Documentarista pernambucano discute redes sociais e eleições de 2018 em filme

'Fora da Bolha' é dirigido por Marcelo Luna e reúne especialistas de áreas que vão da sociologia ao marketing político para analisarem as eleições de 2018
Rostand Tiago
Publicado em 11/09/2020 às 11:27
O ESCRITOR E ANTROPÓLOGO ANTÔNIO RISÉRIO É UMA DAS VOZES DO DOCUMENTÁRIO 'FORA DA BOLHA' Foto: REPRODUÇÃO


Entre o primeiro e o segundo turno das eleições presidenciais de 2018, os 46% que obteve Jair Bolsonaro, sufocando nomes tradicionais como Marina Silva e Geraldo Alckmin, deixou algumas pessoas estupefatas, incluindo o diretor pernambucano Marcelo Luna. Ao sair da casa de amigos, onde assistiu a apuração, e chegar em casa, estava tão atônito que esqueceu sua bicicleta na rua, que foi roubada naquela madrugada. Foi-se a bike, mas chegaram as primeiras ideias que culminariam no documentário Fora da Bolha, disponível para aluguel no Vimeo. O projeto é guiado pelas falas de especialistas em áreas que passam pelos campos da sociologia, economia, comunicação, ciência política, psicanálise e marketing político, construindo um mosaico que tenta elucidar algumas questões sobre o que circundava aquela eleição dona de uma virada de chave na relação entre política e redes sociais.

Com 30 anos de experiência em documentário, o primeiro trabalho de Luna, batizado de A TV e o Voto, já se debruçava nessa relação entre meios de comunicação e cenário eleitoral, lá investigando a disputa Lula-Collor em 1989. A relação tecnologia e política eleitoreira é explicitada já nos primeiros minutos de Fora da Bolha, com uma explanação sobre os impactos do microfone, rádio e cinema nos rumos políticos do mundo, sobretudo com a ascensão do nazifascismo na Alemanha e Itália. Para 2018, as redes sociais, em especial o Whatsapp, carregam um colapso e uma redefinição dos processos democráticos nessa fala de abertura, que é acompanhada, assim como boa parte do filme, por imagens que vão de memes de ataque político às tradicionais peças de campanha televisiva para ilustrar esses novos rumos.

“Antes do segundo turno, comecei a receber muitas mensagens de campanha, em especial as de Fernando Haddad e decidi ir guardando esse material. Comecei a pedir que amigos e familiares me encaminhassem tudo que recebessem nesse sentido, também pedia para algumas pessoas quando saía pra rua, juntando centenas de materiais e saindo desse escopo de conhecidos. Também comecei a fazer a pesquisa e queria contar essa história, não me preocupava muito com a linguagem cinematográfica em si, mas em ouvir essas pessoas e articular esse momento”, relata Marcelo, em entrevista por telefone.

Vozes

Mesmo tendo uma certa centralidade, o cenário apresentado pelos dez entrevistados não se resumem as mudanças impostas pelas redes sociais no jogo político. A discussão passa pelo esgotamento de um certo tipo de marketing político, um panorama econômico que se desenhava nos anos anteriores à 2018, a crise político-institucional, o sentimento de esgotamento em relação à política consolidada e o vácuo aberto para ditos outsiders.

"As redes sociais acabam banalizando tudo, todo mundo é economista, cientista político, jornalista e tudo bem, eles têm esse direito, mas acaba sendo uma torre de Babel. Eu queria ouvir vozes diferentes e inteligentes, mas que normalmente não são muito ouvidas. Comecei pesquisando e conversando com uma pessoa que me indicou outra, além de umas que eu já conhecia, construindo essa visão que não olhava apenas para o retrovisor, mas também foram provocadas para olhar o futuro", explica Marcelo.

Estão presentes nomes como o escritor e antropólogo Antônio Risério, o professor e ensaísta João Cezar de Castro Rocha, a consultora política Cila Schulman, o sociólogo Josias de Paula e a psicanalista Débora Abramant, que tem seus discursos costurados ao volumoso material de arquivo reunido por Marcelo. Ele mesmo assume a montagem, com uma longeva experiência na área, para fazer construir esses eixos de discussões e ilustrações. O filme é produzido de maneira independente e colaborativa, o que garantia uma grande liberdade para Luna dar os rumos que queria para as entrevistas feitas e abraçando um estilo convencional e efetivo.

DIVULGAÇÃO - O DIRETOR MARCELO LUNA

Agora, Fora da Bolha chega ao público nas eleições seguintes àquelas que engatilham o projeto e seus debates. Para Luna, esses dois anos de separação ainda não estão tão distantes do panorama abordado no filme. "A mudança é lenta. Eu estava há uns quatro anos meio afastado das redes sociais e voltei com o lançamento do filme. Pelo que presenciei, pela percepção de quem estava de fora, nada mudou. As bolhas crescem, diminuem, ficam mais sólidas, as discussões são as mesmas. A ideia do filme é olhar para essa realidade e tentar fazer olhar para além dessas bolhas, de prestar atenção de quem tá ao seu lado e tentar observar o que acontece", conclui Luna.

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