O caso dos Canibais de Garanhuns, que está completando dez anos nesta segunda-feira (11), não chama a atenção apenas porque os assassinos comiam a carne das vítimas. Mas também pela informação de que empadas eram recheadas com os restos mortais das mulheres e eram vendidas pelas ruas da cidade de Garanhuns, no Agreste de Pernambuco.
Há quem diga que se trata de um boato. Mas a verdade é que Isabel Cristina Torreão Pires, uma das assassinas, confessou à polícia, em depoimento gravado, que realmente usou carne humana para fazer empadas e vender. Confira a transcrição do depoimento dado em 2021:
Policial - Vocês comeram muito da carne de Geisa (Giselly)?
Isabel - Não, comi muito não. Não sou muito de comer carne não.
Policial - Quem foi que comeu mais? A Pretinha (Bruna)?
Isabel - A Pretinha e a criança.
Policial - A menina sabia que era carne de gente?
Isabel - Não. A menina só sabe o que aconteceu quando ela (Bruna) contou.
Policial - E quem contou para ela (criança) que ele (Jorge) levou a mulher,
matou e cortou?
Isabel - Eu creio que ela deve ter visto tudo isso. Ela viu os procedimentos. Deve ter ficado assustada. De repente notei que ela tinha ficado nervosa.
Policial - Quantos dias para comer a carne (10 kg tirados de Giselly)?
Isabel - Dois ou três dias. Ela (Bruna) faz dieta, mas quando come carne, é carne mesmo. Não como muita carne. (…)
Policial - Vocês comeram a carne de Geisa (Giselly) e da Alexandra. Que
pedaços comeram delas?
Isabel - Fígado, carne normal.
Policial - Coração também?
Isabel - Não, nenhuma das duas vezes teve coração.
Policial - Deram também à criança?
Isabel - Ela comeu. Fez parte.
Policial - Ficou com remorso?
Isabel – Sempre fiquei com remorso. Sempre fiquei.
Policial - Você vendia lanches. Um dos lanches era empada. Você pegou carne
da menina (morta) e usou como recheio da empada?
Isabel - Cheguei a usar carne sim dela.
Policial - Você fez as empadas?
Isabel - Fiz.
Policial - E vendeu?
Isabel - Vendi.
Policial - A empada que a senhora vendeu foi da carne de quem?
Isabel - Da segunda (Alexandra).
Policial - A senhora vendia carne humana em que locais da cidade?
Isabel - Nos hospitais. Era pouquinho. Mais o molho.
COMO OS CANIBAIS ESTÃO HOJE?
Jorge Beltrão Negromonte da Silveira, Isabel Cristina Torreão Pires e Bruna Cristina Oliveira da Silva foram condenados pelas mortes de três mulheres.
De acordo com a Secretaria Executiva de Ressocialização (Seres), o trio continua cumprindo as penas em regime fechado. Isabel e Bruna estão na Colônia Penal Feminina de Buíque. Já Jorge Beltrão está na Penitenciária Barreto Campelo, em Itamaracá. "Todos com bom comportamento", pontuou a Seres.
RELEMBRE O CASO
Em 11 de abril de 2012, policiais civis chegaram a uma residência numa área periférica de Garanhuns para tentar desvendar o desaparecimento de uma mulher. Lá, além do trio, vivia uma menina de 5 anos. Foi ela quem apontou à polícia onde estava o corpo da vítima que sumiu: enterrado no quintal do imóvel.
Também havia o de outra desaparecida, em mais uma vala. Jorge, Isabel e Bruna confessaram os crimes e acabaram presos em flagrante. Revoltados, vizinhos destruíram parte do imóvel, inclusive provas que seriam usadas nas investigações da polícia.
Desenhos macabros e um livro com referências à morte da primeira vítima, feitos por Jorge, também foram achados e investigados pela polícia.
A cada dia, mais choque. Eles chegaram a falar em até oito mulheres vítimas do "Cartel", uma suposta seita criada para diminuir a população do planeta - sob o argumento que aquelas mulheres atraídas pelo trio com a promessa de emprego deveriam ser mortas porque eram mães solteiras e não tinham condições de criar os seus filhos.
Depois que as vítimas eram assassinadas e esquartejadas, partes dos corpos serviam de alimento para o trio e para a criança que, na verdade, era filha da primeira vítima.
Jéssica Camila da Silva Pereira tinha 17 anos quando foi vista pelos canibais, em 2008. Ela estava com a filha nos braços andando pelas ruas do bairro de Boa Viagem, Zona Sul do Recife. Recebeu uma proposta de emprego como doméstica e aceitou. Na época, Jorge, Bruna e Isabel viviam numa casa no bairro de Rio Doce, em Olinda, também no Grande Recife. Meses depois, Jéssica foi morta.
Somente com a prisão, em 2012, a polícia investigou o desaparecimento dela e descobriu que restos mortais ainda estavam escondidos em paredes da casa. Exames de DNA comprovaram a identidade da vítima. Em depoimento à polícia, o trio contou que comeu a carne humana da adolescente e ainda deu para a criança - na época com idade entre 2 e 3 anos.
As outras vítimas foram Alexandra Falcão da Silva e Giselly Helena, cujos corpos foram encontrados enterrados na residência do trio em Garanhuns. As duas também foram atraídas com propostas de empregos de babás, já que Isabel e Jorge se apresentavam como verdadeiros pais da criança.
Depois de meses de investigações, a polícia só conseguiu confirmar três assassinatos praticados pelo trio, que nunca mais foi solto. Já a criança, hoje com 15 anos, vive com uma tia-avó.
CONDENAÇÕES
No júri popular relacionado à morte de Jéssica, em 2014, Jorge foi condenado a 21 anos e seis meses de prisão e um ano e seis meses de detenção. Isabel e Bruna receberam as mesmas penas: 19 anos de prisão e um ano de detenção.
O Ministério Público recorreu em segunda instância e, em 2019, houve aumento das penas. Jorge recebeu 27 anos de prisão e um ano e meio de detenção. Isabel e Bruna passaram para 24 anos de prisão e um de detenção.
Mas, em dezembro do ano passado, o recurso da defesa foi aceito pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), que reduziu novamente as penas, graças à exclusão de algumas qualificadoras. Jorge passou para 18 anos e quatro meses de prisão e um ano de detenção. As duas mulheres ficaram com 17 anos e 8 meses de reclusão e um ano de detenção.
Em relação às mortes das vítimas em Garanhuns, Jorge recebeu a pena de 71 anos de prisão. Isabel pegou 68 anos. E Bruna foi condenada a 71 anos e dez meses de prisão. A defesa recorreu da sentença, mas a 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) manteve as condenações. O caso seguiu para o STJ, ainda sob análise.