Já faz seis meses que o nosso corpo e a nossa mente passaram a ser readaptados para se manter em alerta como forma de evitar a infecção pelo novo coronavírus. Nesse período, passamos por vários momentos de restrição social, fechamento de setores da economia, privações, mudanças de hábitos, adaptações na rotina e de medos. Ninguém esperava atravessar uma onda tão intensa de um vírus que traz tantos prejuízos. Entre eles, a instabilidade emocional, que acompanha um fenômeno observado em diversos locais onde a reabertura das atividades vem ocorrendo.
Chamada de fadiga da quarentena, essa condição tem atingido milhares de pessoas, que não conseguem mais seguir com tanto afinco, como no início da pandemia, as recomendações das autoridades sanitárias e chegam a colocar em risco todas as conquistas adquiridas para enfrentar a curva da covid-19. Teria, então, a sociedade deixado de lado a mensagem de que o vírus ainda circula? A ciência desponta com algumas justificativas para responder por que as aglomerações têm se repetido em fins de semana e feriados.
“Passar meses sem encontrar os amigos e os familiares pode ter efeito parecido com ficar dias em privação nutricional. Então, passa a ser relativamente compreensível essa ‘fome’ de se relacionar”, explica o médico psiquiatra Amaury Cantilino, professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e presidente da Sociedade Pernambucana de Psiquiatria. Ele ainda destaca outro aspecto que pode contribuir com o
comportamento displicente, durante o processo de convivência com a pandemia: a tendência de reproduzirmos o comportamento do grupo. “Quando o indivíduo está num meio em que percebe os outros quebrando uma determinada regra, ele afrouxa os seus freios morais e pode passar a transgredir normas e recomendações”, acrescenta Amaury Cantilino.
O depoimento do psiquiatria nos leva a compreender por que, no feriadão da Independência do Brasil e neste domingo (13), as cenas em praias do País (e não apenas em Pernambuco) trouxeram a sensação de que a flexibilização erroneamente virou sinônimo de “liberou geral”. É hora de a população internalizar que vivemos uma nova fase de socialização, mesmo diante da reabertura de alguns locais e espaços ao ar livre. O momento exige a permanência de atitudes conscientes.
Outros fatores também devem ser considerados para explicar por que algumas pessoas não seguem as recomendações quando saem de casa. Nesse ponto, destacamos a falta de unidade na comunicação das políticas de enfrentamento ao novo coronavírus. De um lado, o Estado fala em distanciamento social; de outro, o governo federal confunde a sociedade com mensagens que geram dúvidas sobre a efetividade das medidas preventivas, o que pode levar as pessoas a saírem de casa sem adotar os cuidados necessários.
“Todos gostaríamos de voltar a ter uma vida normal, mas ela não existe quando se tem a circulação de um vírus que causa sofrimento e pode causar morte. Estamos falando sobre respeitar o distanciamento social, que é diferente do fique em casa obrigatório. Tudo é questão de compromisso e cuidado com todos que estão à nossa volta. Precisamos que cada um faça a sua parte”, salientou o secretário de Saúde de Pernambuco, André Longo, em entrevista coletiva, na sexta-feira (11), que apresentou um balanço dos seis meses de epidemia da covid-19 no Estado.
A preocupação de Longo e demais gestores da Saúde é que a tal fadiga da quarentena coloque a perder o trabalho de combate à pandemia que já dura, em média, 180 dias em território pernambucano. Mesmo passados pouco mais de 100 dias da retomada de diversos setores da economia no Estado, os indicadores (casos, óbitos e demanda por leitos) da pandemia vêm registrando uma queda progressiva, que é claramente sentida na rede hospitalar. “Os leitos dedicados à doença, que viveram em maio e junho momentos de muita tensão e constante ocupação, observam uma tendência de diminuição permanente das
solicitações, alcançando patamares de ocupação de antes da aceleração da doença”, reforçou o secretário.
Na avaliação do epidemiologista Rafael Moreira, pesquisador da Fiocruz Pernambuco, a redução do volume de mortes se deve ao aprendizado que o tempo propiciou na abordagem da doença, aos melhores protocolos de tratamento, à abertura de novos leitos e ao monitoramento das fases de flexibilização. “O número de casos se reduz a partir do momento em que parte da população foi exposta, adquirindo provável imunidade, e da amplitude da testagem em massa, capaz de alterar esses números”, diz Rafael Moreira, também professor da Faculdade de Medicina da UFPE.
O olhar do pesquisador, neste momento, foca um problema que inquieta e pode favorecer o surgimento de uma segunda onda de covid-19. “O maior desafio se encontra no pilar social da pandemia. O aparente avanço no pilar estatístico pode reforçar a banalização da doença, levando à subestimação dos seus reais riscos ainda presente”, comenta Rafael Moreira, lembrando que ainda não é tempo de descuidarmos dos hábitos de higiene e demais medidas preventivas. “O que se observa é uma substituição da realidade
da doença, uma crença que nos incomoda, por uma ficção que mais nos conforta, de que estamos seguros finalmente”, complementa.
Enquanto a pandemia durar e não tivermos o real controle dos seus efeitos, continuaremos a lamentar as cenas de aglomerações e a falta de cuidado de parte da população nas ruas. Esse comportamento é egoísta, equivocado e causa indignação, como bem disse André Longo na última semana. É tempo de valorizarmos o altruísmo a partir de condutas que ofereçam não apenas um bem-estar individual, mas uma segurança em
coletividade.