Entre os anos de 2017 e 2021, Pernambuco somou 20.198 assassinatos. Para se ter uma ideia do cenário de guerra, o número é superior à população total de mais de 70 municípios do Estado. Está muito distante de ser um resultado aceitável. Ainda mais quando, há 15 anos, existe um programa de segurança pública - o Pacto pela Vida - que monitora semanalmente os índices de violência para que sejam refeitas as estratégias de policiamento, repressão e prevenção aos crimes.
O futuro governador de Pernambuco terá como principal desafio liderar uma reformulação nas ações de segurança pública para, de vez, tentar acabar com o sobe e desce de mortes violentas. Em média, dez pessoas são assassinadas por dia. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública colocou Pernambuco como o 5º Estado mais violento do País. O resultado teve como base os homicídios em 2021.
A promessa de redução anual de 12% na taxa de homicídios no Estado poucas vezes se concretizou nos últimos 15 anos. Para citar como exemplo, Pernambuco registrou 3.100 mortes em 2013 - o melhor ano do Pacto pela Vida. Já em 2017, somou 5.428 assassinatos - o pior resultado da história.
De acordo com a Secretaria de Defesa Social (SDS), cerca de 70% dos assassinatos em Pernambuco têm relação com as atividades criminais - como o tráfico de drogas, por exemplo.
“A violência está relacionada à ilegalidade do tráfico de drogas, que cresce recrutando uma grande quantidade de jovens. O tráfico é muito lucrativo. O crescimento de homicídios acaba sendo consequência inevitável”, explica o sociólogo Luiz Flávio Sapori, um dos colaboradores na criação do Pacto pela Vida.
O avanço do crime organizado em Pernambuco, especializado no tráfico de drogas, tem preocupado a polícia nos últimos anos por causa da relação com a explosão de homicídios a partir de 2017.
A socióloga Edna Jatobá, coordenadora executiva do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), destaca que, de janeiro a junho deste ano, 499 pessoas morreram vítimas de tiro na Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Enquanto na Região Metropolitana do Recife (RMR) foram 708. Em compensação, no mesmo período, o número de tiroteios no Rio foi 1.828 e na RMR foi 896.
“Com esses números, a gente percebe que aqui (na RMR) se gasta menos munição para abater a população. Isso acontece porque há mais pessoas marcadas para morrer, seja por disputa de território ou dívida de drogas. Há também mais mortes dentro ou na frente de casa. São vítimas que muitas vezes não registram boletins de ocorrência por ameaça. É preciso investimento em inteligência policial para prender as facções que crescem no Estado e proteger a vida das pessoas”, afirma Edna.
O sociólogo Luiz Flávio Sapori, que contribuiu com a elaboração das diretrizes do Pacto pela Vida, tem pensamento semelhante sobre o trabalho que deve ser adotado pelas forças de segurança no combate ao crime.
“Não basta colocar policiais nas ruas se não houver uma distribuição desses policiais nos locais, nos horários, nos momentos onde o crime acontece. É fundamental um policiamento mais inteligente, um policiamento orientado para solução de problemas, um policiamento focado nas zonas mais quentes de criminalidade. A tarefa é colocar essas metodologias em prática.”
Para Sapori, o futuro governador precisará ter uma atenção especial também para os crimes contra o patrimônio (que englobam os roubos e furtos).
“O Pacto pela Vida precisa assumir como prioridade absoluta, principalmente a partir do próximo governo, a redução substantiva da incidência de roubo. Por mais que estejam caindo, esse tipo de crime me preocupa e, se não for contido, não vai gerar o sentimento de segurança da população. Pernambuco está entre os dez Estados do País com maior número de roubos por 100 mil habitantes. Além disso, o roubo pode levar ao latrocínio. O número de latrocínios em Pernambuco é muito elevado”, explica.
De acordo com dados da SDS, 30.104 queixas de roubos e furtos foram registradas nas delegacias de Pernambuco entre janeiro e julho deste ano. No mesmo período de 2021, foram 30.605. Em relação aos casos de latrocínio, 72 pessoas foram vítimas nos sete primeiros meses deste ano, quatro menos do que no mesmo período de 2021.
Neste ano, só no primeiro semestre, 1.858 pessoas foram mortas em Pernambuco. O aumento foi de 10,7% em relação a 2021, quando 1.679 assassinatos foram registrados pela polícia.
Uma das vítimas, neste ano, foi o aposentado Edson Teixeira da Silva, de 68 anos. Morador de Caruaru, no Agreste do Estado, ele estava em casa quando foi surpreendido por um homem que pulou o muro. A vítima ligou para a filha para pedir ajuda, mas não houve tempo suficiente do socorro chegar. Edson foi morto a marteladas em 24 de junho.
“Meu mundo desabou. Meu pai sempre criou a gente. Era quem deixava, quem buscava na escola. Fazia feira, ensinou tudo dentro de casa. A gente não sabe como recomeçar. Não sabe como explicar. Minha filha de dois anos sabe que o avô está no céu. Mas não entende, né?”, diz a fotógrafa Mylena Teixeira.
Segundo ela, o suspeito se apresentou à polícia dias depois. Ele não explicou o motivo do crime, mas reconheceu ter usado um martelo contra a vítima. Ninguém da família de Edson conhece o suspeito, o que intriga ainda mais. “Uma pessoa que ataca o seu pai pelas costas com um martelo não é uma pessoa de bem. Quero que ele fique preso. A gente acredita na justiça”, afirma Mylena.
A Polícia Civil concluiu a investigação sobre a morte de Edson Teixeira, mas não informou detalhes do caso.
Segundo a Secretaria Estadual de Planejamento, 55,3% dos assassinatos praticados no primeiro semestre foram solucionados. Essa estatística foi atualizada em 29 de julho.
Outro desafio que o governo precisa enfrentar é diminuir a impunidade. Dados da Lei de Acesso à Informação apontam que mais de 9,4 mil investigações de homicídios, instauradas no período de 2017 a 2021, estão sem conclusão no Estado.
O aumento da circulação de armas de fogo nos últimos três anos e meio, graças à flexibilização das normas a partir de decretos assinados pelo governo de Jair Bolsonaro, governo federal, é outra preocupação no combate aos homicídios. Já há casos registrados em vários partes do País que mostram que armas legalizadas estão caindo nas mãos de criminosos.
Em 2021, segundo a Secretaria de Defesa Social (SDS), 81,4% dos 3.368 assassinatos em Pernambuco foram praticados com uso de arma de fogo. Em 2020, o porcentagem foi de 81%. No ano anterior, 79%.
"A média nacional de vítimas que morrem por arma de fogo é de aproximadamente 75%. Mas em Pernambuco esse índice já está acima de 81%. Tem cidades do Estado que passam de 90%", alerta a socióloga Edna Jatobá.
Até poucos meses, o governo de Pernambuco não dispunha de dados para identificar se aquela arma de fogo ou projétil apreendido em local de crime de homicídio tinha origem legal ou não - o que, infelizmente, dificulta comprovar a relação com o aumento da circulação de armas.
Mas, no segundo trimestre deste ano, a Polícia Científica de Pernambuco começou a usar um equipamento para rastrear munições e fazer a correlações com outros casos para saber se a mesma arma foi utilizada em mais crimes. O aparelho, adquirido a partir de convênio com o Ministério da Justiça e Segurança Pública, pode ajudar também a apontar a origem da munição analisada.
Em 2020, a Polícia Federal em Pernambuco recebeu 502 solicitações para porte de armas. Houve 126 concessões. Já no ano passado, houve mais 784 pedidos. E 285 deferimentos.
Em relação à posse de armas (quando elas devem guardadas em casa, por exemplo), houve 7.847 registros nos últimos dois anos.