De máscara, sozinha entre 315 barracas vazias, Verônica Cordeiro, 48 anos, reunia as últimas sacolas com suas peças de renda antes de se recolher à casa, onde marido e filha já estavam de quarentena. Na manhã da última sexta-feira, refletia a imagem da desolação que tomou conta da Feira de Artesanato de Boa Viagem e de outros pontos do Recife, que nesta época normalmente ainda costumam estar cheios de turistas.
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Há 23 anos, Verônica tira das peças de renascença, bilro e filé “o dinheiro para comer todo dia”. Com o fechamento do comércio determinado pelo governo do Estado para combater o novo coronavírus, a artesã se diz “assustada”. “Não tinha reserva financeira, porque a gente já vinha de uma crise. Quando começava a melhorar, vamos perder o movimento da Semana Santa”, relata. Comida para a família, afirma, ainda há por 15 dias. “Agora é fazer renda e rezar pra sobreviver”, resigna-se, incrédula sobre os R$ 200 de benefício prometido pelo governo federal aos mais de 38,4 milhões de trabalhadores informais do País, a exemplo dela. “Vai dar para pagar o quê?”, questiona.
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No entorno do atrativo turístico, o Restaurante Ilha Sertaneja contava com menos de 20 dos mais de 100 clientes que geralmente recebe na hora do almoço. Agora, está definitivamente fechado. Entre os funcionários, os sinais de abatimento eram evidentes. “É muito ruim essa situação, de não poder trabalhar e não saber o que vai acontecer”, disse um dos garçons. O proprietário do estabelecimento e de outras cinco unidades no Recife, Severino de Lucena, garante que por enquanto vai manter todos os 300 funcionários da rede. “A maioria está com a gente há muito tempo. Em 38 anos, nunca fechamos. Ficamos tristes, mas acreditamos em uma solução”, declara.
Ali perto, em um hotel de médio porte (cerca de 500 leitos) da Rua dos Navegantes, o cenário era de despedida. Um ou outro turista saindo apressado para pegar o táxi e trabalhadores atônitos pelos cantos. A recepcionista, que preferiu não se identificar, revela que o estabelecimento estava apenas esperando os últimos hóspedes fazerem o check out para “fechar as portas”. “Já não se aceita reserva desde o início da semana e deram férias a alguns dos 50 funcionários. Estamos apreensivos sem saber o que será de nós.” Acionados, gerente e diretor do empreendimento preferiram não dar entrevista.
A situação é semelhante no Navegantes Praia. A coluna encontrou três dos 15 funcionários, já quase sem atividade, reunidos na recepção. Como todo mundo nesse contexto de pandemia, especulando sobre o futuro. Com 110 leitos, o hotel cancelou pedidos a fornecedores e também vai conceder férias coletivas a partir de 1o. de abril, além de operar com o mínimo necessário para honrar as últimas reservas. “Ano passado, fechamos no vermelho. Este seria o ano da recuperação com os feriados e eventos. Agora só Deus sabe”, diz a gerente administrativa Rosângela Martins, preocupada com a sustentabilidade do negócio e o destino dos profissionais.
TRABALHADOR PENALIZADO COM CORONAVÍRUS
Com toda razão. No setor que sofreu o impacto mais direto e imediato da crise desencadeada pela covid-19, os que estão na base da cadeia produtiva, sem renda nem perspectiva de recuperá-la no curto prazo, amargam as piores consequências. Trabalhadores informais, micro e pequenos empreendimentos e funcionários do turismo em geral, além das empresas de maior porte, ainda aguardam ações efetivas dos governos estadual e federal para saber como irão atravessar a quarentena.
No caso dos que estão na informalidade, o voucher de R$ 200 do governo federal só deve ser liberado no próximo mês para mais de 30 milhões de pessoas no País, segundo o presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães. O dinheiro poderá ser sacado apenas por quem não recebe outros benefícios, como Bolsa Família. Além do crédito em conta para quem é correntista ou tem poupança, o saque será feito em lotéricas, correspondentes bancários e agências, mediante apresentação de documento de identificação.
O governo de Pernambuco não anunciou nenhum programa assistencial semelhante. Na sexta-feira, disse que encaminhou carta ao governo federal pedindo ajuda, que inclui recursos para conceder um voucher mensal de R$ 400 a 1,8 milhão de informais no Estado.
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Para as pequenas empresas, que dominam 80% do setor de turismo no Estado, a proposta é uma linha de financiamento pré-aprovada, com juro zero, carência até 2020, com 24 meses para pagar e sem necessidade de garantia. Seria uma forma de garantir o fluxo de caixa dos negócios, contribuindo para a manutenção dos empregos. O último dado disponível da Agência Condepe-Fidem aponta 74,9 mil trabalhadores formais no turismo do Estado. Não há estatísticas sobre a quantidade de informais. Em 2018, o setor representava 3,9% do Produto Interno Bruto (PIB) de Pernambuco, cerca de R$ 7,12 bilhões (ainda não há dados analisados sobre a participação do turismo no PIB de 2019).
FUNGETUR
De concreto em termos de financiamento específico ao turismo, por enquanto, há somente a portaria do Ministério do Turismo (Mintur) flexibilizando as regras para acesso a R$ 381 milhões do Fundo Geral do Turismo (Fungetur) através das 17 instituições financeiras credenciadas. Recursos do fundo também foram disponibilizados no fim do ano passado, durante o desastre ambiental do derramamento de óleo na costa do Nordeste, mas o Mintur não informou quanto foi utilizado nem o número de empresas que o acionaram.
Desta vez, as medidas englobam redução de juros de 7% para 5%; ampliação de seis meses para um ano no tempo de carência para pagamento dos empréstimos e adiamento em seis meses para pagamento de contratos vigentes para quem está adimplente.
Em Pernambuco, entidades de classe como a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH), Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav) e Associação Brasileira de Empresas de Eventos (Abeoc) cobram atendimento das demandas apresentadas às secretarias de Turismo municipal e estadual na última semana, principalmente no que se refere ao adiamento do pagamento de impostos, o que o governador Paulo Câmara já sinalizou que não ocorrerá.
Os empresários citam medidas adotadas por outros Estados do Nordeste, como Alagoas, onde haverá suspensão por 90 dias de todos os prazos processuais e cumprimento de obrigações tributárias junto à Secretaria da Fazenda e prorrogação do pagamento do Simples, além de oferta de crédito para capital de giro, entre outras providências.
Cada Estado faz o que está ao seu alcance. Não podemos abrir mão de receita num momento em que precisamos de recursos para a saúde. Mas ainda estamos na expectativa de outras medidas que aliviem o trade<aspas>diz o secretário de Turismo de Pernambuco, Rodrigo Novaes.
Nesta segunda-feira (23), representantes do setor se reunirão às 15h com o secretário de Finanças do Estado, Décio Padilha. As esperanças de uma saída satisfatória para o paradoxo saúde X economia, no entanto, são mínimas.
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Viaje por Porto de Galinhas sem sair de casa:
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Cada Estado faz o que está ao seu alcance. Não podemos abrir mão de receita num momento em que precisamos de recursos para a saúde. Mas ainda estamos na expectativa de outras medidas que aliviem o trade"
diz o secretário de Turismo de Pernambuco, Rodrigo Novaes.
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