POR MONA LISA DOURADO, DA COLUNA TURISMO DE VALOR
Na linha de frente do combate ao coronavírus, profissionais de saúde estão entre os que correm maior risco de contágio pela covid-19. Consequentemente, tornam-se potencialmente grandes vetores da doença para suas próprias famílias. Por isso, ganha corpo a ideia de isolar equipes médicas do convívio familiar, principalmente quem tem idosos e pessoas com comorbidades em casa.
Para acolher esses especialistas com conforto e segurança, os hotéis do Estado podem ser acionados. Empresários do trade dizem que o governo de Pernambuco já faz sondagens com hoteleiros para verificar a possibilidade de disponibilizar seis mil apartamentos. Segundo uma fonte que preferiu não se identificar, pelo menos dois mil quartos da Região Metropolitana do Recife (RMR) já foram mapeados para o acordo com a gestão estadual, em que a oferta de vagas seria feita a preço de custo.
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O presidente da seção local da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH-PE), Eduardo Cavalcanti, diz que a solicitação ainda não chegou oficialmente, mas que a “hotelaria está disposta a ajudar”. No entanto, ressalta, dificilmente será possível chegar a um valor único, uma vez que os empreendimentos “têm categorias distintas de serviços”. “O que podemos fazer é dar um desconto grande no preço da diária”, afirma Cavalcanti.
Além da contribuição social no enfrentamento ao novo coronavírus, a oferta de leitos para profissionais de saúde ajudaria as empresas, portanto, a arcar com despesas que já se tornam insustentáveis neste cenário de isolamento social.
REUNIÃO COM O GOVERNADOR PAULO CÂMARA
Cavalcanti conta que a situação da hotelaria foi apresentada em reunião por videoconferência às 11h deste domingo (29) entre o governador Paulo Câmara, pelo menos seis secretários de Estado e representantes de vários segmentos do setor produtivo, entre eles a própria ABIH-PE, a Associação de Hotéis de Porto de Galinhas (AHPG), Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), Federação das Indústrias do Estado de Pernambuco (Fiepe), Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de Pernambuco (Fecomércio-PE), Associação de Empresas do Mercado Imobiliário de Pernambuco (Ademi), Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon) e Federação da Agricultura do Estado de Pernambuco (Faepe).
Em todos os setores, o principal pleito diz respeito à isenção ou prorrogação de pagamento de impostos. Paulo Câmara disse aos participantes que, especialmente no que se refere ao ICMS, a questão será discutida em âmbito nacional na próxima sexta-feira (3), em outra reunião por videoconferência do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Fazenda (Consefaz).
De acordo com levantamento da ABIH-PE junto a 42 hotéis da RMR, cerca de 10% dos funcionários já foram demitidos, com possibilidade desse percentual aumentar para 20% a 25% em 15 dias, “caso as medidas anunciadas pelos governos federal e estadual não cheguem rapidamente à ponta da cadeia turística”. O número absoluto de trabalhadores demitidos não foi informado. Em Pernambuco, estima-se que a hotelaria gere 15 mil empregos diretos. Dos empreendimentos consultados, informa a ABIH-PE, 55% deram férias aos trabalhadores por 15 dias.
Questionado pela coluna sobre o possível acordo com o trade, o secretário de Turismo, Lazer e Esportes de Pernambuco, Rodrigo Novaes, confirmou sua participação na reunião do governo, mas limitou-se a dizer que “o Estado tem procurado alternativas variadas para contemplar todas as necessidades dos segmentos econômicos”.
“Estamos estudando várias medidas, inclusive aquelas utilizadas com êxito em outros países atingidos pela covid-19. A avaliação do governo ocorre dia após dia”declara Rodrigo Novaes
Itália, Reino Unido, Alemanha, Espanha e Portugal estão entre os países que já passaram a usar quartos de hotéis para abrigar equipes médicas e até pacientes. No Brasil, também há experiências semelhantes em São Paulo, Paraná, Rio Grande do Sul e Rio Grande do Norte.
Casado com uma médica intensivista (que atua em UTI), o cirurgião oncológico Steve Mendes dos Santos acredita que a ideia terá uma boa adesão. “Na nossa casa, temos criado uma rotina com medidas de precaução antes de termos contato com as nossas duas filhas (7 e 4 anos), mas não sabemos como será se um de nós se infectar. Também tenho amigos com pais idosos e crianças recém-nascidas que já estão buscando opções”, relata.
Tanto o secretário Rodrigo Novaes quanto hoteleiros descartam o uso dos hotéis para atendimento de pacientes com covid-19. No último dia 23/3, o trade sugeriu ao governo transformar a Arena de Pernambuco e o Centro de Convenções (Cecon-PE) em hospitais de campanha, mas uma posição oficial sobre a utilização dos equipamentos ainda não foi anunciada.
HOTÉIS JÁ OFERECEM PACOTES
Enquanto o acordo entre o governo e o trade hoteleiro não é anunciado oficialmente, alguns empreendimentos se adiantaram e já oferecem pacotes tanto para profissionais de saúde quanto para idosos que precisam se isolar do restante da família. É o caso do Park Hotel e do Hotel Jangadeiro, em Boa Viagem, além do Portal de Gravatá, no Agreste.
No Park Hotel (2122-4601/reservas@park.com.br), a campanha tem como mote “Cuidamos bem de quem cuida da gente”, com diárias para equipes médicas a partir de R$ 130 (por pessoa) + 5% de ISS. Inclui café da manhã, lavanderia para até três peças de roupa e estacionamento. “O foco é na área de saúde, mas qualquer profissional que segue trabalhando e precisa proteger a família pode vir”, destaca a diretora do Park Hotel, Carolina Oliveira, também proprietária do Recife Praia, que suspendeu as atividades.
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A hoteleira conta que o Park Hotel está operando com apenas 25 dos cerca de 100 funcionários. Ao restante, foram concedidas férias coletivas. Nenhum foi demitido. “Os que ficaram receberam treinamento e estamos sendo bem rigorosos com o protocolo de higienização. Até uma pia com água e sabão colocamos do lado de fora da recepção e optamos por manter trabalhando quem não está no grupo de risco, não tem idosos em casa, mora mais próximo do hotel e pode evitar o transporte público”, detalha, reafirmando a necessidade do isolamento social horizontal, apesar das perdas financeiras. “A experiência de outros países mostra que só assim se conseguiu reduzir a curva. Estamos fazendo a nossa parte”, diz Carolina, que já contava com 80% de reservas para abril antes da crise da covid-19.
No Hotel Jangadeiro (3086-5050), 40 apartamentos foram reservados para profissionais de saúde e 30 para idosos. Ambos os grupos ficam separados por um intervalo de dois andares e têm elevadores separados e exclusivos. As diárias custam R$ 160 (equipe médica, até duas pessoas) e R$ 150 (idosos, até dois hóspedes), com café da manhã. “Cortamos o valor pela metade. Não estamos pensando em lucro neste momento”, diz o diretor do Jangadeiro, Roberto Mattos, que precisou desligar 30% dos 65 funcionários e para quem a sobrevivência e custeio da operação são prioridades agora.
Segundo ele, o hotel ainda conta com 20% de ocupação de pessoas que não conseguiram deixar a cidade ou que precisam se hospedar por necessidade profissional. Também ali, antes da covid-19, vivia-se o melhor março dos últimos três anos. “Tínhamos quase 90% de ocupação no hotel e 70% dos salões reservados para eventos em março e abril.”
No caso do Portal de Gravatá (www.portaldegravata.com.br), o foco é nos idosos e famílias em busca de um ambiente mais amplo para cumprir o período de isolamento. As diárias custam a partir de R$ 90,50 por pessoa em apartamento quádruplo para um pacote de 7 dias, com café e atividades individuais. Para uma família de quatro pessoas, o valor total para uma semana, portanto, é de R$ 2.534. Já o pacote para duas pessoas por três dias custa R$ 1.353.
OUTROS HOTÉIS ABERTOS
Entre os hotéis que mantêm as operações em meio à pandemia, a maioria não pode mesmo fechar as portas por ainda contar com hóspedes, protegidos pelo Código de Defesa do Consumidor (CDC). Para outros, o encerramento das operações só ocorre conforme exigências de decretos estaduais e/ou municipais. É o caso do Grupo Nobile, que fechou a unidade de Petrolina (130 apartamentos), no Sertão, para cumprir determinação da prefeitura.
Já o Nobile Suíte Executive, em Boa Viagem, segue aberto. Com 144 apartamentos, o estabelecimento não revela a ocupação atual, mas diz que trabalha com o mínimo de colaboradores. A maioria teve o banco de horas ou as férias liberados, mas não houve demissões, segundo a diretora sênior de Operações do grupo, Renata Beraldo.
Em Porto de Galinhas, o Enotel Acqua Resort, um dos maiores empreendimentos hoteleiros do Estado, funciona com 60 hóspedes dos 367 de capacidade. A outra unidade do grupo, o Enotel Convention SPA, suspendeu a operação até junho, mas, segundo a diretora comercial, Regina Biondi, o fechamento temporário já estava previsto antes da crise da covid-19.
Dos 85% de ocupação que o Enotel projetava para março, diz Regina, o mês deve ser fechado, no máximo, com 58%. Para abril, maio e junho, a situação é semelhante: "A todo momento chegam pedidos de cancelamento e remarcações", afirma.
Sem informar o número total de trabalhadores, Regina confirma que já houve desligamentos e, como está sendo padrão na maioria dos hotéis, outra parte dos funcionários está de férias. "Fomos todos pegos de surpresa. É tudo muito novo. Ninguém esperava. Temos uma engrenagem muito grande e complexa. Enquanto a situação não se resolve, tentamos remarcar eventos e prospectar outros para o futuro", diz, sem arriscar fazer previsões.
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“Estamos estudando várias medidas, inclusive aquelas utilizadas com êxito em outros países atingidos pela covid-19. A avaliação do governo ocorre dia após dia”
declara Rodrigo Novaes
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