas em frente aos principais equipamentos que atraem multidões da Rua Padre Lemos
* Alargamento de calçadas para os pedestres circularem cumprindo o distanciamento de dois metros como determina a OMS
* Bloqueio total da Rua Padre Lemos entre a Rua Taquaritinga e a Estrada do Arraial, sendo permitido apenas a circulação de veículos para carga e descarga
* Bloqueio parcial linear às calçadas com cavaletes ou vasos de plantas em toda a extensão da Avenida Padre Lemos para triplicação do tamanho das calçadas dos dois lados da via

O argumento do Instituto Casa Amarela Saudável é que, apesar das recomendações para o isolamento social, muitos moradores precisam sair de casa para fazer compras e resolver problemas bancários, por exemplo, gerando movimento nas ruas, principalmente próximo a lotéricas, bancos e supermercados. Por isso a necessidade de ampliar os espaços. 

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