Artistas visuais pernambucanos analisam influência da pandemia em suas produções

Modos de fazer e temas que atravessam as obras têm reflexo direto do momento histórico
Márcio Bastos
Publicado em 17/06/2020 às 9:08
Seja na explosão de cores ou em tons mais sóbrios, diferentes sensações causadas pelo momento social têm permeado as produções dos artistas visuais Foto: DIVULGAÇÃO


As transformações na dinâmica social provocadas pelo novo coronavírus têm atravessado a produção de artistas de todas as linguagens, com o surgimento de obras direta ou indiretamente influenciadas pela epidemia. Nas artes visuais, artistas têm refletido essas questões de forma individual e/ou coletiva, buscando entender, através de seus trabalhos, o estado do mundo e as repercussões desse momento histórico nos âmbitos coletivos e individuais.  

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Com uma produção muito ligada à rua, Manoel Quitério conta que a eclosão da pandemia lhe provocou um choque e colocou em suspenso alguns projetos pensados para o espaço público. No isolamento social, o artista voltou a dar atenção a um lado de sua obra que estava em segundo plano diante da rotina frenética, como a pesquisa e a pintura a óleo.

 
 
 
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"Para mim, é um momento de recolhimento e reflexão. Tenho pesquisado muito e voltado a vários temas do início da minha carreira, como a fronteira entre realidade e fantasia, o mundo de dentro versos o mundo de fora", diz o artista. "Tenho pesquisado também muito os símbolos, as religiões brasileiras, cabala, tarô etc. Acho que é um momento de revisão de rituais - inclusive os cotidianos, como uma simples saída ao supermercado, por exemplo."

MARIANA MEDEIROS/DIVULGAÇÃO - Manoel Quitério tem aprofundado suas pesquisas em temas como o tarô, a cabala e as religiões brasileiras, durante a pandemia

Em suas redes sociais, Manoel Quitério tem compartilhado alguns trabalhos, entre eles produções que abordam a dinâmica da vida durante a pandemia, com retratos do isolamento e sentimentos de saudade, esperança e de solidariedade. Ele conta também que tem voltado a prestar maior atenção aos seus sonhos e aos seus significados.

O processo de investigação do subconsciente também tem sido tema do artista Gabriel Furmiga na série Aprendendo a Ler Sonhos. Ele conta que passou a explorar a pintura com mais avidez desde o final do ano passado, já que, anteriormente, sua produção estava ligada ao desenho. Com a pandemia, estocou várias telas e, em um primeiro momento, produziu freneticamente.

"O processo foi começando a se moldar de forma diferente. Eu tenho o hábito de andar com um caderno na bolsa e sempre vou anotando, desenhando coisas enquanto estou no processo de pegar ônibus, trabalhar, ir para a faculdade. Era um processo de absorver essas inspirações que falavam da minha relação com o espaço e as pessoas - e agora tudo isso mudou, com um ambiente totalmente individual", reflete.

DIVULGAÇÃO - Gabriel Furmiga observa as redes sociais como ferramentas para fortalecer o mercado de arte e consolidar parcerias

Furmiga observa seus trabalhos agora ligados a questões afloradas por esse cenário de isolamento. Ele percebe uma quebra na linha do tempo como costumava-se enxergar, entendendo que alguns hábitos ficaram no passado e entendendo o presente como um momento de incerteza. O futuro, enquanto incógnita, suscita também ideias e possibilidades de transformação. 

Ele pontua ainda que a impossibilidade de realizar ações prosaicas, como ir a uma loja comprar tintas - e a partir desse ritual, também exercitar ideias para possíveis obras - alteram a forma de produção, também mediada pelas relações online.

CORES

DIVULGAÇÃO - Antonio Mendes mudou a dinâmica de produção e observa seus trabalhos com a paleta mais reduzida durante a pandemia

A singularidade deste momento histórico e as diferentes formas como ele afeta cada indivíduo pode ser percebida nesta pluralidade de sensações evocadas. O pintor Antonio Mendes, por exemplo, tem percebido uma redução na paleta de cores em sua obra, o que, na sua opinião, não quer dizer que os temas ficaram necessariamente mais sombrios, mas que as temáticas receberam influências do momento difícil que o Brasil atravessa em relação à saúde e à política. 

 
 
 
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Desafio #ATUALIZANDOARTE Diante da pandemia que estamos passando eu apoio o isolamento social e uso da ma?scara em caso de exposic?a?o pu?blica para minimizar a possibilidade de conta?gio por #coronavirus No?s, artistas somos solida?rios com os profissionais da sau?de que esta?o na linha de frente correndo perido para salvar vidas. Convido 3 artistas para fazer a intervenc?a?o em uma obra de sua autoria e publicar as duas verso?es no pro?prio feed marcando o @spot.art Escolho os artistas: @brunasarga @arine.lyra @arte_heron #spotart #atualizandoarte #medicos #enfermeiros #profissionaisdasaude #covid19 #coronavirus #ficaemcasa #stayhome #arte #saude #saudepe #saudeba #saudeal #saudesp #sauderj #saudemg #saudepb #saudepi #saude

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Modelo 1.20 x 1.20 #antonio_mendes_pinturas #designdeinteriores #arquitetospe #arquiteturadeinterioresedecoração

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"São também reflexões existenciais e políticas que vêm a reboque em um momento (de crise) como esse. A gente está passando um período político extremamente difícil ao meu ver, com ideias bastante obscuras renascendo e ganhando força com uma parcela da população e isso preocupa", aponta. "Ao mesmo tempo, como tenho obsessão pela busca de luz - comecei pintando paisagens e até hoje me considero um paisagista - no sentido subjetivo, simbólico. Mesmo com a paleta mais fria, a luz se faz presente, como uma perspectiva que não me abandona."

DIVULGAÇÃO - Ana Veloso viu seu trabalho ser permeado pela profusão de cores, em contraste aos sentimentos sombrios evocados pela crise sanitária

Já a artista visual Ana Veloso, que habitualmente não trabalha com muitas cores, se viu reagindo às angústias da pandemia com a expansão da paleta. Trabalhando no interior durante a quarentena, ela tem produzido com intensidade, a exemplo de uma série em que trabalha com raízes como suportes que, ao seu olhar, se confundiam com neurônios.

DIVULGAÇÃO - Ana Veloso tem trabalhado formas que evocam raízes e neurônios, buscando respostas para os acontecimentos da atualidade

"Creio que os meus estejam inquietos buscando resposta para o tempo que estamos passando.  Para romper a angústia que estava em preto e branco, replicando as formas rasgadas das raízes, abri a paleta de cores e fiz a festa invertendo os sentimentos produzido pelos tempos em luz e alegria. Nesses 3 meses a produção de encontra com 23 mini quadros, seis médios, dois painéis e 12 objetos", conta. 

 
 
 
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Contando o tempo, sem me dar conta dele, busco formas no vazio. #anavelosoart #artepernambucana #galeriasdeartes #blogedgardhomem #artecontemporaneabrasileira

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Me contorcendo nas formas eu busco caminhos e oxorciso a dor com a cor.

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FUTUROS

Para a educadora e curadora Ariana Nuala, o momento é de reflexão diante do cenário que se apresenta para as artes visuais, com os espaços culturais fechados e os editais (muitos deles adiados) precisando se adaptar aos novos modelos de produção e compartilhamento. Ela integra o coletivo Carne, que está presente na plataforma online Echo, criada para promover articulação a nível nacional durante a pandemia. 

"Estamos tentando entender o que a gente vai fazer agora. Somos um coletivo muito marcado pela presença nas ações formativas e às vezes a relação do corpo é muito importante. A presença do corpo racializado negro, muitas vezes ausentes e apagados dos espaços, é muito importante, por exemplo", aponta. 

DIVULGAÇÃO - Curadora e pesquisadora Ariana Nuala aponta que artistas estão se questionando como se adaptar ao cenário imposto pelo coronavírus

Coordenadora do educativo do museu Murillo La Greca, ela enfatiza que os equipamentos culturais estão tentando entender como será o mundo pós-pandêmico, mas que o colapso da área não é uma novidade para quem já se atentava para os desmontes e as faltas de estrutura anteriores ao coronavírus. 

"Também é preciso entender outras formas de agenciar a produção online. Não é só live ou vídeo. Precisamos ver o suporte que é a tecnologia da internet e perceber a rede como um espaço de autonomia", afirma Ariana.

Nesse sentido, os entrevistados enxergam as redes sociais como um mecanismo potente para articulação de redes de colaboração, assim como de exposição e divulgação dos trabalhos. Gabriel Furmiga diz sentir uma maior conscientização quanto à importância de apoiar os artistas locais, e de adquirir obras, em alguns casos até de forma antecipada, com a emissão de vouchers para serem trocados por trabalhos após a pandemia, e fomentar o mercado.

 

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