Quando Lindinhas (Cuties) fez sua estreia em janeiro no festival de Sundance, um dos principais do circuito alternativo, ele saiu carregando boas críticas e um prêmio para sua diretora, a franco-senegalesa Maïmouna Doucouré, com seu primeiro longa-metragem. Alguns meses depois, o filme deixou de estar presente apenas nas linhas da crítica especializada para tomar os sites de notícia do mundo todo. Com a aquisição da distribuição mundial da obra pela Netflix, veio uma campanha de marketing desastrosa, promovendo um filme que é crítico à hiperssexualização de crianças com cartazes que traziam suas jovens protagonistas em trajes e poses sensuais, além de cores vibrantes que realçam um tom glamouroso.
Críticas surgiram de todos os lados, assim como ameaças de boicotes e ações contra a gigante do streaming. A Netflix precisou retirar do ar o material da campanha e se desculpar, afirmando que àquele marketing não condizia com a mensagem do filme. Doucouré também fez coro ao pensamento de que as peças não faziam jus à sua proposta enquanto realizadora e o filme chegou à plataforma na última semana. Mas já era tarde demais, Lindinhas chegou já impregnado por um sentimento de revolta em diversas camadas. Nos Estados Unidos, senadores republicanos pediram investigações sobre a produção e possíveis violações de leis contra a produção e distribuição de pornografia infantil. Por aqui, a ministra dos Direitos Humanos Damares Alves também rechaçou a produção e afirmou que não iria ficar de braços cruzados.
A diretora se defendeu. “Nós precisamos proteger nossas crianças. O que eu quero é abrir os olhos das pessoas sobre essa questão e tentar consertá-la”, afirmou em entrevista à revista Variety. Ela relata ter recebido ameaças de morte desde quando começou todo o frisson ao redor do filme e também ressaltou compartilhar da mesma luta que todos os que estão condenando a obra. Ela também considerou o marketing como não representativo sobre o que é o filme, recebendo ela mesma um pedido de desculpas da Netflix. Para desenvolver seu roteiro, Doucouré relata ter passado mais de um ano entrevistando pré-adolescente, tentando entender suas noções de feminilidade e os impactos das redes sociais nelas. Na França, assim como nos festivais, Lindinhas foi bem avaliado pela crítica.
Mas o quanto desse sentimento é justificado nas imagens de Lindinhas, para além da publicidade? A trama gira em torno da jovem Amy, de 11 anos, moradora recém-chegada da periferia de Paris. Mora com a mãe e ajuda a cuidar dos dois irmãos mais novos, enquanto sente saudades do pai. Este deve retornar em breve, ao lado de sua segunda esposa, em acordo com sua religião. Quando não está nos cultos religiosos aprendendo qual é o lugar certo da mulher segundo sua doutrina, ela remói a ausência dos pais. Já no colégio, ela conhece um grupo de meninas de sua idade apelidadas de Mignonnes, aspirantes à dançarinas, que abusam das roupas curtas e da exposição nas redes. Elas acabam se tornando uma válvula de escape para a protagonista e juntas buscam vencer um concurso de dança.
Mesmo tendo sido vendido como tal, Lindinhas não é exatamente um filme leve sobre um grupo de garotas. Já em seu primeiro plano, Doucouré já carrega a imagem de desconforto, que de certa forma será a atmosfera para um tom mais denunciativo do filme, mesmo que não completamente. Na maioria das vezes, em especial quando se trata dos corpos em exposição das meninas, é possível sentir uma certa frieza e até um distanciamento na hora de tomar essas imagens. E todo o drama que as rodeia delimita claramente que há uma relação de causa-consequência negativa em relação à toda uma cultura de exposição, aliada há elementos de classe, moralismo e estrutura familiar que as leva para esse caminho visto como sórdido.
É válido ressaltar que essa estrutura dramática é simplória, em especial esse movimento de causa-consequência, encontrando motivações ora ligeiras, ora rasas e também mal articuladas entre si. Mas mesmo com essa abordagem pouco sólida, a diretora se esforça em evitar usar a imagem apelativa como recurso de choque, optando pela já citada frieza na maior parte do tempo. Isso porque esse cuidado parece escapar em alguns momentos em que sim, são produzidas imagens perigosas e passíveis de uma crítica mais incisiva, que se deixa levar por uma condução mais espetacularizante do que desconfortável. Ainda assim, sua unidade como um todo deixa claro de que a direção está partindo do lado do criticismo e da denúncia de infâncias que estão sendo deturpadas.