Trânsito, transportes e mobilidade urbana, com Roberta Soares

Mobilidade

Por Roberta Soares e equipe
COLUNA MOBILIDADE

Transporte público mais perto de receber ajuda financeira da União: R$ 15 bilhões por três anos

Projeto de lei que vai custear a gratuidade do idoso passou com folga no Senado e deve ser aprovado na Câmara Federal, mas já chega gerando polêmica

Cadastrado por

Roberta Soares

Publicado em 18/02/2022 às 1:00 | Atualizado em 18/02/2022 às 18:09
O cartão é uma opção - que, mais cedo ou mais tarde deverá virar obrigatória - para a gratuidade dos idosos nos ônibus. Com ele, não é necessário ficar espremido na parte dianteira dos coletivos ou pedir para entrar pela porta traseira - DAY SANTOS/JC IMAGEM

A luta foi grande, a pressão e o lobby também. E parece que agora o sistema de transporte público coletivo brasileiro - incluído aí o da Região Metropolitana do Recife - vai, finalmente, receber recursos do governo federal para ajudá-lo a se equilibrar depois da crise econômica provocada pela crise sanitária da covid-19.

Serão R$ 15 bilhões em três anos (2022, 2023 e 2024), sendo R$ 5 bilhões por cada ano, carimbados pela criação do Programa Nacional de Assistência à Mobilidade dos Idosos em Áreas Urbanas (Pnami).

Na prática, o novo programa irá cobrir a gratuidade dos idosos maiores de 65 anos nos ônibus e metrôs urbanos do País. Em todos os sistemas oficiais e regulares, sem exceção.

A ideia é que, com essa ajuda, seja garantida tarifa mais baixa para os outros passageiros ou, ao menos, evitar o reajuste das passagens - que entre o fim de 2021 e o início de 2022 já foi aprovado em pelo menos 58 cidades do País (oito delas capitais), inclusive na Região Metropolitana do Recife.

Os recursos, que sairão do Orçamento Geral da União (OGU), serão repassados aos municípios e Estados que gerem o transporte público coletivo urbano regular. Todos os entes federados terão que criar fundos de transporte público coletivo para receber o subsídio.

A distribuição será proporcional à população maior de 65 anos residente em cada localidade - apontada pelo IBGE e um dos aspectos mais polêmicos da ideia.

Na prática, o novo programa irá cobrir a gratuidade dos idosos maiores de 65 anos nos ônibus e metrôs urbanos do País. Em todos os sistemas oficiais e regulares, sem exceção. A ideia é que, com essa ajuda, seja garantida tarifa mais baixa para os outros passageiros ou, ao menos, evitar o reajuste das passagens - que entre o fim de 2021 e o início de 2022 já foi aprovado em pelo menos 58 cidades do País (oito delas capitais), inclusive na Região Metropolitana do Recife. - DAY SANTOS/JC IMAGEM

No caso dos sistemas de transporte intermunicipal em regiões metropolitanas - como é o caso do Grande Recife - ou regiões integradas de desenvolvimento, 20% do valor do fundo será retido pela União e repassado ao ente federativo responsável - no caso de Pernambuco, o governo do Estado.

FONTE VEM DOS ROYALTIES DE PETRÓLEO

Esse custeio da gratuidade dos idosos terá como fonte de recursos os royalties de petróleo. Todas essas regras e parâmetros constam do Projeto de Lei 4.392/2021, que institui o Pnami e foi aprovado esta semana, por unanimidade, no Senado Federal.

O projeto, dos senadores Nelsinho Trad (PSD-MS) e Giordano (MDB-SP), prevê aporte financeiro da União aos estados, Distrito Federal e municípios que oferecerem serviços de transporte público coletivo urbano regular.

O projeto também modifica o Estatuto do Idoso (Lei 10.741, de 2003), para garantir que tenha acesso à gratuidade nos transportes o cidadão que apresentar qualquer documento pessoal com fé pública que faça prova de sua idade.

Além disso, o poder público responsável deverá priorizar o atendimento ao idoso, mediante o estabelecimento de procedimentos rápidos, visando o cadastramento para o exercício do direito de acesso gratuito ao transporte público.

O projeto de lei cria um subsídio federal para pagar a gratuidade dos idosos nas cidades do País. Porém, justamente por terem direito a acessar o ônibus com o RG, sem rodar a catraca, não há como saber quantos idosos circulam nos ônibus. Portanto, não há como calcular o valor do subsídio. Mesmo assim, o PL apresenta um repasse de R$ 5 bilhões aos empresários de ônibus, sem qualquer justificativa técnica. Trata-se de um “chute”, que reforça o histórico de práticas obscuras sobre recursos públicos direcionados ao setor. Além disso, o projeto não menciona nada no sentido de melhorar a qualidade do serviço dos ônibus, sendo apenas uma injeção de dinheiro para os empresários locais”,
Rafael Calabria, coordenador de Mobilidade do Idec

No modelo padrão do transporte público brasileiro, os empresários de ônibus dominam todo o serviço: frotas, garagens, trabalhadores, etc. Assim, controlam tudo e têm um enorme poder de coerção. Ao dividir os contratos, rompe-se com essa lógica", Rafael Calábria, do Idec - IDEC/DIVULGAÇÃO

CONFIRA A ÍNTEGRA DO PL 4.392/2021

PL 4392, DE 2021 (financia gratuidade dos idosos no transporte público) by Roberta Soares on Scribd


O PESO DAS GRATUIDADES NO TRANSPORTE DO GRANDE RECIFE

Dados de 2019

Estudante - 11,63%
Passe Livre 5,95%
Livre Acesso - 3,30%
Outras gratuidades 2,77%

Total gratuidades: 23,63%
Idosos: estimativa de 9%
Gratuidades considerando estimativa de idosos: 30%

 AJUDA É BEM VINDA, MAS GERA POLÊMICA

O financiamento público da gratuidade dos idosos nos ônibus e metrôs do País é uma reivindicação antiga do setor de transporte público. Ela representa entre 8% e 10% do custo dos sistemas, num universo de gratuidades que se aproxima dos 25%.

E, desde que o mundo é mundo, quem a financia é o passageiro que paga a passagem diariamente. Por isso a necessidade de uma fonte de renda que cubra essa despesa.

Agora, com o PL, essa lógica parece que será invertida. Os senadores passaram a entender e defender que as gratuidades ou isenções tarifárias, que têm natureza jurídica de medida assistencial, devem ser sustentadas por recursos públicos orçamentários, como determina a Constituição Federal e sempre foi o argumento do setor.

Eles lembram que, no Brasil, com poucas exceções, o custeio da gratuidade dos idosos é repassado aos demais usuários pagantes, onerando principalmente as pessoas menos favorecidas que mais utilizam o serviço.

Um programa de custeio com recursos públicos tem que ser transparente. Por isso somos contra a retirada do cadastro. Sem ele, não sabemos quantos idosos vão viajar. Se apenas o RG for mantido, seguiremos tratando os idosos como invisíveis. E essa invisibilidade representa dois prejuízos: eles não são computados no planejamento da operação e lançamento da frota, por exemplo, e seguem sendo tratados com descriminação. Seguiremos vendo-os em pé na dianteira dos ônibus. Além disso, a possibilidade de fraude segue sendo real, já que é fácil se comprar RGs falsificadas”,
Marcos Bicalho, diretor administrativo e institucional da NTU

Marcos Bicalho dos Santos - diretor administrativo e institucional da NTU - NTU/DIVULGAÇÃO

Mas o projeto, que deverá ser aprovado ainda este mês também na Câmara Federal, tem pontos que agradam a uns e desagradam a outros. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), por exemplo, é um crítico ferrenho.

Não que seja contra a ajuda, mas defende que ela necessita de regras mais claras, que garantam o uso apropriado, correto e social dos recursos. Para que ele não seja “abocanhado” pelos empresários de ônibus, sem nenhum retorno para a sociedade.

“O projeto de lei cria um subsídio federal para pagar a gratuidade dos idosos nas cidades do País. Porém, justamente por terem direito a acessar o ônibus com o RG, sem rodar a catraca, não há como saber quantos idosos circulam nos ônibus. Portanto, não há como calcular o valor do subsídio. Mesmo assim, o PL apresenta um repasse de R$ 5 bilhões aos empresários de ônibus, sem qualquer justificativa técnica. Trata-se de um “chute”, que reforça o histórico de práticas obscuras sobre recursos públicos direcionados ao setor. Além disso, o projeto não menciona nada no sentido de melhorar a qualidade do serviço dos ônibus, sendo apenas uma injeção de dinheiro para os empresários locais”, critica Rafael Calabria, coordenador de Mobilidade do Idec.

ACESSO COM CARTÃO DE TRANSPORTE

Foi por pouco que os idosos acima de 65 anos não tiveram suspensa a permissão para acessar gratuitamente o transporte público se identificando apenas com a Carteira de Identidade (RG) suspensa. Foi o Idec, inclusive, que conseguiu - através de muita conversa e articulação - alterar o Artigo 6º, que condicionava o cadastro dos idosos, com o uso de um cartão eletrônico de transporte - como o VEM utilizado no Grande Recife - ao direito à viajar sem pagar nos ônibus e metrôs.

Assim, pelo menos por enquanto, a apresentação do RG seguirá valendo no acesso ao transporte para quem tem mais de 65 anos.

O setor empresarial, no entanto, que financiou estudos que embasaram o PL 4.392, é contra a liberação do uso do RG e promete trabalhar para recolocar a exigência de cadastro e uso de cartão de transporte pelos idosos com mais de 65 anos. O entendimento é de que, com o cadastro, o processo ganha transparência.

“Um programa de custeio com recursos públicos tem que ser transparente. Por isso somos contra a retirada do cadastro. Sem ele, não sabemos quantos idosos vão viajar. Se apenas o RG for mantido, seguiremos tratando os idosos como invisíveis. E essa invisibilidade representa dois prejuízos: eles não são computados no planejamento da operação e lançamento da frota, por exemplo, e seguem sendo tratados com descriminação. Seguiremos vendo-os em pé na dianteira dos ônibus. Além disso, a possibilidade de fraude segue sendo real, já que é fácil se comprar RGs falsificadas”, alega Marcos Bicalho, diretor administrativo e institucional da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU).

União vai criar o Programa Nacional de Assistência à Mobilidade dos Idosos em Áreas Urbanas (Pnami) - DAY SANTOS/JC IMAGEM

AUMENTO DAS PASSAGENS

O objetivo da criação do Pnami, inclusive, era evitar o reajuste das passagens em muitas cidades brasileiras. Por isso o apoio da Frente Nacional de Prefeitos (FNP). No caso do sistema de transporte da Região Metropolitana do Recife, é tarde porque as passagens foram reajustadas em 9,69% no dia 11/2/22.

Mas alguns municípios, inclusive capitais, já garantiram que não irão aumentar a tarifa com a aprovação da ajuda da União. O prefeito de Salvador (BA), Bruno Reis (UB), afirmou que, com a aprovação do PL, a prefeitura se compromete a não aumentar a tarifa de ônibus na capital baiana neste ano. Outros prefeitos prometeram o mesmo.

Tags

Autor

Veja também

Webstories

últimas

VER MAIS