Após repercussão da reportagem publicada nesta quinta-feira (11) pela coluna Ronda JC, a Polícia Civil instaurou inquérito para investigar as denúncias de tortura na unidade da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase) do Cabo de Santo Agostinho, na Região Metropolitana do Recife. O pedido foi feito pelo Ministério Público de Pernambuco (MPPE) a partir do relatório produzido pelo Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop). O inquérito, que correrá sob sigilo, está sob a responsabilidade da Delegacia do Cabo.
No documento, há informações de que os jovens que cumprem medidas socioeducativas são obrigados a praticar agressões mútuas. Um deles, inclusive, em um dos atos de violência, chegou a perder o baço em dezembro do ano passado.
"Ao passar nos alojamentos, se colocando de pé, com as mãos juntas para frente, todos do alojamentos, de forma indiscriminada, são obrigados a se agredirem fisicamente de forma violenta, ao ponto de quebrarem nariz, dentes, lesões nos olhos e demais áreas do corpo, e somente param ao comando do representante", informou o material entregue ao MPPE. Segundo a denúncia, os casos de tortura e maus-tratos teriam a conivência da direção da unidade.
De acordo com as informações apuradas pelo Gajop, a direção mantém, em cada alojamento, “representantes” responsáveis pela liderança desses locais. Os próprios socioeducandos fazem esse papel. “São conhecidos por todos os adolescentes da unidade como sendo ‘o doido’ e o seu substituto ‘segunda voz’. (Eles) recebem toda cobertura institucional para definir regras próprias, punições, sanções e distribuição de tarefas, legitimando uma outra organização paralela de funcionamento, dentro da unidade. (...) E mais grave, a Diretora comunica antecipadamente quando da ocorrência de Revistas pela Polícia Militar dentro da unidade, possibilitando aos “doidos” se organizarem e definirem o que será encontrado ou não”, disse outro trecho do relatório.
O relatório segue denunciando agressões sofridas pelos socioeducandos. “Em uma dessas situações, ocorrida em Dezembro/2020, um dos socioeducandos foi agredido tão violentamente, que ao ser emergenciado no Hospital Dom Helder, foi identificado lesão no baço, sendo inevitável a cirurgia para retirada do órgão. Ao ser socorrido o adolescente foi ameaçado a não contar o ocorrido, com medo de retaliação o adolescente informou que havia caído durante uma partida de futebol”, diz outro trecho.
O Conselho Estadual da Criança e do Adolescente encaminhou ao governo do Estado recomendação pedindo o afastamento da diretora da unidade do Cabo, sob o argumento da necessidade de “lisura e êxito do processo de apuração das denúncias”.
FIO DESENCAPADO
No relatório, o Gajop ainda destaca que os adolescentes usam fios desencapados para cozinhar, o que, claro, gera risco de incêndios. “É comum alguns jovens utilizarem fios desencapados como um tipo de “resistência elétrica” para ferver água e cozinhar alimentos dentro dos alojamentos. Relatam que utilizam este método para poder completar a alimentação que, segundo os adolescentes é de baixa qualidade e pouca quantidade”.
INVESTIGAÇÃO
O MPPE também segue na apuração do caso. "Informo que o Ministério Público de Pernambuco (MPPE), através da 1ª Promotoria de Justiça de Defesa da Cidadania do Cabo de Santo Agostinho, tem em trâmite procedimentos administrativos que monitoram o funcionamento de ambas as unidades de internação situadas neste Município. As denúncias levadas a efeito pelo Gajop estão sendo analisadas e terão a adoção das medidas cabíveis”, afirma a promotora Manoela Poliana Eleutério de Souza.
OUTRO LADO
Em nota, a assessoria da Funase informou que a “denúncia acerca da existência de comandos exercidos por internos sobre outros socioeducandos do Centro de Atendimento Socioeducativo (Case) Cabo de Santo Agostinho e de uma suposta conivência da gestão com esses fatos já se mostrou improcedente em diversas apurações da Corregedoria da instituição”.
Ainda no texto, a Funase afirmou que instaurou sindicância para apurar as denúncias. “A Funase reitera que o comando do Case Cabo está nas mãos de quem deve estar: o estado de Pernambuco. A gestão é feita pelos coordenadores da unidade, sem delegação a internos ou qualquer outra pessoa. De todo modo, como já fez em outras ocasiões em que essa denúncia surgiu, a Funase abriu um procedimento de investigação. A apuração, iniciada em 22 de fevereiro de 2021, deve ter as primeiras conclusões em até 20 dias, prorrogáveis por igual período. O procedimento é conduzido pela Corregedoria da Funase, setor independente e com funcionamento externo ao Case Cabo. A gestora da unidade está em férias regulamentares”.
Sobre a agressão ao socioeducando que perdeu o baço, a Funase disse que também apura a ocorrência. “A Funase dispõe de protocolos específicos de prevenção e de comunicação de episódios de tortura ou agressões às autoridades que fiscalizam a execução das medidas socioeducativas. A instituição acompanha o caso e se coloca à disposição dos órgãos competentes para fazer todos os esclarecimentos necessários.”