Após quase cinco meses, o inquérito policial militar que investigou o caso do soldado que matou a esposa grávida, no Cabo de Santo Agostinho, e atirou e matou colegas de farda no 19º Batalhão, no Recife, foi encerrado e encaminhado para análise do Ministério Público de Pernambuco (MPPE). Quatro PMs, sendo três soldados e um cabo, foram indiciados. Os detalhes foram revelados em primeira mão à coluna Segurança, deste JC.
Guilherme Santana Ramos de Barros, de 27 anos, matou a tiros a companheira, Cláudia Gleice da Silva, 33, na manhã do dia 20 de dezembro de 2022, porque não aceitava o fim do relacionamento - segundo investigação concluída pela Polícia Civil. Ela estava grávida de três meses.
Em seguida, o soldado rendeu um motorista de aplicativo e o obrigou a seguir até o bairro do Pina, onde fica o 19º Batalhão. Lá, atirou nos colegas e depois cometeu suicídio, segundo a investigação. Além dele, dois policiais morreram e dois ficaram feridos.
"O resultado do inquérito trouxe uma surpresa para nós. Houve o indiciamento de quatro policiais militares, porque eles tinham a obrigação de alertar o comando sobre o comportamento do soldado Guilherme, mas isso não ocorreu", afirmou o tenente-coronel Luiz Cláudio de Brito, porta-voz da Polícia Militar de Pernambuco.
Dos quatro policiais militares indiciados, dois estavam no chamado corpo da guarda, ou seja, na recepção do 19º Batalhão. "Eles não interceptaram Guilherme, mesmo ele chegando ao local com comportamento diferente e apresentando a arma de fogo em punho", explicou o tenente-coronel.
Imagens de câmeras de segurança mostraram o momento em que Guilherme apareceu de mochila entrando no batalhão. Ele passou por colegas e seguiu por um corredor até chegar na sala de monitoramento, onde efetuou tiros contra outros policiais, que tentaram se proteger.
Guilherme saiu pela mesma porta e, um pouco a frente, outro militar apareceu armado. A imagem indicou uma possível troca de tiros. Ele voltou à sala de monitoramento e correu. Logo depois, atirou contra a própria cabeça e morreu no local.
Foram baleados o 2º tenente Wagner Souza do Nascimento, de 30 anos, que morreu na hora, e a major Aline Maria Lopes dos Prazeres Luna, 42, que era subcomandante do 19º Batalhão. A PM chegou a ser socorrida e levada para o Hospital Português, mas faleceu no mesmo dia após cirurgia.
O sargento Maurino Uchoa, baleado de raspão na cabeça, e cabo Paulo Rebelo, ferido no ombro, sobreviveram.
"Como Guilherme era do quartel, os dois policiais que estavam na recepção baixaram a guarda, por isso foram indiciados por prevaricação", disse o tenente-coronel.
A prevaricação é um crime praticado quando o funcionário público deixa de praticar ou pratica indevidamente ato de ofício. A pena pode chegar a dois anos de detenção, em caso de condenação.
O terceiro indiciado foi um cabo da PM, que havia viajado para o Rio Grande do Norte para resolver um problema no Detran.
O cabo recebeu mensagens no momento em que Guilherme seguia para o 19º Batalhão, logo após a morte da companheira. O motorista revelou, em depoimento, que o soldado teria dito que iria "matar os inimigos".
"O cabo da PM tomou ciência da tragédia que iria acontecer por mensagens, mas não informou ao comando. Guilherme mandou mensagens questionando como estava a repercussão do feminicídio no Cabo de Santo Agostinho e disse que ia praticar uma besteira. O PM não acreditou e não reportou ao quartel. Ainda apagou as mensagens após a tragédia", relatou o porta-voz da Polícia Militar.
O cabo foi indiciado por prevaricação e por fraude processual. A pena para este último crime é de até dois anos de detenção, além de multa.
O quarto PM indiciado estava de folga no dia da tragédia. Ele também recebeu mensagens de Guilherme antes do ataque no 19º Batalhão. "Ele alegou que ficou em estado de alarde, provavelmente ficou em choque porque Guilherme chegou a dizer que iria para o quartel e que iria matar dois ou três. O soldado tentou falar com Guilherme para ele não fazer isso, mas Guilherme se desfez do celular no caminho", descreveu o tenente-coronel.
"O policial não avisou ao quartel sobre o que iria acontecer. Havia de quatro a cinco minutos de diferença de tempo até Guilherme chegar no quartel. Se houvesse o aviso, os policiais poderiam ter se preparado para evitar a tragédia", pontuou o porta-voz.
O PM foi indiciado por prevaricação e também por omissão penalmente relevante. A pena para este último crime é de até seis meses de detenção ou multa.
Com mais de 700 páginas, o resultado do inquérito policial militar foi entregue, na última sexta-feira (12), à Central de Inquéritos do MPPE. O promotor responsável vai decidir se concorda com a investigação e denuncia os PMs à Justiça, se pede novas diligências ou se pede o arquivamento do caso.
Segundo o tenente-coronel Luiz Cláudio de Brito, o inquérito não conseguiu definir, com exatidão, o que motivou o ataque de Guilherme contra os colegas de farda.
"Apesar de ser um inquérito com bastante materialidade, não houve condições de concluir a motivação. O que se observou é que, ao chegar no quartel, Guilherme rapidamente entra na sala de monitoramento e atira aleatoriamente contra os militares. Ele não apontou a arma para as servidoras civis que estavam na sala", disse.
"Nos leva a crer que ele não gostava de ser monitorado, porque ele já tinha sido chamado a atenção por um sargento quando houve um desvio de rota", completou.
Em paralelo ao processo criminal, os quatro policiais militares indiciados também respondem a um processo administrativo disciplinar, que é conduzido pela Corregedoria Geral da Secretaria de Defesa Social (SDS). Atualmente, o caso está na fase do conselho de disciplina.
"Três capitães, que formam a tríade processante, vão julgar as condutas dos policiais na esfera administrativa e decidir se cabe punição. Eles votam de forma independente. O prazo é de 30 dias, mas pode ser prorrogado para novas diligências que considerem necessárias", explicou o porta-voz da PM.
Os policiais indiciados seguem no 19º Batalhão.