Faz pouco mais de um mês que a Índia, que teve uma grave segunda onda de covid-19, começou a detectar casos expressivos de pessoas com mucormicose, uma infecção incomum e grave, popularmente conhecida como fungo preto. Desde então, as autoridades sanitárias brasileiras passaram a reforçar a vigilância de possíveis ocorrências de mucormicose. Em Pernambuco, o primeiro caso com histórico de covid-19, registrado no domingo (6), fez levantar muitas dúvidas sobre o elo entre o fungo preto e o coronavírus. Questionamentos sobre grupos susceptíveis ao problema e formas como a mucormicose pode aparecer têm sido levantados pela população, que acompanha o cenário na Índia, onde a condição ameaça se tornar problema de saúde pública. Naquele país, já são quase 30 mil casos de mucormicose. Entre eles, 86% têm histórico de covid-19 e 62,3% vivem com diabetes.
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Segundo médicos infectologistas ouvidos pela reportagem do JC, o ponto de encontro entre o fungo preto e o coronavírus está, entre outras questões, em fatores de risco que podem agravar um quadro infeccioso, como a diabetes e os quadros de imunossupressão (em que o sistema imunológico fica enfraquecido), nos quais se incluem pacientes que vivem com lúpus e que passaram por transplantes de órgãos e tecidos, além de outras condições. Quando a mucormicose se manifesta, afeta nariz, áreas do rosto, olhos, boca e cérebro.
"Por enquanto, não temos como aferir que os casos de mucormicose possam ter relação direta com a variante Delta (originária da Índia). Foi, inclusive, publicado um artigo no país que não faz associação com a nova cepa. O que sabemos é que a mucormicose está muito relacionada a diabetes descompensada (sem controle) e com o uso em larga escala de corticoide", diz o infectologista Demetrius Montenegro, chefe do setor de doenças infectocontagiosas do Hospital Universitário Oswaldo Cruz (Huoc), em Santo Amaro, área central do Recife. É na unidade onde está em acompanhamento a paciente de 59 anos, residente em Casinhas (Agreste do Estado). Diagnosticada em março com covid-19, ela desenvolveu as manifestações da mucormicose, tem diabetes, hipertensão e asma. É o primeiro caso da infecção fungíca com histórico de coronavírus em Pernambuco.
Diante do caso, Demetrius destaca que é importante os profissionais de saúde ficaram atentos para a possibilidade de que o fungo preto possa ocorrer no pós-covid, mas também frisa que, independentemente do vírus, a mucormicose pode aparecer em pacientes com excesso de peso, diabetes, uso excessivo e indiscriminado de corticoide. "Infelizmente a gente tem visto que muitos pacientes, ao se internarem, já estavam fazendo previamente uso de altas doses de corticoide. Isso é um problema."
O infectologista Paulo Sergio Ramos de Araújo, da Universidade Federal de Pernambuco e do Instituto Aggeu Magalhães (unidade da Fiocruz no Estado), acredita ser pouco provável o caso diagnosticado em Pernambuco ter relação exclusivamente com o coronavírus. "Creio que a covid-19 foi uma coincidência nessa situação, pois a mucormicose está muito relacionada à imunossupressão e diabetes. Em toda a minha vida profissional, só vi dois casos (da infecção fúngica)", relata Paulo Sérgio.
O médico também explica que o fungo pode ser encontrado no solo ou compostos orgânicos, mas não é contagioso nem se espalha de pessoa para pessoa. "Uma pessoa imunocompetente (que defende o organismo contra elementos estranhos) inala o fungo e não apresenta problemas, pois consegue bloquear a infecção", frisa o infectologista. Neste ano, no Brasil, já foram notificados 29 casos da mucormicose, dos quais pelo menos quatro são investigados pela associação com a covid-19.