A decisão final ainda sairá nesta sexta-feira (1/3), mas tudo caminha para que uma futura deliberação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre se há vínculo empregatício entre os motoristas de aplicativo de transporte, como Uber e 99, e as plataformas deverá ser seguida nacionalmente.
Nesta quarta-feira (28), o plenário virtual do Supremo formou maioria nesse sentido. Pelo menos seis dos 11 ministros do tribunal entenderam que esse processo terá a chamada repercussão geral, quando a decisão deve ser seguida por toda a Justiça, independentemente da instância.
Os votos favoráveis foram do relator, Edson Fachin, e dos ministros Flávio Dino, Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, Luiz Fux e André Mendonça. Fachin tinha afirmado em seu voto que o Supremo deve dar uma "resposta uniformizadora e efetiva" à sociedade brasileira em relação ao assunto, destacando que tem havido "decisões divergentes" e que criam "inegável insegurança jurídica".
"Não se pode olvidar que há decisões divergentes proferidas pelo Judiciário brasileiro em relação à presente controvérsia, o que tem suscitado uma inegável insegurança jurídica", disse. "A disparidade de posicionamentos, ao invés de proporcionar segurança e orientação, agravam as incertezas e dificultam a construção de um arcabouço jurídico estável e capaz de oferecer diretrizes unívocas para as cidadãs e cidadãos brasileiros", seguiu.
ENTENDA A REPERCUSSÃO GERAL
Quando um processo ganha repercussão geral, a decisão tem amplo alcance e passa, obrigatoriamente, a ter que ser seguida pela Justiça para casos parecidos. Podem ser afetados, além do Uber, outros aplicativos como Rappi, Loggi, 99, Zé Delivery e iFood, por exemplo.
São muitas ações do tipo. Até maio de 2023, segundo informações da Procuradoria-Geral da República (PGR) repassadas ao Supremo em dezembro, existiam pelo menos 17 mil ações na Justiça trabalhista com o objetivo de reconhecer vínculo entre os trabalhadores e as empresas de transporte de mercadorias ou de passageiros por meio de plataformas digitais. O julgamento virtual está previsto para encerrar na sexta-feira (1º).
A decisão sobre o efeito de repercussão geral, no entanto, não significa que o STF é a favor ou contra o vínculo empregatício dos motoristas. Ainda não há um prazo para que esse processo seja julgado com repercussão geral. A vantagem é que a decisão traz segurança jurídica sobre o tema. Mas, enquanto o STF não julgar se os motoristas por aplicativo são autônomos ou não, os processos relacionados permanecem em espera.
Ariston Flávio, doutor em Direito do Trabalho e professor do Centro Universitário Tiradentes (Unit-PE), destaca a importância que a decisão do STF tem para o tema. “A decisão da Suprema Corte tem relevância social, política e econômica. O reconhecimento sobre o vínculo empregatício entre motoristas de aplicativo e as plataformas digitais se faz necessário para a segurança jurídica das relações no país. Além do mais, o Brasil é um grande mercado consumidor da plataforma com um crescimento forte e lucrativo em escala crescente”, avalia.
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“Antes de julgar o mérito da ação em si, os ministros da Suprema Corte decidirão se o tema é de repercussão geral. Caso isso ocorra, o relator poderá suspender todos os processos do país que tratem do assunto, até que o Supremo tome uma decisão final. Depois, ela deverá ser obrigatoriamente seguida pelas demais instâncias do Poder Judiciário. Uniformizando, assim, o entendimento no Brasil e garantindo segurança jurídica aos envolvidos nesta relação”, explica.
MELHORIAS NAS CONDIÇÕES DE TRABALHO DISCUTIDAS NA CÂMARA DOS DEPUTADOS
Enquanto o STF analisa o vínculo empregatício entre motoristas e aplicativos de transporte, tramita na Câmara dos Deputados um PL que pode melhorar as condições de trabalho, mas sem estabelecer a relação formal, que é rechaçada por cerca de 75% dos trabalhadores, segundo pesquisa do Datafolha.
Relator do PL 5069/2019, o deputado federal Augusto Coutinho (Republicanos) está elaborando um parecer que priorizará a aquisição facilitada de seguros para os profissionais, o reembolso de custos relativos a deslocamentos desnecessários causados por cancelamentos de corridas, a estipulação de períodos máximos de operação contínua para evitar fadiga e a adoção de critérios mais claros de suspensão das plataformas, entre outros itens.
O projeto reúne 25 PLs apensados (que tramitam em conjunto) sobre o mesmo tema, protocolados por diferentes parlamentares na Câmara. "Nossa relatoria defende mudanças na CLT para conferir proteção social aos motoristas. O objetivo é encontrar um formato realista, que atenda aos motoristas e às plataformas, sem inviabilizar a atividade econômica", explica Coutinho, que é integrante da Frente Parlamentar Brasil Competitivo.
"O contingente de pessoas que trabalham com os aplicativos é bastante heterogêneo, mas a grande maioria não quer vínculo porque prefere a liberdade de transportar passageiros ou fazer entregas no horário e no formato mais convenientes, aliando esse ofício a outras fontes de renda", acrescenta.
O deputado também ressalta a necessidade do Parlamento assumir o protagonismo na discussão sobre o tema, que interessa diretamente a cerca de 1,6 milhão de profissionais e suas famílias. Para Augusto Coutinho, o tema precisa ser tratado na âmbito do Poder Legislativo e não através de decisões judiciais.
O PL 5069/2019 já foi tratado em duas audiências públicas na Câmara e em reunião com o presidente da Casa, deputado Arthur Lira (PP-AL). O deputado trabalha para acelerar a tramitação da proposta, visando uma solução definitiva para o setor.