As 274 linhas de ônibus que atualmente operam sem cobrador na Região Metropolitana do Recife vão ter que voltar a ter o profissional a partir do dia 3 de dezembro. E as outras também não poderão perdê-los. Mesmo as linhas que ficaram sem o cobrador antes da pandemia porque tinham pouca circulação de dinheiro. A determinação fez parte da negociação para evitar a greve dos motoristas e cobradores, prevista para esta terça-feira (24/11), e foi publicada em portaria do Grande Recife Consórcio de Transporte Metropolitano (CTM) no Diário Oficial do Estado.
Além da garantia formal, por escrito, de que a Lei 18.761/2020, que proíbe motoristas de acumularem a função de cobrador nos ônibus do Recife, será cumprida a partir do dia 3 e, também, em toda RMR, os rodoviários ainda conseguiram incluir essa exigência no pacote negociado com o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros (Urbana-PE), diante do Tribunal Regional do Trabalho da 6ª Região (TRT), do Ministério Público do Trabalho (MPT) e do governo de Pernambuco. E, segundo o CTM, ela será cumprida à risca, sem questionamento.
FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM - Cobradores de ônibus foram a categoria mais atingida nas demissões em massa. Na crise sanitária e por causa dela, a operação sem os profissionais foi ampliada de 50% para 70%
“Vamos sim. A portaria assinada pelo presidente do CTM e publicada no Diário Oficial do Estado desta terça-feira diz isso e, a partir de 3 de dezembro, iremos operacionalizar a mudança. Essa é a decisão e ela foi nossa, como forma de atender ao pedido dos rodoviários e evitar a greve. O governo entende que uma greve de ônibus neste momento não poderia acontecer e se empenhou, no que tinha autonomia, para evitá-la. Agora, teremos que operacionalizá-la e ver o custo financeiro que ela representará. Porque haverá um custo sim”, esclarece Roberto Campos, coordenador jurídico do Consórcio Grande Recife.
IMPACTOSO custo do retorno dos cobradores em todas as linhas que operavam sem os profissionais equivale, segundo dados já divulgados pelo governo do Estado, a R$ 0,25 na tarifa do anel A. Valores calculados considerando os valores do último reajuste tarifário, no início de 2019. Essa economia a que se refere o Estado é a quantia que deixaria de ser repassada à passagem num próximo aumento. Se todo o Sistema de Transporte Público de Passageiros da RMR (STPP) deixasse de operar com cobradores essa economia seria, também segundo o governo, de R$ 0,60 na tarifa.
A publicação da portaria significa dizer que mais de 600 cobradores voltarão para os coletivos e que 2.416 motoristas deixarão de praticar a dupla função. Ou seja, receber dinheiro, passar troco e dirigir ao mesmo tempo. Os rodoviários, no entanto, contestam essa informação e dizem que serão, no mínimo, 2.500 cobradores de volta - número equivalente ao total de motoristas que hoje atuam na dupla função. Atualmente quase 70% do sistema opera sem cobrador. Os dados são do CTM, verificados até o dia 17/11. O processo de retirada dos cobradores já vinha sendo implementado no sistema desde 2015, mas foi interrompido pelo governador Paulo Câmara e, depois de retomado, liberado completamente entre junho e julho de 2020, em plena pandemia, numa tentativa de equilibrar financeiramente a operação.
E, segundo Roberto Campos, todas as linhas do sistema, com exceção do BRT, terão que voltar a circular com cobradores, mesmo que o pagamento da tarifa em dinheiro seja baixíssimo. “Mesmo quando o pagamento com os cartões VEM for de 98%, por exemplo, teremos que ter o cobrador nos ônibus. Não temos o que fazer porque foi o acordado. Na próxima semana teremos uma reunião com o setor empresarial para acertar a operacionalização”, garantiu. A garantia da operação de todas as linhas com os cobradores foi decidida no fim da audiência mediada pelo TRT, obrigando o governo de Pernambuco a refazer o texto da portaria duas vezes. A princípio, ficaria decidido apenas que o cobrador atuaria nas linhas que tivessem pagamento da tarifa em dinheiro, mas os rodoviários insistiram que o texto fosse genérico e abrangente. Assim, o Parágrafo Único da Portaria Nº167/2020 ficou assim: “Em virtude disso, fica determinado que os veículos somente irão circular com a presença do cobrador no ônibus”.
Confira a Portaria Nº 167/2020 na íntegra:
INCONSTITUCIONALIDADE
Uma possibilidade que precisa ser considerada e começou a ser levantada é a legitimidade da nova lei, ou seja, a sua constitucionalidade. Há quem entenda que ela é inconstitucional porque trata de questões relacionadas ao direito do trabalho, que, pela Constituição Federal, apenas o Legislativo federal tem autonomia.
FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM - Urbana-PE diz que, atualmente, quase 90% das tarifas são pagas de forma eletrônica, com os cartões VEM
Embora o PL 05/2019, de autoria do vereador Ivan Moraes (Psol) e que originou a lei que proíbe a dupla função, tenha tido um parecer favorável da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara de Vereadores do Recife, PL semelhante de autoria da co-deputadas Juntas (PL 471/2019) foi rejeitado pela mesma comissão da Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) no ano passado. E o argumento foi o mesmo: inconstitucionalidade porque invadia a esfera trabalhista.
Membro das comissões de Direito do Trabalho e de Defesa, Assistência e Prerrogativas da OAB/PE, e advogado especialista em Direito e Processo do Trabalho, João Galambo entende que a lei é inconstitucional. “É inconstitucional porque os municípios não têm competência para legislar sobre direito do trabalho. É uma lei diferente, por exemplo, da lei que obrigou a refrigeração da frota de ônibus, algo que pode ser legislado pelo Estado ou município. Mas a dupla função, que trata do direito do trabalhador, tem que ser legislada pela União ou pelo Legislativo federal. O argumento é a falta de competência de quem a criou, não contra o objeto da lei”, explica.
OUTRAS CONQUISTAS
A negociação para evitar a greve foi além da dupla função. Os motoristas, cobradores e fiscais também conseguiram outros ganhos: um reajuste pelo índice acumulado do INPC (Índice Nacional de Preços ao Consumidor) de 2,69% e uma estabilidade de emprego por seis meses. Para depois, a negociação de um possível reajuste no tíquete refeição. Também ficou acordado que a convenção coletiva da categoria do ano passado será prorrogada na íntegra, com a exclusão de apenas dois pontos: a autorização para a prática da dupla função e para o intervalo da intrajornada.
FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM - Além da garantia formal, por escrito, de que a Lei 18.761/2020, que proíbe motoristas de acumularem a função de cobrador nos ônibus do Recife, será cumprida a partir do dia 3 e, também, em toda RMR, os rodoviários ainda conseguiram incluir essa exigência no pacote negociado