História, culinária e afeto: icônico Hotel Central do Recife sobrevive à pandemia e amplia serviços

Antiga chef de cozinha do empreendimento e dona do restaurante que funciona no térreo, Rosa Nascimento assume a operação com planos de atrair moradores, além de implantar espaço para eventos, café e salão de beleza com spa
Mona Lisa Dourado
Publicado em 13/07/2020 às 12:13
Prédio de cor salmão, estilo eclético e arquitetura classicista (greco-romana) chama atenção de quem anda pela Boa Vista Foto: YACY RIBEIRO/JC IMAGEM


A luta do Hotel Central para permanecer por mais de nove décadas na paisagem do bairro da Boa Vista se confunde com a história de vida de Rosa Maria da Silva Nascimento, 55 anos. São ambas trajetórias de resistência, que voltam a se cruzar na esquina da Avenida Manoel Borba com a Rua Gervásio Pires, em benefício do patrimônio, da memória e da hospitalidade recifenses.

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Quando Rosa, ainda menina, brincava nos longos corredores daquele que já foi o prédio mais alto da cidade, nunca imaginou que um dia seria a responsável pela sua sobrevivência. Em plena pandemia, é o desafio que assume para não deixar o mais antigo hotel em operação na capital pernambucana fechar as portas de vez.

YACY RIBEIRO/JC IMAGEM - De cozinheira a gestora, Rosa tem muitos planos para o futuro do Hotel Central

A relação afetiva com o Central foi herdada da mãe, chamada de Dona Miúda, que trabalhou toda a vida ali como camareira, assim como as duas irmãs de Rosa. Ela seguiu os mesmos passos por um período, mas logo foi atraída pelas panelas e condimentos, que aprendeu a manejar com o pai, Manoel Lourenço, no sítio onde a família morava na zona rural de Ouro Preto, em Olinda.

YACY RIBEIRO/JC IMAGEM - Hotel guarda resquícios dos tempos em que foi o mais luxuoso da cidade

Não demorou para passar a comandar a cozinha do hotel, onde ficou por 15 anos até trocar o emprego fixo pelo sonho de montar seu primeiro negócio. “Mais de uma década depois, fui chamada para voltar com um restaurante meu e, agora, para administrar a estrutura completa. Me sinto honrada com a confiança dos donos, que me entregaram tudo regularizado. É uma emoção muito grande poder estar à frente de uma nova fase e permitir que esse lugar continue de pé”, diz a gestora, que apresenta com orgulho cada metro quadrado do Central como se fosse a sua casa.

MONA LISA DOURADO/JC - Além de receber turistas, nova gestão quer atrair moradores. Mensalidade custa a partir de R$ 1.200, incluindo serviço de limpeza, roupa de cama, internet e café da manhã

Cozinheira de mão cheia e empreendedora por intuição, desde 2017, ela já movimentava o térreo do edifício com o Tempero da Rosa. Mas veio a covid-19 e o restaurante de comida tradicional pernambucana precisou adaptar-se para continuar atendendo o público que lotava o salão, ávido por uma galinha à cabidela, um pirão de chambaril ou uma charque desfiada crocante.

Para sua surpresa, o delivery deu tão certo que possibilitou o respiro financeiro necessário à nova empreitada. “Ao menos consegui equilibrar todas as contas. Próximo passo é ir em busca de financiamento para investir nas melhorias”, diz.

YACY RIBEIRO/JC IMAGEM - Charque desfiada crocante é um dos carros-chefe do Tempero da Rosa, que funciona no térreo

Entre elas, Rosa planeja um espaço para eventos e um salão de beleza com spa, além de um café para promover intercâmbios artísticos.

Outra ideia, já em execução, é transformar o hotel em local de moradia. Uma forma de diversificar as receitas neste momento de baixa ocupação de turistas. A mensalidade custa entre R$ 1.200 e R$ 3.000 (com adicional de 30% para duas pessoas), a depender do tamanho do quarto, e incluem serviço de limpeza, roupa de cama, internet wi-fi e um café da manhã apreciado pela fartura. Já as diárias saem a partir de R$ 65.

YACY RIBEIRO/JC IMAGEM - Quartos são bem iluminados e arejados. Alguns contam com balcão para espiar a vida lá fora

Os cômodos são simples, com mobiliário e equipamentos antigos, mas muito limpos e bem cuidados. Destaque para os charmosos janelões, que garantem iluminação e ventilação naturais e ainda permitem espiar a vida lá fora. Outro ponto importante: os banheiros, em geral, são bastante espaçosos. Alguns conservam, em bom estado, até pias e vasos sanitários importados da Alemanha.

YACY RIBEIRO/JC IMAGEM - Quartos contam com mobiliário simples, mas muito bem cuidados e limpos

São alguns dos poucos resquícios do luxo de outrora, ao menos nas suítes, que já hospedaram gente famosa, como a multiartista Carmem Miranda, o cineasta norte-americano Orson Welles e o então presidente da República, Getúlio Vargas. Conta-se que os tripulantes do dirigível alemão Graf Zeppelin eram outros dos hóspedes frequentes.

MONA LISA DOURADO/JC - Hall ainda guarda mobiliário da década de 20

Na recepção e no salão principal, restam ainda móveis em madeira nobre de jacarandá e um pequeno museu que guarda objetos de época, como a central telefônica manual.

YACY RIBEIRO/JC IMAGEM - Com oito andares e 35,7 metros de altura, Hotel Central inaugurou a era dos arranha-céus no Recife

UM LEGADO DE PIONEIRISMO

Inaugurado em 31 de outubro de 1928, o Hotel Central foi, por muitas razões, um marco para o Recife. O reconhecimento oficial desse legado, no entanto, só ocorreu no fim de 2018, com o tombamento pelo governo do Estado, que viabilizou a revitalização da fachada. Até hoje, o prédio de cor salmão, estilo eclético e arquitetura classicista (greco-romana) chama atenção de quem anda pela Boa Vista. Pouca gente imagina é que ele deu início à verticalização da cidade, contribuindo definitivamente para a mudança da paisagem da capital pernambucana.

MONA LISA DOURADO/JC - Hotel Central foi inaugurado em 1928

Com oito andares e 35,7 metros de altura, inaugurou a era dos arranha-céus. Até então, os poucos edifícios tinham, no máximo, quatro pavimentos. A mudança de patamar só foi possível devido a uma inovação trazida dos Estados Unidos: o elevador de manivela, primeiro da cidade e ainda em operação no hotel, que logo ganhou também uma moderna versão panorâmica.

YACY RIBEIRO/JC IMAGEM - Hotel Central implantou o primeiro elevador panorâmico da cidade

A tecnologia e a sofisticação conferiram ao Central outro pioneirismo, de redefinir o padrão da hotelaria em Pernambuco. Em 2 mil m² de área construída, abrigava 80 quartos e seis suítes superiores, além de barbearia, perfumaria e um salão para senhoras.

YACY RIBEIRO/JC IMAGEM - Terraço da cobertura abrigava as mais disputadas festas de réveillon do Recife nos anos 30

Contava, ainda, com um badalado restaurante aberto ao público no sétimo piso, que até meados da década de 70 sediava os principais eventos sociais, casamentos e bailes da alta sociedade recifense. A noite começava à mesa, mas não terminava sem um último drinque no terraço da cobertura, com uma visão da cidade que alcança o cais. Ali ocorria a queima de fogos que iluminava os céus do Recife em disputadas festas de réveillon. É dali hoje que Rosa vislumbra um futuro onde o luxo está no afeto e na simplicidade.

Serviço: 3039-7733 / 985337384

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