Vou passando pela padaria do supermercado, um senhor conversa com a balconista:
- Aqui tem mosca.
- Aparece.
- Não deveria aparecer.
- Mas aparecem em todos os cantos. Até na casa da gente.
- Mas não deveriam aparecer em padaria.
- É.
- Não vou querer mais pão. Não como pão com mosca.
- Nem eu. Prefiro com manteiga.
O senhor volta-se para a balconista e fala num tom que chama atenção a quem tá por perto:
- Você tá querendo me estressar?
- Não. O senhor é que tem o sistema nervoso.
Uma senhora cobre a cabeça como um tuareg. Só deixa os olhos de fora. O pano enrola-se pelo pescoço, feito um cachecol. Na fila do caixa, ela deixa o carrinho de compras atrás de si, garantindo o distanciamento social e entre nós dois. Paga com cartão. Concluído o pagamento, borrifa de álcool 70 o cartão inteiro. O rapaz do caixa diz pra senhora que ela pode inutilizar o cartão se continuar a passar álcool nele. Ela responde, curta e grossa: "Peço outro ao banco".
No caixa ao lado, a moça está com o rosto todo produzido, de rímel, cílios postiços (pelo menos achei que fossem), batom vermelho, os cabelos presos, bem penteados, nem um fio fora do lugar. Uma colega de trabalho vem falar com ela. A caixa, que tava olhando pras unhas, levanta a cabeça. Quando a colega vê o rosto todo produzido, diz: "Vixe Maria, bença, tás parecendo uma aeromoça. Botou pra torar. Vai pra alguma balada?" A caixa diz que não. A colega lhe pergunta o motivo da produção. A caixa esclarece: "Sei lá. Deu um nervoso de manhã, e me produzi".
Vou saindo, um rapaz vem com um carrinho, cheio de caixas, que lhe tiram a visão. Se não salto de lado, me atropela. Ele olha pra mim e ralha: "Presta atenção, cara". Escapei, mas não uma moça com um carrinho. Colidiram de frente. A moça bradou um "Tá doido?". Começou um bate-boca. O problema é esta pandemia que tá deixando todo mundo com o sistema nervoso.