Até um livro chegar às prateleiras da livraria – ou, em tempos de pandemia, mais provavelmente ao formato final do e-book –, muitas etapas foram necessárias, durante meses. Leitores mais curiosos já devem ter se perguntado quantos profissionais são envolvidos na produção de um livro e, provavelmente, já devem ter procurado por diversas vezes os nomes listados comumente nas páginas iniciais de um exemplar.
As funções – design da capa, preparação, revisão – costumam se repetir, enquanto os nomes dos editores normalmente são citados nos agradecimentos dos autores. No caso de livros estrangeiros, existe outro profissional indispensável e este aí costuma ser nomeado com destaque, logo na folha de rosto: o tradutor.
Hoje é celebrado o Dia Mundial do Livro e sem os tradutores seria impossível que brasileiros pudessem se encantar tanto com as mais clássicas obras da literatura mundial quanto com os lançamentos contemporâneos. Traduzir é muito mais do que transcrever uma história para o português, é também saber interpretar as particularidades da outra língua, ter um conhecimento agudo das expressões locais, entender as sutilezas do tom utilizado e conseguir reescrever sem interferir nas escolhas originais.
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Ser tradutor seria então estar na linha tênue entre leitor e escritor? Para Caetano W. Galindo, Regiane Winarksi e Eric Nepomuceno, que atuam há anos traduzindo, respectivamente, obras de James Joyce, Stephen King e Gabriel García Marquez (entre muitos outros), de certa forma, sim.
A comparação da atividade da tradução literária com o campo da música é usada tanto por Caetano quanto por Eric, ambos também autores de seus próprios livros. “É como música, pois tem que ter pausas, silêncios, harmonia”, pontua Nepomuceno, que há décadas trabalha com livros de escritores latino-americanos, dentre os quais o mestre García Marquez, de quem foi amigo pessoal.
É de Eric, por exemplo, as edições nacionais dos clássicos Cem Anos de Solidão, O Amor nos Tempos do Cólera e Doze Contos Peregrinos, publicados no Brasil pela editora Record. “A tradução é como um triângulo amoroso em que todos os lados precisam ser fiéis. Eu tenho que ser fiel ao meu idioma, ao idioma do original e também tenho que ter fidelidade ao próprio autor. Então, traduzir é encontrar esse ponto de equilíbrio muito delicado e ao mesmo tempo muito atraente”, explica.
Para Caetano W. Galindo, sua atuação se assemelha à de um intérprete de música clássica. “É ser alguém que lê um original, partitura ou texto, que está escrito num código que um determinado público alvo não compreende, e fornecer uma nova versão desse original. Então, você é um leitor com grande responsabilidade, tem que tomar muito cuidado pra não marcar demais as tuas escolhas, não personalizar demais, porque ninguém está ali pra ouvir/ler você. O paradoxo, no entanto, é que essas pessoas só podem ‘ler’ esse original através de você. Daí a seriedade da tarefa”, pontua.
“O que é interessante, também, são casos de adaptação contemporânea. Como quando um romance publicado ano passado usa o nome de um desodorante preferido para dar uma dica sobre o tipo de pessoa que tal personagem é. E se você não tem aquele desodorante no Brasil, muitas vezes é mais jogo trocar o produto pra manter a caracterização.”
Traduzir obras clássicas é bem diferente de trabalhar com livros atuais, da mesma maneira que se dedicar à poesia costuma ser mais complexo do que os livros de prosa. Regiane Winarksi também tem grande experiência nas duas vertentes. Muito conhecida por dar vida, no Brasil, pela Companhia das Letras, aos personagens do mestre do terror Stephen King – de quem é leitora assídua desde a adolescência –, recentemente ela se dedicou ao projeto poético do aclamado Eu Sei Por Que o Pássaro Canta na Gaiola, da norte-americana Maya Angelou.
“Com a poesia existe uma preocupação bem maior com a forma, além do conteúdo simplesmente. É preciso prestar atenção nas rimas (quando há) e tomar cuidado para não haver um afastamento grande demais do original. É bastante trabalhoso. Além do mais, a poesia trabalha mais com sensações e o tradutor precisa tentar usar sua sensibilidade para preservá-las”, afirma. “Traduzir é assim, pequenas aventuras a cada página.”
Eric, Caetano, Regiane e tantos outros tradutores literários brasileiros se dedicam por anos e décadas na pesquisa da obra de um determinado autor e das nuances das línguas estrangeiras. Traduzir também é se permitir ser outra pessoa, mesmo que de maneira muito introspectiva, no silêncio, em frente ao computador. Para todos eles, uma característica fundamental é ser curioso para desvendar hábitos, culturas e, claro, novas palavras.