De tanto dizer não à CPMI do 8 de Janeiro, o governo tirou da uma empoeirada caixa, um incenso comprado em um dessas lojas que negociam produtos importados, e agora está incensando a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito destinada a investigar, no Congresso Nacional, os atos de quebra-quebra no Senado e na Câmara dos Deputados, no Supremo Tribunal Federal e no Palácio do Planalto. “Traga a sua bola de cristal. E aquele incenso do Nepal. Que você comprou num camelô,” como diz a canção “As Minas do Rei Salomão”, de Raul Seixas (1945-1989) e Paulo Coelho.
Até esta semana, o Planalto tinha reservado milhões de reais em emendas parlamentares para “agradar” aliados e os “muristas” — políticos que pendem de um lado para o outro com relativa facilidade — que viessem a retirar o apoio ao requerimento que a oposição apresentou e que dormita faz mais de 30 dias em uma das gavetas da Presidência do Congresso Nacional, sob olhar atendo do presidente senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG). Ao mesmo tempo, cerca de 5 mil cargos de confiança ainda estão para serem preenchidos, no aguardo de um padrinho de peso, mesmo que o afilhado deixe a desejar no quesito do conhecimento da área em que vai atuar.
A queda do general Gonçalves Dias, que pediu demissão do comando do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, virou o jogo. Sobre a CPMI, o ministro Alexandre Padilha das Relações Institucionais, chamou de “enfrentamento político” as investigações que o Congresso pretende realizar. “Será a pá de cal nessa tentativa de criar uma teoria conspiratória, que é um verdadeiro ‘terraplanismo’, mais uma vez daqueles que passaram pano nos atos terroristas do dia 8 de janeiro”, acredita.
Já na oposição, o discurso é na direção de amedrontar o Planalto com o bicho papão que sempre foram as comissões de inquérito. “O governo tem medo da CPMI porque sabe que nós vamos virar do avesso a omissão do ministro da Justiça [Flávio Dino] e de quase toda a área de Segurança Pública”, avalia o deputado Coronel Meira (PL-PE), os dos cabeça dos movimentos pro-CPMI. Afinal, não é coronel, como dizia o Ulysses Guimarães (1916-1992), “CPI, meu amigo, a gente sabe como começa, mas não faz a mínima ideia de como vai terminar”.
Basta tomar dois robustos exemplos para concluir que a “velha raposa” desaparecida no mar do litoral sul do Rio de Janeiro tinha razão. Em 1992, quando o país jogada suas derradeiras fichas em um dos mais embusteiros governos, o presidente Fernando Collor foi acusado por seu irmão, Pedro, de corrupção. Inicialmente a “República de Alagoas” não dava a mínima importância para as denúncias. Um Fiat Elba de segunda mão, comprado com dinheiro sujo, segundo depoimento do motorista Eriberto França, foi o empurrãozinho que faltava para derrubar o presidente.
No primeiro governo Lula, o poderosíssimo ministro da Fazenda, Antonio Palocci, nadava de braçadas na Esplanada dos Ministérios quando foi abatido pelo caseiro Francenildo Santos Costa. Ele contou em uma CPI que a “República de Ribeirão Preto”, numa referência à terra natal do ministro, havia alugado uma mansão no Lago Sul, bairro da elite abonada de Brasília. Havia de tudo ali. De negócios duvidosos a mulheres que pareciam ter sido recrutadas pelo sorriso franco, cobrando elevado cachê. “Não se assuste se nessa CPMI do 8 de Janeiro o relatório final seja votado sob forte efeito de incontáveis lutas corporais”, adverte um político com experiência em comissões de inquérito.
A desmilitarização do GSI — Criado em 24 de setembro de 1999, o Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República nasceu da extinta Casa Militar para “coordenar as atividades de segurança da informação e das comunicações” e sobretudo cuidar da segurança do presidente da República e do vice-presidente e da sede do Poder Executivo. E, sempre teve um militar na sua chefia.
Durante o período de transição, houve quem propusesse a fusão com o Ministério da Defesa, mas logo o candidato eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) rechaçou a sugestão e a ideia foi escanteada, para usar uma linguagem futebolística. Agora, volta ao debate o tema de que o GSI seja comandado por um civil. “O danado é numa hora dessas fica difícil encontrar um articulador, com bom trânsito na inteligência e que não tenha origem na caserna”, argumenta um auxiliar do presidente, ouvido pelo Jornal do Commercio. “Seria um [José] Múcio 2”, referindo-se ao ministro da Defesa, José Múcio Monteiro.
De viagem a Portugal e Espanha, o presidente Lula nomeou interinamente o jornalista Ricardo Cappelli. Atualmente, o “homem de [Flávio] Dino” como é chamado pelo presidente, acumula a Secretaria Executiva do Ministério da Justiça. Foi interventor na segurança pública do Distrito Federal, após os atos de 8 de janeiro e vai se encarregar de “desbolsonarizar” o gabinete, prioridade pelo general Gonçalves Dias.