Não são apenas os números da violência que causam a sensação de insegurança na população que vive em Pernambuco. Saber que a delegacia do bairro ou a única do município está fechada à noite e nos fins de semana também preocupa bastante.
E, nos últimos anos, a interrupção do funcionamento das unidades policiais tem sido cada vez mais comum. Sem contar a falta de estrutura física necessária para o trabalho dos policiais civis.
Uma autônoma de 39 anos, moradora do Grande Recife, relatou ao à coluna Ronda JC que não conseguiu registrar uma queixa na Delegacia de Rio Doce, em Olinda, no dia 15 de agosto, porque encontrou as portas fechadas.
"Minha mãe foi vítima de um golpe bancário de R$ 15 mil. A agência solicitou que fossemos até uma delegacia porque o boletim de ocorrência virtual não tem tanto espaço para detalhar o caso. Minha mãe tem problemas de locomoção, mas levei ela até a Delegacia de Rio Doce. Pior que encontramos ela fechada. O jeito foi registrar a queixa pela internet mesmo."
A Polícia Civil alegou que naquele dia, no horário comercial, a unidade estava aberta.
Em geral, as delegacias ficam abertas de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h. Fora desse horário, apenas unidades policiais de plantão. E são poucas, principalmente no interior de Pernambuco.
A opção é registrar a queixa no site da Secretaria de Defesa Social (sds.pe.gov.br), mas, a depender do crime, isso não é possível. Ou seja, a vítima que encontrar a delegacia fechada precisa seguir para outra cidade onde há plantão 24h.
Nos casos de prisão em flagrante, à noite e nos fins de semana, a situação também é bem complicada. Com efetivo policial já reduzido, PMs precisam se deslocar das cidades onde estão lotados até uma que tenha delegacia aberta para entregar o preso e registrar a ocorrência. Um processo que pode levar horas.
O promotor de Justiça Rinaldo Jorge, que é coordenador do Centro de Apoio Operacional de Defesa Social, Controle Externo da Atividade Policial e Execução Penal do Ministério Público, diz que o problema vem sendo discutido nas reuniões do Pacto pela Vida.
"Alguns promotores de Justiça, inclusive, estão instaurando procedimentos administrativos e inquéritos civis para apurar o fechamento dessas delegacias no interior. Há muitas cidades menores que ficam com as delegacias fechadas e isso têm trazido transtornos", explica.
No Grande Recife, há quatro delegacias especializadas para atendimento à mulher. Apenas a do bairro de Santo Amaro, na área central da capital, é 24h.
Inaugurada em junho deste ano, a Delegacia da Mulher de Olinda, no bairro de Casa Caiada, só funcionava em horário comercial. Um mês depois, após críticas, a Polícia Civil autorizou a abertura das 19h da sexta-feira às 7h da segunda. Ainda assim, de segunda à quinta-feira, o horário segue só até 18h.
"Oficializamos a SDS para que a Delegacia da Mulher de Jaboatão dos Guararapes também tenha plantão 24h. Transferir a responsabilidade para a delegacia plantonista não garante o atendimento especializado à mulher a contento", pontua Rinaldo Jorge.
É cada vez mais comum a reclamação das pessoas sobre a falta de policiamento. Os relatos são praticamente os mesmos. Não encontram mais duplas de policiais militares ou viatura fazendo rondas pelas ruas - algo mais comum no começo da década passada, quando Pacto pela Vida apresentou os melhores resultados no combate à violência.
De fato, o efetivo de policiais militares diminuiu. E esse é um grande desafio que o futuro governador enfrentará quando assumir a partir de janeiro de 2023.
Atualmente, segundo dados da Lei de Acesso à Informação, há 16.722 PMs na ativa. O número mínimo ideal seria de 27.672, ou seja, há um déficit histórico de quase 11 mil militares. Vale lembrar ainda que parte desses profissionais da ativa fazem trabalhos administrativos, ou seja, estão fora das ruas.
A socióloga Edna Jatobá, do Gabinete Assessoria Jurídica Organizações Populares (Gajop), reforça que a ausência do policiamento ostensivo por todas as regiões de Pernambuco também contribui para a elevação da violência.
"Muitas das cidades do interior tem efetivo policial muito baixo, porque são deixadas de lado em detrimento das cidades com violência mais acirrada. Mas vários municípios do interior sobraram o número de mortes no primeiro semestre deste ano, por exemplo. É preciso um olhar atento para isso", diz.
Levantamento do JC mostrou que 21 municípios do interior registraram mais assassinatos no primeiro semestre de 2022 do que em todo o ano de 2021. O detalhe é que, além do baixo policiamento, as delegacias dessas cidades não funcionam 24h.
"No começo do ano, houve reposição de 1 mil policiais militares, mas a quantidade que sai (se aposenta) ainda é maior do que a que entra na corporação. O governo estadual tenta suprir, mas ainda não é o número ideal", afirma o promotor de Justiça Rinaldo Jorge.
O déficit de profissionais atinge todas as forças de segurança de Pernambuco. Na Polícia Civil, há 3.548 agentes na ativa. Faltam 4.752 para completar o número ideal. Talvez isso explique a quantidade enorme de delegacias fechadas à noite e nos fins de semana. Há também um déficit de 180 delegados.
A Secretaria de Defesa Social (SDS) promete minimizar o problema com o lançamento, neste segundo semestre, de concursos em todas as áreas da segurança. Na prática, como há várias etapas na seleção e nos cursos de formação, os novos profissionais só devem ingressar nas policiais no segundo semestre de 2023 ou em 2024.
Segundo o promotor Rinaldo Jorge, há expectativa para abertura de 2,5 mil vagas para a Polícia Militar e de 1 mil para a Civil. Números que, oficialmente, ainda serão confirmados.