COLUNA MOBILIDADE

Retrospectiva 2021: passageiro foge do transporte público e crise faz setor mendigar ajuda

Mais um ano difícil para a mobilidade urbana. Transporte coletivo em crise, BRT destruído e trânsito ainda matando demais. Mobilidade ativa é que ganhou um pouco de espaço

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Roberta Soares

Publicado em 31/12/2021 às 9:52 | Atualizado em 31/12/2021 às 10:01
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O ano de 2021 foi tão difícil para o transporte público quanto em 2020. É claro que no primeiro ano da pandemia de covid-19 a situação foi ainda mais grave, com os passageiros praticamente sumindo dos ônibus e metrôs, enquanto o Brasil enfrentava dificuldades políticas na aquisição das vacinas contra o coronavírus. Mas no primeiro ano da pandemia pelo menos o País teve algumas políticas nacionais para sustentar, de certa forma, parte dos empregos formais. Também contou com o pagamento do auxílio emergencial. Em 2021 essas políticas foram reduzidas ou suspensas. E o transporte público seguiu mendigando ajuda dos governos, especialmente da gestão federal, que após quase dois anos de pandemia ainda não ofereceu nenhum tipo de socorro financeiro. Nem imediato nem a médio ou longo prazo.

Os números apontados pelo setor operacional são altos - superavam os R$ 36 bilhões até o fim de 2021, quando se contabiliza os sistemas de ônibus e sobre trilhos (metrôs, trens e VLTs). Muitas cidades e regiões metropolitanas - como é o caso do Grande Recife - socorreram os sistemas antecipando o repasse da compra dos vales-transporte, por exemplo, ou ampliando o subsídio público, para manter a frota acima da demanda em pelo menos 10% ou 20%. Na ponta, o passageiro, que sofre com a redução do serviço e a superlotação do transporte nos horários de pico. O setor tentou um socorro emergencial ainda em 2020 no valor de R$ 4 bilhões, mas foi ignorado.  Linha sul do Metrô do Recife, por exemplo, correu o risco de ter a operação suspensa devido à falta de trens, que seriam transferidos para a Linha Centro do sistema.

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Corredor de BRT Leste-Oeste, no Recife, é o único da RMR que operou integralmente em 2021 - BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
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Linha sul do Metrô do Recife, por exemplo, correu o risco de ter a operação suspensa devido à falta de trens, que seriam transferidos para a Linha Centro do sistema - ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM
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Metrô do Recife sofreu muito em 2021 devido à ausência de investimentos - ALEXANDRE GONDIM/JC IMAGEM

EXPECTATIVA

O setor de transporte público coletivo brasileiro entra em 2022 novamente na expectativa de uma ajuda não só financeira, mas algo mais profundo, que envolva novas regras de operação e de fontes de renda extra tarifária - algo discutido há muitos anos sem nunca ter virado realidade no País. Pelo menos dessa vez a sinalização é mais positiva, já que o governo federal está, de fato, estudando um pacote de ações para reestruturar o transporte público. Uma esperança de que o Brasil comece, diante de todas as lições que a pandemia nos ensinou e ensina, a perceber a importância e o alcance social do transporte público. E que deixe de enxergá-lo como uma atividade privada, que deve ter soluções como um negócio privado.

Já no fim de 2021, o Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR) criou o Fórum Consultivo de Mobilidade Urbana, composto por representantes da sociedade civil, técnicos e empresários do setor de transporte, para discutir saídas imediatas para a crise do transporte público nas cidades. As propostas devem ser divulgadas ainda no início de 2022. Entre elas, a criação do Vale Transporte Social, que daria gratuidade a pessoas de baixa renda, que estão cadastradas no CadÚnico. E o custeio da gratuidade dos idosos pela União, solução que foi apresentada pelos operadores.

MARCO LEGAL

Também avança no País a discussão de um novo Marco Legal do transporte, proposta encabeçada pela Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbanos (NTU). É apontada como solução imediata para evitar uma sequência de reajustes de tarifas que podem elevar o preço das passagens ou, no pior cenário, a falência generalizada dos sistemas de transporte coletivo urbano no País. O Projeto de Lei 3278/2021, de autoria do senador Antônio Anastasia (PSD-MG), reúne as ideias que propõem novas regras de custeio e contratação dos serviços. O PL foi apresentado ao Senado Federal em setembro, mas ainda não tem tramitação definida. O novo Marco Legal tem três pilares: qualidade e produtividade, financiamento e regulação dos contratos.

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O corredor leste-oeste do ônibus BRT, está funcionando de forma regular, mesmo com alguns problemas e falta de manutenção. - BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
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As paradas de ônibus do BRT, na PE-15, em Olinda, estão sem nenhuma manutenção, após serem abandonadas pelo poder público, com seguidos casos de depredação e roubos. - BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
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As paradas de ônibus do BRT, na PE-15, em Olinda, estão sem nenhuma manutenção, após serem abandonadas pelo poder público, com seguidos casos de depredação e roubos. - BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
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As paradas de ônibus do BRT, na PE-15, em Olinda, estão sem nenhuma manutenção, após serem abandonadas pelo poder público, com seguidos casos de depredação e roubos. - BOBBY FABISAK/JC IMAGEM

A destruição do BRT pernambucano

2021 foi um ano péssimo para o Sistema de BRT pernambucano, batizado de Via Livre. Vandalizado ainda antes da pandemia, foi “depenado” em 2020 e seguiu extremamente comprometido em 2021. Para se ter ideia, apenas o Corredor Leste-Oeste, que liga o Recife a Camaragibe, na área Oeste da RMR, opera integralmente. E, mesmo assim, com estações sem refrigeração, quentes e escuras. O Corredor Norte-Sul, o maior e mais vandalizado de todos, que conecta o Centro da capital pernambucana a Igarassu, na região Norte do Grande Recife, sequer voltou a operar totalmente. Ao contrário, está há um ano e meio sem operação plena. Das 26 estações, apenas oito - todas na área central da capital - voltaram a operar em 2021. O cenário é triste e comprometeu a imagem do BRT para os pernambucanos, algo difícil de resgatar.

Confira a série A MORTE DO BRT

A morte do BRT: destruição chega ao limite em Pernambuco

A morte do BRT: aposta na gestão privada é a esperança do sistema em Pernambuco

A morte do BRT: a tentativa de ressurgimento

A morte do BRT: cenário nacional ainda é positivo, apesar dos desafios

A morte do BRT: financiamento do transporte público é responsabilidade de todos

 

Wellington Lima/JC Imagem
São muitas as promessas de melhorias feitas pelo novo gestor e validadas pelo governo do Estado. Investimentos totais serão de R$ 1,5 bilhão, por 35 anos - Wellington Lima/JC Imagem
Wellington Lima/JC Imagem
Terminais Integrados da RMR - Wellington Lima/JC Imagem

PPP dos terminais e das estações de BRT é a esperança

A novidade é do finalzinho de 2021 e, sem dúvida, foi a melhor do ano sob a ótica de perspectivas de melhorias para o serviço de transporte público. Pernambuco contratou uma gestão privada para os 26 terminais integrados e as 44 estações de BRT da Região Metropolitana do Recife. É a primeira Parceria Público-Privada (PPP) no setor, que terá duração de 35 anos e representará investimentos superiores a R$ 1,5 bilhão na operação, conservação e manutenção dos equipamentos, além da possibilidade de investimentos adicionais na realização de empreendimentos associados aos terminais integrados, revitalizando o espaço e respeitando os padrões de Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável (DOTS) . É a grande aposta do setor para 2022. Nos próximos 12 meses serão requalificados sete TIs - os de maior demanda (Macaxeira, Joana Bezerra, Camaragibe, Xambá, Pelópidas Silveira, PE-15 e Caxangá) - e 18 estações do Sistema BRT - todas do Corredor Leste-Oeste.

Ruas mais humanas com ciclofaixas e urbanismo tático

A Região Metropolitana não, mas o Recife avançou bastante na mobilidade ativa em 2021. Cuidou da requalificação das calçadas, ampliou - mesmo que discretamente - a malha de ciclofaixas da cidade e incorporou, definitivamente, o urbanismo tático, ferramenta eficiente e barata para garantir a segurança de pedestres e ciclistas nas ruas porque, com tinta e criatividade, induz os veículos a reduzirem a velocidade. Em relação à infraestrutura para a bicicleta, o Recife implantou este ano 19 km de novas estruturas cicloviárias, priorizando, especialmente, a conexão entre as rotas. Contabilizando os nove anos da gestão municipal do PSB, a cidade passou a ter 165 km de malha cicloviária, o que representa um aumento de 580% desde 2013, quando havia apenas 24 km.

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Urbanismo tático ampliado no Recife - Daniel Tavares/PCR
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SEGURANÇA VIÁRIA Na Rua Frei Cassimiro, em Santo Amaro, técnica foi utilizada para ordenar o trânsito e dar mais segurança nas travessias - DANIEL TAVARES/PCR
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INVERSÃO Na Rua da Palma, no Centro, pedestres passaram a ter 60% do espaço, antes destinado aos veículos - PCR/DIVULGAÇÃO
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Pelo sexto ano consecutivo realiza a 6ª Semana Global de Segurança no Trânsito entre os dias 17 e 23 de maio, com o tema Ruas pela Vida (Streets for Life) - DANIEL TAVARES/PCR

A capital também foi exemplo na requalificação das calçadas da cidade em 2021 com o Projeto Calçada Legal. Segundo a Autarquia de Urbanização do Recife (URB), foram investidos R$ 26,5 milhões na requalificação de 34,7 mil metros de passeios públicos. O valor inclui R$ 20 milhões referentes a obras em andamento (24,7 mil metros) e mais R$ 6,5 milhões em obras finalizadas em 2021 (10 mil metros).

As vias que estão sendo beneficiadas atualmente são: Rua Manoel Borba, Rua da Aurora, Avenida Visconde de Suassuna (Centro), Rua do Futuro (Aflitos), Estrada de Belém (Campo Grande), Rua Conde do Irajá (Torre) e Estrada das Ubaias (Casa Amarela). Também estão sendo realizadas obras Rua Padre Carapuceiro (Boa Viagem), Rua Lins Petit (Ilha do Leite), Avenida São Paulo (Jardim São Paulo) e a Estrada do Encanamento (Casa Forte).

Trânsito seguiu fazendo vítimas

Dois casos de mortes no trânsito marcaram 2021 pelo flagrante comportamento inadequado dos motoristas, que terminou por fazer vítimas inocentes. O primeiro foi o violento atropelamento do ciclista Flávio Antônio, 42 anos, em novembro, na Avenida Caxangá, na Várzea, corredor viário da Zona Oeste do Recife que deveria ter uma ciclovia desde a concepção do BRT Leste-Oeste, ainda em 2014. O motorista, inclusive, foi indiciado por homicídio culposo, ou seja, sem intenção, porque a prefeitura não conseguiu comprovar o excesso de velocidade ou um possível consumo de álcool, já que o condutor foi socorrido com ferimentos leves e não fez teste de alcoolemia. O indiciamento criminal foi pelo Artigo 302 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB), que define o homicídio culposo na direção de veículo automotor e prevê pena de detenção (não é reclusão, prisão, vale destacar), de dois a quatro anos, e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor. Como a investigação não conseguiu identificar possíveis agravantes, a pena não pôde ser aumentada.

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Avenida Caxangá ganhou uma ghost bike em outubro de 2021 depois de um ciclista ser atropelado por um veículo em alta velocidade - AMECICLO/DIVULGAÇÃO
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Por mais um ano a Coluna Mobilidade lembra, lamenta e homenageia as vítimas do trânsito. Do País, ainda mais as de Pernambuco - FELIPE RIBEIRO/JC IMAGEM
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Ghost bike instalada na Avenida Caxangá pela morte do ciclista Flávio Antônio - AMECICLO/DIVULGAÇÃO
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CRIME Apesar dos relatos, polícia não conseguiu comprovar que veículo era conduzido em alta velocidade - AMECICLO/DIVULGAÇÃO

O segundo caso, ainda sem conclusão, mas também violento, foi o atropelamento coletivo de cinco pessoas, que provocou uma morte, ocorrido também em novembro e na mesma região da morte do ciclista, só que no bairro da Iputinga. Além de claros sinais de alcoolemia, o policial militar que provocou o sinistro de trânsito (não é mais acidente de trânsito que se diz. Entenda) estaria ensinando uma mulher a dirigir. A mulher, inclusive, estaria sentada no colo do motorista quando o veículo Toyota Corolla que conduziam subiu a calçada e atingiu uma família que conversava em frente a uma lanchonete.

De tão verídica, a versão fez com que a mulher - até então apontada como uma passageira - fosse autuada em flagrante pelos mesmos crimes do motorista, de acordo com o CTB: homicídio culposo (sem intenção) ao volante, lesão corporal culposa (também sem intenção) e condução de veículo sob efeito de álcool. A imprudência ao volante provocou a morte do sargento reformado João Batista Ferreira da Silva, 56 anos, e ferimentos em outras quatro pessoas da mesma família.

Investimento na recuperação das estradas de Pernambuco foi grande

As rodovias de Pernambuco receberam uma atenção especial em 2021. Embora o Programa Caminhos de Pernambuco tenha sido lançado ainda em maio de 2019, antes da pandemia, foi em 2021 que o projeto avançou e permitiu ao Estado mostrar resultados. Há quem diga que as eleições para o governo do Estado em 2022 tiveram influência direta, mas a gestão estadual argumenta que os resultados começaram a aparecer agora porque foi o tempo de as licitações e as obras serem finalizadas. Independentemente da política, a verdade que é a malha rodoviária estadual ganhou um “up”.

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Estradas recuperadas pelo Programa Caminhos de Pernambuco - FLÁVIO JAPA/SEINFRA
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Estradas recuperadas pelo Programa Caminhos de Pernambuco - FLÁVIO JAPA/SEINFRA
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Estradas recuperadas pelo Programa Caminhos de Pernambuco - FLÁVIO JAPA/SEINFRA

Em 2021, segundo a Secretaria de Infraestrutura de Pernambuco, foram entregues 13 obras viárias e estão em andamento outras 30 intervenções. O valor dos investimentos é de quase R$ 900 milhões, sendo R$ 208 milhões para as obras concluídas e outros R$ 686 milhões para as que estão em andamento. Ao todo, o Programa Caminhos de Pernambuco chegou a 816 quilômetros de rodovias este ano. Considerando o acumulado desde o início do plano viário, o aporte para a reestruturação da malha viária soma R$ 906 milhões para a requalificação de 942 quilômetros de rodovias. Desse total, R$ 220,4 milhões correspondem a 18 obras concluídas, com a reestruturação de 276 quilômetros; e R$ 686 milhões às obras em andamento, o que representa 666 quilômetros de rodovias.

Inicialmente, o Caminhos de Pernambuco contaria com R$ 505 milhões de recursos, mas o governo do Estado ampliou o investimento para R$ 2 bilhões até o fim de 2022, incluindo o programa no Plano Retomada, que tem como foco fortalecer a logística e impulsionar a economia, a partir da geração de emprego e renda. Outros projetos que merecem destaque é o Arco Metropolitano, que teve a licitação suspensa pelo TCE-PE, e a perspectiva de lançamento da licitação para alargamento do trecho da BR-232 na saída do Recife em direção ao interior do Estado.

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