Apesar dos discursos antes de ser eleito e após tomar posse em seu terceiro governo presidencial, demonstrando preocupação com a crise climática e colocando o Brasil na vanguarda da discussão mundial, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estará dando um grande tiro no pé se lançar, como está sendo esperado, uma política nacional de estímulo à indústria automobilística.
Na verdade, o tiro será no pé do brasileiro, principalmente da grande maioria da população que depende do transporte público coletivo para chegar ao trabalho e à escola todos os dias. Mais de 80% da população, vale ressaltar, que usa mesmo é o ônibus, o metrô e os trens diariamente.
Mas também afetará aqueles que só utilizam os automóveis em suas rotinas. Isso porque, para agradar e socorrer mais uma vez a indústria automobilística sob a desculpa de que é preciso gerar empregos para dar robustez à economia, o governo do presidente Lula vai comprometer ainda mais a já comprometida mobilidade urbana brasileira.
E mais uma vez porque o mesmo Lula já cometeu esse erro anteriormente, nas duas gestões presidenciais, reduzindo o IPI dos veículos sob a desculpa de que qualquer cidadão tem o direito de ter um automóvel ou uma motocicleta.
O Brasil paga por esse erro até hoje, com uma mobilidade urbana segregadora, excludente, que penaliza as pessoas mais pobres e que dependem do transporte público coletivo. Temos que lembrar aqui que o trânsito brasileiro segue sendo uma verdadeira máquina de matança e a gestão pública não consegue reduzi-la.
Veja os dados mais recentes do DataSUS do Ministério da Saúde, referentes ainda a 2021, que mostram que o Brasil matou 33.813 pessoas no trânsito naquele ano. Um aumento de 3,5% em relação a 2020 e o segundo ano consecutivo de crescimento de mortes. Isso tudo apesar da pandemia de covid-19 e os lockdowns impostos por ela em todo o País.
O Brasil, ainda vale ressaltar, já entrou mal na chamada Segunda Década de Segurança Viária, período em que tem a missão de conseguir o que já não conseguiu na primeira edição: redução de 50% do número de mortos no trânsito até 2030.
Ou seja, quando deveríamos estar aguardando o lançamento de um grande programa de incentivo ao transporte público coletivo e aos modos não motorizados, vemos a gestão nacional do País andar para trás.
VEJA imagens de vítimas mutiladas pelo trânsito brasileiro
Entidades que defendem uma mobilidade urbana sustentável e inclusiva socialmente estão estarrecidas com o retrocesso do governo de Lula. Principalmente diante da postura que o presidente vem adotando na discussão da crise climática.
Entendem que, mundialmente, o Brasil se coloca como defensor da descarbonização e da adaptação das cidades aos efeitos do clima. Mas, internamente, a política pública brasileira vai em outra direção, completamente oposta.
As cidades brasileiras já não suportam mais a prioridade ao automóvel e à motocicleta - ao transporte individual de forma geral. Principalmente porque essa prioridade acontece em detrimento de políticas públicas que estimulem o transporte público coletivo e os modais não motorizados.
O entendimento de todos que prezam por uma mobilidade urbana sustentável e inclusiva é de que somente com transporte coletivo e modais não motorizados vamos conseguir tornar nossas cidades mais inclusivas e justas socialmente.
E que a mentalidade de que o cidadão precisa ter bens de consumo ficou velha, ultrapassada. Ainda mais em tempos de mobilidade como serviço e, não mais, como propriedade - o chamado conceito MaaS (Mobility as a Service). Em tempos de compartilhamento de veículos e bicicletas.
E apelam para que o presidente Lula vença o lobby da indústria automobilística e a força do futuro plano de incentivo, que teria se tornado uma das principais metas do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC).