A terceira fase da Operação Outline, realizada nesta quarta-feira (25/11) e na qual a Polícia Federal mais uma vez investiga possível desvio de recursos das obras de restauração do chamado contorno urbano que a BR-101 faz na Região Metropolitana do Recife, é mais uma comprovação de que, em 2017, os engenheiros que alertaram sobre a qualidade da obra tinham razão. Na época, as Associações Brasileira de Engenheiros Civis em Pernambuco (Abenc-PE), dos Engenheiros de Segurança do Trabalho de Pernambuco (Aespe) e do Sindicato dos Engenheiros de Pernambuco (Senge), além de professores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), avisaram que as escolhas e decisões do poder público - Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (Dnit) e Departamento de Estradas de Rodagem (DER-PE) - para a obra eram equivocadas. Aliás, que o projeto da restauração foi, é e seria um equívoco por muito tempo. E que seríamos nós, a população que utiliza ou não a rodovia, que pagaríamos por esses erros.
Vale lembrar que os 30 quilômetros da BR que corta o Recife e liga os municípios de Abreu e Lima e Jaboatão dos Guararapes viraram essenciais para o Grande Recife. De tão importantes, transformaram-se praticamente em via urbana das cidades cortadas por eles. Essa importância, inclusive, é que forçou as entidades a se mobilizarem para tentar evitar o desperdício de dinheiro público. Os engenheiros previam que veríamos, em breve, o pavimento se acabar e a degradação - que tanto transtorno, ferimentos e até vidas tirou - retornar.
Adiada por pelo menos duas décadas, a restauração do contorno urbano da BR-101 começou estranha, ainda na época em que, sob o argumento de economia, o governo federal descartou a troca do pavimento por concreto. Optou pelo asfalto. Isso tem mais de dez anos. Alertas foram feitos na época e de nada adiantou. Em 2017, quando as obras de restauração começaram de fato, depois de muitas idas e vindas, novos alertas aconteceram - dessa vez ainda mais fortes e embasados. Mas foram ignorados novamente.
Para quem não lembra ou não sabia, as escolhas técnicas equivocadas dos órgãos envolvidos no processo - propositais ou não - foram o princípio da investigação da PF, já numa terceira fase da mesma operação. Todas, inclusive, denunciadas por entidades de engenharia e a academia desde 2017. Na época, os técnicos já diziam que, em dez anos, talvez até menos, os pernambucanos estarão trafegando em uma rodovia repleta de problemas e os R$ 192 milhões destinados à obra terão sido desperdiçados. A denúncia, inclusive, também foi validada pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) e o Tribunal de Contas da União (TCU), que fizeram dois alertas ao governo de Pernambuco, responsável, via Departamento de Estradas de Rodagem (DER-PE) pela execução e supervisão das obras.
PAVIMENTO RUIM
O pavimento sempre foi o grande alvo dos alertas. Os engenheiros defendiam que o concreto ou pavimento rígido era a melhor opção para a BR-101. Alegaram que para trocar as 20 mil placas de concreto que compõem o contorno da rodovia, seriam gastos - tendo como base a tabela de preços paga pela Emlurb - R$ 100 milhões. “Ou seja, seria viável recompor o pavimento da forma certa. O modelo que o Dnit escolheu e que o governo de Pernambuco validou não é certo. Deveriam usar a mesma técnica de concretagem utilizada para fazer quase 400 quilômetros da BR-101 Nordeste, inclusive em Pernambuco”, afirmou, na época, Stênio Cuentro, presidente da Abenc-PE.
E, agora, a investigação da PF começa a constatar o que as entidades alertavam. “De acordo com relatórios de auditoria do TCU e TCE recebidos pela PF, a obra vem sendo executada com material (especialmente asfalto) de baixa qualidade e pouca durabilidade, o que pode estar afetando trechos da rodovia já entregues à circulação”, diz a PF. Uma explicação simples sobre o pavimento, dada na época, era que a técnica adotada na obra se assemelha a uma obturação mal feita de um dente. “Eles quebraram e trituram as placas que estão danificadas e já repletas de asfalto jogado sobre elas por anos. Abriram um buraco na base e o preencheram com o que chamamos de concreto pobre (CCR). Em seguida, colocaram asfalto sobre ele. Isso não vai funcionar. O pavimento flexível tem vida útil limitada porque sofre com os efeitos do clima e do excesso de peso”, explicou Cuentro.
MODELO DE CONTRATAÇÃO
Outro alerta feito pelos engenheiros e que também está sendo constatado pela investigação é o modelo adotado para a licitação, o chamado Regime Diferenciado de Contratação Integral (RDCI), que permite, como forma de baratear o custo, que a mesma empresa assuma contratos diferentes na mesma obra. “Foi constatado que, durante quase a metade da execução do contrato, apenas um servidor do DER/PE teria atuado como fiscal dos serviços, algo incomum em obras dessa envergadura. E, posteriormente, uma empresa componente do próprio consórcio contratado para execução chegou a atuar como supervisora da obra”, alerta a PF. Desde a primeira fase da investigação, em novembro de 2019, esse problema foi identificado pelos policiais.