Setor literário se opõe à proposta de lei do Ministério da Economia. Entenda o projeto e como sua aprovação irá repercutir no valor do livro

Tramita no Congresso uma projeto de lei defendido por Paulo Guedes que propõe uma alíquota de 12% no livro, entre outros bens. Escritores, editores, livreiros e outros agentes do setor se manifestam contra. Entenda os porquês:
Valentine Herold
Publicado em 22/08/2020 às 11:00
A 4ª Bienal Brasil do Livro e da Leitura começa neste sábado (18) e vai até 26 de agosto, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília. Foto: MARCELO CAMARGO/AGÊNCIA BRASIL


É fato que 2020 não tem sido um ano fácil para a cultura brasileira e, consequentemente, para o setor literário. Saídas polêmicas nas curadorias do Prêmio Jabuti e da Flip, exonerações na Fundação Casa de Rui Barbosa, perdas de grandes autores (como Rubem Fonseca e Luiz Alfredo Garcia-Roza), cancelamento de muitos eventos e adiamento de lançamentos devido à pandemia do Coronavírus, sem falar nos meses em que livrarias e sebos precisam permanecer fechados, acarretando na queda das vendas de livros. O setor mal teve tempo de retomar o fôlego no último mês de julho e já precisou enfrentar mais uma ameaça: a da volta da taxação do livro.

No início deste mês chegou ao conhecimento de agentes literário que a primeira parte do projeto de reforma tributária proposto pelo Ministério da Economia poderá atingir brutalmente o setor. Liderado por Paulo Guedes, o projeto propõe unificar o Programa de Integração Social (Pis) e a Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins) e um único tributo chamado de Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS). Acontece que o livro se encontra no rol desses bens e, caso o projeto seja aprovado, passaria a ser taxado com uma alíquota de 12%.

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Logo oito entidades - dentre elas a Câmara Brasileira do Livro e o Sindicato dos Nacional dos Editores de Livros - lançaram o manifesto Em Defesa do Livro, seguido do abaixo-assinado virtual Defenda o Livro, que ganhou o apoio da maioria das editoras nacionais e que, até ontem, estava chegando a 1 milhão de assinaturas.

Para o presidente da União Brasileira de Escritores (UBE), Ricardo Ramos Filho, esta alíquota pode acarretar em um aumento de 25 a 30% no preço final do livro. "Recebemos essa notícia com muita preocupação. Num país em que a média anual por habitante é de dois livros lidos, sabemos que qualquer aumento é um obstáculo imenso. Vai contra qualquer movimento de popularizar a leitura", relata.

A justificativa do ministro Paulo Guedes também vem gerando muitos debates. Segundo ele, é necessário taxar o livro por este já ser um artigo voltado para a classe mais abastada. "Qualquer governo que se preocupa de fato com o povo faria o movimento contrário, armaria políticas públicas para baixar os preços dos livros. O ministro disse que fazer doações para as pessoas pobres. Mas que livros serão esses? Vai impor os títulos? Também pode ser perigoso esse tipo de imposição", pontua Ricardo.

Lucio Pompeu, diretor administrativo e financeiro da Ediouro Publicações (grupo responsável pelas editoras Nova Fronteira e Agir, entre outras), também aponta para a incongruência da análise ministerial e lamenta a tentativa de elitizar a leitura. "Queremos que o livro seja um produto cada vez mais acessível e massificado. Esse projeto trata o livro como artigo de luxo, chocou bastante nosso mercado. Se o projeto for aprovado vai alterar bastante nossa estrutura de custo. O mercado livreiro é complexo, envolve autores, revisores, gráficos, distribuidoras, livreiros."

Histórico

A peleja do mercado literário com o sistema tributário não é recente. Em 1946, Jorge Amado liderou as discussões que culminaram na isenção de impostos para o papel utilizado na impressão de livros, jornais e revistas prevista na Constituição Democrática. Especialistas apontam que este medida possibilitou a criação de bibliotecas públicas em todo o País, democratizando assim o acesso à leitura.

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Em 1967, esta imunidade foi ampliada para o próprio objeto livro e, em 1988, a Constituição reiterou essa jurisprudência. O caso mais recente data de 2004, quando uma lei reduziu a zero a alíquota do Pis e da Cofins nas vendas de livros.

O editor da Companhia Editora de Pernambuco, Diogo Guedes, ressalta que incluir o livro nessa proposta de reforma tributária é um "golpe de tortura e não de misericórdia se avaliarmos o contexto de 2020", ao se referir às dificuldades financeiras que muitas livrarias e editoras vêm tendo.

"É também irônico pensar que este projeto de taxação vem em um momento em que a produção cultural se mostrou mais uma vez necessária para todos que cumpriram a quarentena. Se não fosse pelos livros, filmes, lives, séries, teríamos enfrentado o período de confinamento com mais dificuldade. Ao mesmo tempo estamos vendo essas áreas com uma enorme fragilidade devido à diminuição de políticas públicas. Temos que fortalecer a cadeia do livro. A tentativa de taxação e, portanto, do aumento no valor do livro é uma aberração."

Preço do livro

A proposta do Ministério da Economia foi uma surpresa para muitos leitores que sequer sabiam da isenção. Nas redes sociais, muitos apontaram para o já elevado preço dos livros, sejam eles nacionais ou traduzidos, e que este fato, por si só, já é um obstáculo para muitos brasileiros que desejam intensificar suas leituras.

Tanto Ricardo Ramos Filho, presidente da UBE, quanto Lucio Pompeu, diretor administrativo e financeiro da Ediouro Publicações, e Diogo Guedes, editor da Cepe, concordam que o livro não é um produto cultural barato, mas reforçam que é preciso atentar-se para a complexidade da rede. O preço de capa - isto é, o valor que o consumidor irá pagar - é calculado pelas editoras levando em conta todas as etapas de fabricação de um livro.

"O livro é sempre assinado por um autor, mas enquanto objeto ele é uma obra coletiva. A complexidade varia muito dependendo do tipo de livro. Por exemplo: um manuscrito histórico vai demandar a contratação de uma pessoa que faça a revisão histórica enquanto outro livro demanda apenas uma revisão gramatical. Títulos internacionais precisam de tradutores, alguns livros têm imagens etc...", explica Diogo Guedes.

Quem são, então, os agentes e as etapas envolvidas e de que forma o valor de capa é repartido entre as partes?

- Cerca de 10% é destinado para o autor. Este valor pode variar, mas é uma média nacional;

- O custo da produção gráfica (revisão, impressão etc...) costuma girar em torno de 15% do valor de capa;

- Aproximadamente 50% do valor vai para os pontos de venda;

- As despesas administrativas das editoras podem ser calculadas em média com 15% do preço do livro;

- Ainda resta 10% entre o lucro da editora e outros custos adicionais que sempre surgem.

"A expectativa das editoras é que possamos sempre ter livros com tiragens grandes para que certos custos, como de papel, sejam diluídos no preço final. Mas sabemos que nem todos os títulos são best-sellers. O impacto de 12% nessa estrutura resultaria, portanto, em um aumento significativo no preço de capa. Pois os custos vão se acumulando na cadeia, da gráfica à livraria", explica Lucio Pompeu.

"A questão tributária no mercado literário não é de hoje e todas as conquistas têm surtado efeitos positivos. Até a imunidade para livros eletrônicos, que ainda representam uma parcela pequena do mercado é importante. Então precisamos continuar nesse caminho da popularização do livro, não o inverso."

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