Imagina abrir a porta e se deparar com câmeras apontadas para dentro de casa. Ou ter que se espremer em meio a uma multidão para chegar à padaria. Não poder relaxar em silêncio no banco da praça nem na areia da praia. Em casos extremos, ser obrigado a deixar a própria cidade por causa do preço exorbitante do aluguel e da escalada do custo de vida. Por essas e outras situações-limite, em alguns dos mais famosos destinos turísticos do mundo, os moradores não querem voltar ao “normal”.
São lugares onde, ironicamente, o período de quarentena deu um respiro aos habitantes, sufocados pelo overturismo.
Barcelona, Lisboa, Berlim, Madri, Amsterdã e Dubrovnik estão entre os locais que sofrem com o problema, mas Veneza é o exemplo mais emblemático de uma cidade praticamente transformada em “museu para turista ver”. Um processo de desumanização nada positivo.
Em 70 anos, o destino viu a população minguar a menos de um terço (de 175 mil para 51 mil pessoas), enquanto a média anual de visitantes extrapola os 30 milhões. A maioria trazidos por grandes cruzeiros para passeios de apenas algumas horas, que quase não deixam recursos na cidade, mas são suficientes para superlotar as vielas estreitas, poluir os canais e danificar as já fragilizadas fundações dos edifícios locais.
Tudo o que os moradores não querem mais depois de experimentar a paz imposta pela pandemia. Mesmo quem nunca foi à Veneza se impressionou com as imagens das águas límpidas e do ressurgimento da vida marinha que correram o mundo.
Com a perspectiva da reabertura aos turistas estrangeiros, manifestantes foram às ruas. Ao longo do cais, fizeram um cordão humano com cartazes em que se liam os slogans “Não aos grandes navios” e “Veneza não se come”.
É o apelo contra a massificação e por um modelo mais equilibrado de turismo, como o que deseja a funcionária pública Giulia Vianello.
"Veneza durante esses meses de emergência da covid-19 me fez tremer e sonhar. Senti medo de contágio, em uma cidade que, devido à sua arquitetura sinuosa, força as pessoas a se tocarem continuamente. Mas o lockdown também me fez acariciar o sonho de morar em uma cidade adequada para os habitantes. Andar pelas ruas silenciosas, observar o Grand Canal lisinho, caminhar em uma praça semideserta de San Marco foi um prazer que levarei em meu coração”, resume a veneziana, na esperança de um “renascimento” que possibilite a convivência harmoniosa com os visitantes, sem comprometer o bem-estar dos moradores.