Precisamos discutir a velocidade das nossas ruas e avenidas. É urgente. O que vimos na Avenida Boa Viagem no último domingo, (20/9), quando um condutor em visível excesso de velocidade colidiu na traseira de outro veículo e se lançou sobre a ciclovia e o calçadão da praia, atropelando três pessoas e deixando uma quarta ferida, foi um alerta sobre essa necessidade. Poderíamos ter contado um número bem maior de feridos e até de mortos. Era um domingo de sol, com ciclovia e calçadão lotados. Um dos equipamentos de ginástica do calçadão evitou o pior. Sem ele, a velocidade desenvolvida pelo condutor teria feito estragos bem maiores.
Por isso, aquela colisão - não chamemos de acidente, porque não é acidente, houve o excesso de velocidade - deve ser vista por todos como um alerta de que estamos vulneráveis, que poderemos presenciar algo ainda mais grave a qualquer momento. Não tivemos mortes, mas as pessoas se feriram, sentiram dor e sentirão - por muito tempo - medo de estar novamente pedalando ou caminhando nas ruas. Situação que deve levar aos questionamento por todos: por que e como aquele motorista desenvolvia uma velocidade tão alta, na avenida mais famosa do Recife, beira-mar da cidade, num domingo de sol, que em qualquer época do ano estaria lotada, mas que o estava ainda mais devido à pandemia da covid-19?
Ficou comprovado, segundo informações oficiais da CTTU, que o condutor não tinha bebido. Mas mesmo assim ele corria. As imagens do acidente deixam claro o excesso de velocidade. E por que corria? Corria porque sabia que podia correr. Porque nossas ruas e avenidas são um estímulo à velocidade dos veículos e a impunidade para os imprudentes ao volante ainda é grande. A colisão deixou um ciclista, dois pedestres e a ocupante do carro colidido feridos.
MOTORISTA NÃO FOI MULTADO
Para quem não sabe, apesar de ter deixado quatro pessoas feridas, o condutor que provocou a colisão não recebeu nenhuma autuação de trânsito. Pelo menos essa é a informação oficial da CTTU. Segundo o órgão, ele poderia ser autuado por três infrações nesse caso: acessar a ciclovia e a calçada e por velocidade. Nos dois primeiros casos, como os agentes de trânsito entenderam que ele invadiu os espaços como resultado do acidente, não foi notificado. E na terceira possível infração, a de excesso de velocidade, apenas um equipamento de controle de velocidade, aferido, poderia comprovar. Os agentes não podem aferir o excesso de velocidade a “olho nu”. É o que diz o Código de Trânsito Brasileiro (CTB).
A única possibilidade de autuação, nesse caso, é se o veículo foi flagrado por um dos dois radares instalados em trechos anteriores ao local da colisão - o terceiro equipamento funciona mais à frente. Mas, até a publicação desta reportagem, a CTTU não sabia informar se a autuação aconteceu. Como o exame de alcoolemia deu negativo e, segundo o órgão de trânsito, o condutor estava com a habilitação em dia, foi decidido pelas autoridades que estavam no local que não havia necessidade de encaminhá-lo a uma delegacia de polícia.
Ou seja, o estímulo à direção veloz foi grande.
MÊS DA MOBILIDADE
A quase tragédia da Avenida Boa Viagem ganha mais evidência quando lembramos que estamos no chamado Mês da Mobilidade, no início da Semana Nacional de Trânsito e a um dia do Dia Mundial Sem Carro. São datas simbólicas que rendem mais estilo nas redes sociais do que frutos na prática, mas que têm uma simbologia. É uma época em que o Brasil olha - ou ao menos deveria olhar - para a segurança viária e para a mobilidade sustentável. E nenhuma das duas se implementa sem o controle de velocidade nas ruas e avenidas.
Pelo menos o Recife tem avançado na questão do controle de velocidade, com a ampliação da fiscalização eletrônica na cidade. Atualmente, a capital possui 60 equipamentos de fiscalização eletrônica, sendo todos implantados a partir de 2018 nos principais corredores da cidade. Desses, 19 foram implantados em 2014, cinco em 2015, 31 em 2017 e cinco em 2018.
Além disso, o Recife é uma das cinco capitais brasileiras a alcançar a meta de reduzir em 50% o número de óbitos no trânsito, dentro da Meta Global de Redução de Acidentes, instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) e que termina este ano. Segundo a Prefeitura do Recife, houve redução de 50,4% dos óbitos no trânsito entre 2011 e 2018.
Mas, mesmo assim, a velocidade segue sendo o grande vilão do trânsito, colocando diariamente em xeque a segurança viária. Dados da CTTU apontam que, mesmo durante a pandemia, o número de infrações cometidas por excesso de velocidade seguiram altos, apesar de haver menos veículos nas ruas. Foram, de janeiro a agosto de 2020, 200 mil notificações de desrespeito ao limite de velocidade das ruas, flagradas por apenas 60 equipamentos aptos a essas notificações. Para a infração de transitar até 20% acima da velocidade permitida, foram geradas, em janeiro, 24.165 notificações. Em fevereiro, 19.783; em março, 19.876; em abril, 18.435; em maio, 17.134; em junho, 17.064; em julho, 17.609; e, em agosto, 20.949 notificações.
Já para a infração de transitar entre 20% e 50% acima da velocidade permitida, foram geradas, em janeiro, 2.805 notificações. Em fevereiro, 2.268; em março, 2.553; em abril, 2.303; em maio, 2.265; em junho, 4.033; em julho, 4.477; e, em agosto, 5.100. Quanto à infração por transitar em 50% da velocidade acima da regulamentada na via, em janeiro, foram registradas 170 notificações; em fevereiro, 115; em março, 173; em abril, 152; em maio, 191; em junho, 1.029; em julho, 1.421; e, em agosto, 1.436.