A delegada federal Carla Patrícia Cintra, que tomou posse como secretária de Defesa Social (SDS), nesta segunda-feira (02), afirmou que Pernambuco terá novas metas no combate à violência.
Após 16 anos, o programa estadual de segurança pública deixará de se chamar Pacto pela Vida - marca que ficou registrada nas gestões comandadas pelo PSB.
Agora, será Juntos pela Segurança, mesmo nome do programa de segurança criado pela governadora Raquel Lyra quando esteve à frente da Prefeitura de Caruaru, no Agreste do Estado.
A meta do Pacto pela Vida previa a redução anual de 12% na taxa de homicídios - mas poucas vezes esse resultado foi alcançado (apenas duas vezes no governo Paulo Câmara, por exemplo).
"Os desafios são inúmeros, tanto na atuação repressiva quanto preventiva da polícia. A gente vai atuar nas duas frentes. A gente está estudando e vendo como adaptar da melhor forma o programa Juntos pela Segurança ao Estado inteiro. Metas, metodologias, algumas coisas serão mudadas", disse Carla Patrícia Cintra.
"O desejo da nova governadora é de fazer uma reestruturação, uma transformação da segurança pública. Então nossa ideia é fazer essa transformação para que a gente busque a eficiência na segurança para os pernambucanos", completou a delegada federal, que é a primeira mulher a chefiar a segurança pública de Pernambuco.
Carla Patrícia reforçou ainda que o trabalho seguirá integrado com as outras secretarias estaduais.
Entre os anos de 2017 e 2022, Pernambuco somou 23.312 homicídios (sem contar dezembro de 2022, que ainda será divulgado pela SDS). De acordo com a SDS, mais de 70% dos assassinatos têm relação com as atividades criminais - como o tráfico de drogas.
O avanço do crime organizado em Pernambuco, especializado no tráfico, tem preocupado a polícia nos últimos anos por causa da relação com a explosão de homicídios a partir de 2017 - ano em que houve recorde histórico de mortes violentas (5.428).
Nos anos seguintes, o trabalho de repressão policial conseguiu reduzir o número de homicídios, mas a violência permanece alta - com grupos criminosos migrando entre os municípios e disputando territórios.
A população pernambucana segue reclamando da dificuldade em encontrar uma delegacia aberta à noite e nos fins de semana. Nos últimos anos, a interrupção do funcionamento das unidades policiais tem sido cada vez mais comum.
Isso sem contar a falta de estrutura física necessária para o trabalho dos policiais civis. Uma reclamação constante da categoria.
Em geral, as delegacias ficam abertas de segunda a sexta-feira, das 8h às 18h. Fora desse horário, apenas algumas unidades policiais funcionam 24h. E são poucas, principalmente no interior de Pernambuco. A opção é registrar a queixa no site da Secretaria de Defesa Social (sds.pe.gov.br), mas, a depender do crime, isso não é possível.
Nos casos de prisão em flagrante, à noite e nos fins de semana, a situação também é bem complicada. Com efetivo policial já reduzido, PMs precisam se deslocar das cidades onde estão lotados até uma que tenha delegacia aberta para entregar o preso e registrar a ocorrência. Um processo que pode levar horas.
No Grande Recife, há quatro delegacias especializadas para atendimento à mulher. Apenas a do bairro de Santo Amaro, na área central da capital, é 24h.
Inaugurada em junho de 2022, a Delegacia da Mulher de Olinda, no bairro de Casa Caiada, só funcionava em horário comercial. Um mês depois, após críticas, a Polícia Civil autorizou a abertura das 19h da sexta-feira às 7h da segunda.
Carla Patrícia Cintra também precisará de um efetivo maior nas polícias Civil, Militar e Científica, além do Corpo de Bombeiros, para combater a criminalidade e trazer de volta a sensação de segurança à população.
Segundo dados da Lei de Acesso à Informação atualizados em julho de 2022, havia 16.722 policiais militares na ativa. O número mínimo ideal seria de 27.672, ou seja, há um déficit histórico de quase 11 mil militares.
O déficit de profissionais atinge todas as forças de segurança de Pernambuco. Na Polícia Civil, em julho de 2022, havia 3.548 agentes na ativa. Faltam 4.752 para completar o número ideal. Talvez isso explique a quantidade enorme de delegacias fechadas à noite e nos fins de semana. Há também um déficit de mais de 180 delegados.
A gestão Paulo Câmara havia prometido o lançamento de editais de concursos para a segurança ainda no segundo semestre de 2022, mas isso não ocorreu. Na semana passada, o até então secretário de Defesa Social, Humberto Freire, alegou que não foi destinado o orçamento para os concursos.
A promessa era de abertura de concursos para preencher as seguintes vagas: 2.400 praças e 180 oficiais para a Polícia Militar; 400 praças para o Corpo de Bombeiros; 1.200 agentes da Polícia Civil; 300 escrivães; 50 peritos papiloscopistas; 47 delegados para Polícia Civil; 50 peritos criminais; 50 médicos legistas; 60 agentes de medicina legal e 4 agentes de perícia criminal para a Polícia Científica.
São números, inclusive, que ainda estão distantes do ideal para suprir as necessidades do Estado.
A nova secretária de Defesa Social precisa também fortalecer a Corregedoria (ela já foi titular entre 2017 e 2019) para investigar e punir, com mais agilidade os profissionais da segurança que praticam infrações.
Em 30 de março de 2022, uma perseguição policial resultou na morte da menina Heloysa Gabrielle, de 6 anos, que brincava no meio da rua, na comunidade de Salinas, em Porto de Galinhas, Litoral Sul de Pernambuco. Na época, policiais do Batalhão de Operações Especiais (Bope) afirmaram que houve uma troca de tiros com um suspeito. Mas investigações apontaram que só os PMs atiraram.
O cabo da PM apontado como culpado pelo tiro que matou a menina já virou réu e aguarda o andamento do processo na Justiça. Apesar disso, na Corregedoria, o processo administrativo ainda não foi concluído e nenhum PM foi punido.
Outro exemplo é violência policial ainda sem punição da SDS é dos policiais militares acusados pelo homicídio do adolescente Victor Kawan Souza da Silva, de 17 anos, no bairro de Sítio dos Pintos, Zona Norte do Recife. O caso foi em 11 de dezembro de 2021.
A investigação da Polícia Civil apontou que dois militares mentiram e ainda fraudaram provas para atrapalhar o inquérito. Eles viraram réus, foram presos (um PM está no presídio militar e a outra em prisão domiciliar) e aguardam julgamento. Mas, no âmbito administrativo, o processo da Corregedoria não foi finalizado ainda.
Desde dezembro de 2021, estava previsto o início do projeto-piloto do uso de câmeras nas fardas dos policiais militares, mas isso ainda não aconteceu. Na semana passada, a SDS disse que aguarda a empresa vencedora da licitação entregar os equipamentos.
O 17º Batalhão, com sede em Paulista, no Grande Recife, será o primeiro a usar as bodycams, como são chamadas. O desafio da nova gestora será colocar em prática o projeto e ampliá-lo de forma ágil para enfrentar os casos de violência policial.