Os números assustam, embora não sejam novidade: pelo menos quatro motociclistas morrem todos os dias em sinistros de trânsito (não é mais acidente de trânsito que se define. Entenda) no Brasil.
E são os motoqueiros negros as maiores vítimas do trânsito, fenômeno que, na visão dos pesquisadores, tem relação direta com o crescimento dos serviços realizados com motocicletas, como os deliverys e, de um ano para cá, a proliferação do transporte de passageiros realizado com motos, como Uber Moto e 99 Moto.
“A tendência de crescimento da mortalidade entre pessoas negras coincide com o ‘boom’ da frota de motocicletas em circulação e de habilitados no País, impulsionada por novas modalidades de emprego, como as entregas por aplicativo”, concluem os pesquisadores.
“73,8% dos mototaxistas e 58,6% dos entregadores de aplicativos são pessoas negras, conforme dados do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)”, reforçam.
Até o início de 2016, as taxas de mortalidade para brancos e negros eram semelhantes: 0,05 e 0,06 para cada 100 mil habitantes, respectivamente. Nos últimos anos, porém, os números se distanciaram. Para brancos, o índice permaneceu o mesmo, enquanto para negros chegou a 0,08.
Em janeiro de 2021, por exemplo, foram 55 mortes de motociclistas brancos (35%) e 102 óbitos de negros (65%). E a matança sobre duas rodas só cresce: aumentou 68% entre 2010 e 2021, passando de 933 óbitos para 1.569.
A constatação é embasada no cruzamento de dados do Sistema Único de Saúde (SUS) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). E foi realizada pelo Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) no boletim Saúde da População Negra: Mortalidade e Acidentes de Motocicletas por recorte racial.
Além das mortes, as internações de motociclistas negros também dispararam e cresceram 64% entre 2010 e 2021. A cada hora, ao menos 14 motociclistas são hospitalizados no País. O crescimento de internações passou de 3,69 sinistros, a cada 10 mil habitantes, em 2010, para 6,05 em 2021.
Isso significa, em números absolutos, um aumento de aproximadamente 70 mil para 129 mil internações anuais por sinistros com motocicletas em todo o Brasil. E, mais uma vez, a prevalência foi de vítimas negras.
Os pesquisadores do IEPS não têm dúvidas: entre os fatores que podem explicar o crescimento dos negros entre as vítimas do trânsito estão o aumento da frota de motocicletas e o crescimento vertiginoso dos serviços de entrega por aplicativo.
Segundo informações do IEPS, o maior reconhecimento das pessoas como pretas e pardas e a melhora no registro do quesito raça nos dados de hospitalização também influenciaram.
O levantamento do IEPS também apontou que, quando o recorte é estadual, há estados brasileiros que têm uma situação muito pior do que outros.
Em 23 das 27 unidades da federação as taxas de internação por sinistros com motos foram maiores para negros do que para brancos em 2021. Em Tocantins, Paraíba e Mato Grosso do Sul, os índices anuais de hospitalização foram 16,46, 15,21 e 14,38 para cada 10 mil habitantes negros, contra 2,05, 0,43 e 8,62 na população branca.
Para pessoas brancas, as três maiores taxas estão nos estados de Mato Grosso do Sul (8,6), Santa Catarina (6,6) e São Paulo (5,4). Mato Grosso do Sul, portanto, apresenta taxas elevadas independentemente da raça/cor.
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“Pesquisas importantes confirmam nossa percepção sobre as condições precárias de trabalho desses profissionais, não só em questões de direitos trabalhistas, mas também em termos de segurança e condições de saúde”, afirma Rony Coelho, pesquisador da cátedra Çarê-IEPS e um dos autores do estudo.
“O fato desses profissionais serem em sua maioria pessoas negras é um forte indício dos impactos da desigualdade racial na saúde. Essa é mais uma forma de violência dentre as muitas enfrentadas por negros e negras no nosso País”, finaliza.