Um ano após a determinação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para que 70% dos presos fossem tirados do Complexo Prisional do Curado, na Zona Oeste do Recife, devido à superlotação e péssimas condições estruturais, a meta ainda não foi atingida. Porém, mais de 4 mil homens já deixaram os três presídios que fazem parte do Complexo.
Em agosto do ano passado, 6.509 detentos estavam cumprindo penas ou aguardando julgamento nas unidades. Na última sexta-feira (18), esse número estava em 2.463, ou seja, 37,8% do anterior. O resultado é uma demonstração de que, quando há vontade e empenho do Poder Público, é possível diminuir a superlotação, além de garantir os direitos das pessoas privadas de liberdade.
A capacidade do Complexo é de cerca de apenas 1,8 mil vagas, ou seja, ainda há excesso de detentos. Apesar de a meta do CNJ não ter sido cumprida no período de oito meses, como foi determinado, houve, de fato, um esforço do Poder Judiciário e de outros órgãos na análise dos processos dos presos para aceleração dos julgamentos, progressão de penas ou transferências para outros presídios - ainda que praticamente todo o sistema prisional pernambucano siga em colapso.
Por decisão do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), também passou a ser aplicado aos presos do Complexo o chamado "cômputo em dobro" das penas. Desta forma, cada dia em que o detento permaneceu em um dos três presídios é contado em dobro - reduzindo o tempo de permanência dele no regime fechado.
Publicada em dezembro de 2023, a determinação de Fachin levou em consideração decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
"FAVELIZAÇÃO" CHAMOU A ATENÇÃO DE MEMBROS DO CNJ
Na visita ao Complexo do Curado, em agosto de 2022, a então corregedora Nacional de Justiça, Maria Thereza de Assis Moura, junto a uma comitiva do CNJ, identificou um cenário de superlotação, precariedade e até "favelização".
No Presídio Juiz Antônio Luiz Lins de Barros, por exemplo, foram encontrados problemas estruturais e falta de higiene por toda a parte. Sem quartos, detentos improvisaram buracos para dormir. Para ter acesso, eles têm que rastejar. Os presos também são forçados a dormir no chão por falta de celas, abrigados da chuva por pedaços de lona.
Relatório sobre o Complexo do Curado apontou ainda há um "mercado paralelo" nos três presídios. E que o problema histórico ocorre por causa do excesso de presos e da falta de controle do Estado para evitar que essas pessoas privadas de liberdade ditem as regras dos pavilhões.
MEDIDAS ADOTADAS NO COMPLEXO DO CURADO
Em nota, a assessoria do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) destacou que todos os processos de pessoas em cumprimento de pena no Complexo foram e estão sendo revisados com prioridade, o que resultou na diminuição do número de presos por meio de decisão judicial, de forma criteriosa.
"Para essa ação, o TJPE formou um grupo de trabalho com 15 juízes que estão atuando na revisão desses processos juntamente com os juízes originários das ações. Uma outra iniciativa do CNJ/TJPE foi efetuar a proibição de ingresso de novos presos no Complexo do Curado", disse o Tribunal.
"No âmbito macroinstitucional, os avanços são frutos das ações do Gabinete de Crise formado pelo TJPE, da Corregedoria Geral da Justiça (CGJ), da Procuradoria Geral de Justiça, da Defensoria Pública, do Tribunal de Contas do Estado (TCE-PE) e da Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos, que também adotaram medidas nas suas respectivas áreas de atuação", completou.
A Secretaria Executiva de Ressocialização (Seres) informou que as obras de ampliação do Complexo do Curado já estão em 83% da sua execução.
Como informado anteriormente pela pasta do governo estadual, pelo menos 954 novas vagas estão sendo criadas com a obra do Presídio Frei Damião de Bozzano, um dos presídios do Complexo.
CORTE CONDENOU ESTADO BRASILEIRO
A situação desumana no Complexo do Curado é antiga e sempre foi de conhecimento do Poder Judiciário, inclusive. Tanto que, em 2011, a integrante do Conselho da Comunidade da 3ª Vara de Execuções Penais da Capital e coordenadora do Comitê Estadual de Prevenção e Combate à Tortura, Wilma de Melo, precisou denunciar o Estado brasileiro à Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Naquele ano, quando foi editada a primeira medida cautelar, a população carcerária se aproximava de 5 mil pessoas. Uma década depois, apesar de a Corte ter proibido a entrada de novas pessoas, o número de detentos no Complexo continuou a crescer, sem melhorias da estrutura.
O País foi condenado pela Corte IDH e, por isso, o CNJ foi obrigado a fiscalizar e cobrar com rigor melhorias nas condições de sobrevivência dos presos.
Em abril deste ano, a presidente do STF e do CNJ, ministra Rosa Weber, visitou o Complexo do Curado para observar se houve avanços. Também entregou o relatório produzido pelas equipes de vistoria, com detalhes de todos os problemas observados em agosto do ano passado. E cobrou as melhorias necessárias ao sistema prisional de Pernambuco.