A gestão do governador Paulo Câmara chegará ao fim sem dar início ao prometido processo de transparência em relação às abordagens realizadas pela Polícia Militar de Pernambuco. Isso porque a implementação das câmeras acopladas às fardas dos PMs mais uma vez foi adiada.
Previsto para dezembro de 2021, e com sucessivos atrasos no processo de licitação, o uso dos equipamentos conhecimentos como bodycams só será, de fato, colocado em prática a partir de 2023.
A cobrança para que os policiais militares do Estado passem a usar as bodycams volta à tona após o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) denunciar à Justiça, na semana passada, dois PMs pelo homicídio doloso (com intenção de matar) do adolescente Victor Kawan Souza da Silva, de 17 anos, no bairro de Sítio dos Pintos, Zona Norte do Recife.
A morte ocorreu durante uma abordagem policial em dezembro de 2021. Victor e um amigo seguiam de moto, quando a viatura da PM seguiu a dupla e, posteriormente, houve os tiros. O amigo do adolescente sobreviveu.
Na época, a PM alegou que a dupla teria reagido e atirado contra os policiais, o que não se confirmou ao longo das investigações. Por isso, como revelou a coluna Ronda JC, o MPPE pediu as prisões preventivas dos dois policiais. A 2ª Vara do Tribunal do Júri Capital ainda não decidiu se aceita a denúncia e determina as prisões.
Além das imagens geradas em tempo real, as bodycams também gravam sons. Tudo é armazenado, no mesmo instante, na nuvem, com risco quase zero de perda de provas.
Com isso, será possível identificar, em pouco tempo, se determinada abordagem policial foi praticada de forma correta ou se houve excessos - reduzindo o lento processo de investigação das denúncias que chegam à Corregedoria da Secretaria de Defesa Social (SDS).
"A SDS está em processo de emissão do Empenho para o pagamento referente à aquisição de 187 câmeras corporais, além do conjunto de baterias extras e estações computadorizadas de armazenamento das imagens captadas", informou, em nota, a SDS.
"A previsão é de que os equipamentos sejam entregues pela empresa vencedora do processo licitatório entre o final deste ano e início de 2023. O valor total do projeto-piloto, que será implantado no 17º Batalhão, em Paulista, é de R$ 419.500", completou.
O andamento do projeto-piloto vem sendo acompanhado de perto pelo MPPE, que cobra, em reuniões, a agilidade da implementação.
Para se ter uma ideia dos casos de violência policial, a Corregedoria da SDS instaurou, somente em 2021, dez procedimentos disciplinares para investigar as condutas de 29 policiais militares denunciados por tortura.
Isso sem contar os casos que resultaram em mortes. Os policiais acusados pelo óbito de Victor Kawan, por exemplo, ainda estão sendo investigados pela Corregedoria.
Em 30 de março deste ano, a menina Heloysa Gabrielle, de 6 anos, também foi morta durante uma ação policial na comunidade de Salinas, em Porto de Galinhas, Litoral Sul do Estado. Na ocasião, policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) perseguiam um homem que estava numa moto.
Os PMs alegaram que houve troca de tiros, mas a investigação conduzida pela Polícia Civil mostrou que só eles atiraram. O inquérito também apontou que os policiais teriam praticado fraude processual.
O cabo Diego Felipe de França Silva, responsável pelo tiro que matou Heloysa, está respondendo em liberdade pelo crime de homicídio qualificado.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil - seccional Pernambuco (OAB-PE), Fernando Ribeiro Lins, cobrou mais agilidade do governo estadual na implementação das câmeras nas fardas dos policiais militares.
"Pernambuco precisa acelerar a instalação das câmeras nos uniformes policiais. A importante medida contempla a sociedade como um todo. O policial ético, que faz a sua abordagem dentro dos parâmetros legais, será inclusive valorizado. Ao mesmo tempo, a implantação das câmeras oferecem uma garantia de que possíveis abusos sejam identificados", afirma Lins.
"É absolutamente importante responsabilizar aqueles agentes que, ao extrapolar na hora fazer uso da força, adotam posturas que não coadunam com os valores das instituições policiais do nosso Estado", completa.
A OAB-PE vem cobrando a implementação das bodycams desde maio de 2021, após a ação desastrosa de policiais militares que avançaram contra manifestantes que participavam de um ato pacífico com críticas ao governo de Jair Bolsonaro, na área central do Recife. Na ocasião, dois trabalhadores que passavam perto do local foram atingidos por tiro de elastômero (bala de borracha).
O arrumador de contêineres Jonas Correia de França, 30 anos, ficou cego do olho direito. Já o adesivador Daniel Campelo da Silva, 51 anos, perdeu a visão do olho esquerdo. Sem câmeras nas fardas, os policiais responsáveis pelos tiros foram identificados após meses de investigações. E até hoje a Corregedoria da SDS não decidiu qual será a punição deles.
Vários Estados brasileiros já adotaram as bodycams e apresentaram bons resultados na redução das mortes. Em São Paulo, por exemplo, um levantamento mostrou que, entre os meses de junho de 2021 e maio deste ano, 41 pessoas vieram a óbito em ações da PM. Já entre junho de 2020 e maio de 2021, foram 207 registros. A queda foi de 80%.
No final do mês de maio, policiais militares do Rio de Janeiro também começaram a usar câmeras nas fardas.