A extinção das penas de criminosos considerados de alta periculosidade em Pernambuco, graças à aplicação do benefício do cômputo em dobro, segue repercutindo no meio jurídico. E agora foi a vez da Ordem dos Advogados do Brasil - seccional Pernambuco (OAB-PE) se posicionar sobre o possível erro judicial.
"Observamos com grande preocupação a liberdade presos de alta periculosidade antes do prazo legal do cumprimento das suas penas, quando o Ministério Público aponta que o cálculo das penas foi realizado de forma equivocada", afirmou o presidente da entidade, Fernando Ribeiro Lins.
A denúncia foi revelada pela coluna Segurança, na última segunda-feira. O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) apontou que houve erro de interpretação da 1ª Vara Regional das Execuções Penais na aplicação do cômputo em dobro, concedido aos detentos do Complexo Prisional do Curado, localizado na Zona Oeste do Recife.
No benefício, o tempo das penas já cumprido pelos presos é contado em dobro - resultando em menos dias na prisão. A aplicação foi determinada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, que avaliou que os detentos do Curado vivam em condições subumanas e insalubres de encarceramento.
No entendimento do MPPE, porém, a contagem em dobro precisa ser feita analisando a pena total do preso, e não o limite máximo de 30 anos que uma pessoa pode ficar privada de liberdade no País. Mas não foi isso o que ocorreu.
Um dos beneficiados com a extinção das penas foi Rosemberg Ramos da Silva, o Berg, considerado pela polícia como o maior sequestrador de Pernambuco. Com 17 processos na Justiça, ele foi condenado a 190 anos, um mês e dois dias de reclusão.
Berg participou de sequestros de grande repercussão no Estado - inclusive de um ex-reitor da Universidade de Pernambuco (UPE) em 2003. Na ocasião, o grupo criminoso teria pedido R$ 500 mil pelo resgate.
O MPPE apontou, em recurso, que o cálculo realizado pela 1ª Vara Regional das Execuções Penais foi realizado com base no artigo 75 do Código Penal Brasileiro, que diz que" o tempo de cumprimento das penas privativas de liberdade não pode ser superior a 30 anos".
"No entanto, consoante a jurisprudência pacífica dos tribunais superiores, as diferentes formas de remição como abatimento de pena (a exemplo do cômputo em dobro) servem para incidir sobre o cálculo total de pena e benefícios como progressão de regime e livramento condicional, mas não para aplicação do artigo 75 do Código Penal e extinguir a pena total", afirmou o promotor Rinaldo Jorge da Silva, no recurso de agravo em execução penal enviado ao Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE).
Para o MPPE, o juiz deveria fazer o cálculo do cômputo em dobro considerando a pena de 190 anos, um mês e dois dias de reclusão. E não o limite de 30 anos.
Rinaldo destacou que Berg deveria permanecer preso até 10 de janeiro de 2030. Por isso, solicitou ao TJPE que a decisão da 1ª Vara Regional das Execuções Penais seja cassada e que o cálculo da pena seja refeito.
Ainda não há prazo para que o recurso seja julgado pelo TJPE.
O QUE DIZEM OS ESPECIALISTAS?
A aplicação do cômputo em dobro aos presos do Complexo Prisional do Curado foi abordada artigo publicado no JC, na edição dessa quinta-feira (2). O juiz aposentado e professor universitário Adeildo Nunes concordou com a interpretação do MPPE em relação ao cálculo.
"Observada a Súmula 715 do Supremo Tribunal Federal, por analogia, de logo constata-se que o total da contagem do tempo de cumprimento da pena, para fins do cômputo em dobro, deve ser aquele equivalente a totalização da condenação, e não do limite de cumprimento da pena privativa de liberdade (30 anos), como muitos imaginam", afirmou Nunes, que é doutor em direito e membro da Academia Brasileira de Ciências Criminais.
Na avaliação do presidente da OAB-PE, o cômputo em dobro é um benefício que garante o respeito aos direitos humanos, mas é preciso que cada caso seja analisado observando-se também a necessária proteção à sociedade.
"A OAB Pernambuco entende que os direitos humanos e a segurança pública não devem ser vistos como opostos, mas sim como diretrizes que podem e devem caminhar juntas para a construção de uma sociedade mais justa e segura para todos. É possível e necessário encontrar soluções que honre a dignidade humana dos encarcerados e ao mesmo tempo proteja a sociedade", disse Fernando Ribeiro Lins.
POLICIAL MILITAR CONDENADO A 124 ANOS DE PRISÃO FOI SOLTO
O policial militar Carlos Roberto da Silva Júnior, que cumpria 124 anos e seis meses de prisão no Complexo do Curado, também foi beneficiado com a extinção da pena.
Preso em fevereiro de 1999, o PM foi condenado em três ações penais por vários homicídios e em outro processo pelo crime militar de desacato.
Em recurso, o MPPE apontou que o apenado somente atingiria os 30 anos de prisão em 23 de fevereiro de 2029. E apontou o mesmo argumento de erro no cálculo, que teve como base o artigo 75 do Código Penal Brasileiro.
Os promotores Rinaldo Jorge da Silva, Fernando Falcão Ferraz Filho e José Edivaldo da Silva assinaram o recurso para que a decisão judicial seja revista pelo TJPE. Eles pedem a realização de novos cálculos e que o policial militar volte ao sistema prisional para cumprir a pena até 2029.
PRESO COM MAIS DE 91 ANOS DE PRISÃO TAMBÉM TEVE PENA EXTINTA
Eronildo Vieira da Silva, condenado em oito processos criminais, também foi beneficiado com a extinção da pena.
Preso em 15 de janeiro de 1998, ele foi condenado a 91 anos, 6 meses e 18 dias em crimes como homicídio, roubos mediante grave violência, cárcere privado e associação criminosa.
"O apenado foi preso em 24/02/1998, somente atingiria os 30 anos de cumprimento de pena privativa de liberdade em 23/02/2028. (...)", disse o promotor Rinaldo Jorge da Silva, no pedido para que a decisão judicial seja cassada e que Eronildo volte para o presídio.