'King Kong en Asunción', de Camilo Cavalcante, estreia em Gramado nesta quinta

O longa dirigido pelo pernambucano Camilo Cavalcante fará o encerramento da competição de longas nacionais do Festival de Cinema de Gramado
Rostand Tiago
Publicado em 24/09/2020 às 12:51
PAPEL O ator cearense-brasiliense Andrade Jr. terá sua presença espalhada por todo o país nesta quinta Foto: DIVULGAÇÃO


Falecido no ano passado, o ator cearense-brasiliense Andrade Júnior terá sua presença espalhada por todo o país nesta quinta-feira, em um filme que nasce a partir da admiração por sua figura. Trata-se de King Kong en Asunción, do pernambucano Camilo Cavalcante, que faz sua estreia na mostra de longas brasileiros do Festival de Cinema de Gramado, relatando a trajetória de um matador de aluguel escondido na Bolívia que decide largar a vida de matança e ir atrás da filha, na capital Paraguaia. Mas se o filme chega já com todo essa sustentação narrativa, ele nasceu há mais de dez anos apenas como uma imagem que teimou em permanecer na memória de Cavalcante, a partir de uma performance de Andrade.

"Eu estava apresentando um curta em um festival de Nova Iguaçu e a estadia lá era com divisão de quartos, que me levou a conhecer Andrade. Ele fez uma performance de gorila e me falava muito sobre o Paraguai. Aquela performance ficou na minha cabeça, também fiz uma viagem para Assunção, conhecer a cidade e fui criando a dramaturgia que está no filme. O resto é ficção, mas ele surgiu realmente dessa imagem de Andrade, que me permitiu ir criando todo o estofo narrativa", relata Camilo, em entrevista por telefone.

Na construção desse universo, que se desenhava cada vez mais como um road movie, pesquisas foram constantemente feitas e a Bolívia também despertou interesse, trazendo o filme para os dois países da América do Sul sem mar. Para concretizar essa jornada, a reduzida equipe precisou se desdobrar para organizar a descida do personagem pelo deserto do Salar de Uyuni até Assunção, passando por regiões de pedras, florestas até o Chaco paraguaio.

AURORA FILMES/DIVULGAÇÃO - TRECHO DE 'KING KONG EN ASUNCIÓN', DE CAMILO CAVALCANTE

Planejamentos detalhados com muita antecedência foram realizados, pois os riscos das intempéries eram significativos e precisavam ser levado em conta, como foi o caso de uma estrada desmoronada na Bolívia. "A gente contou com muita sorte dentro da nossa energia artística, porque também nada deu errado, conseguimos seguir em frente. Essa parte do deslocamento foi muito cansativa, só em Assunção ficou mais tranquilo", relata Camilo.

Tempos e poesia

Mas o mundo, a América Latina e o Brasil vivenciaram importantes eventos, entre euforias e desgastes, desde quando o filme começou a nascer naquele 2007 ou até mesmo quando foi filmado, em 2017. Ao situar King Kong nesse andar cronológico, Camilo classifica o filme como, de certa forma, anacrônico, no sentido de sua discussão não estar presa no tempo, que acompanha a jornada daquele futuro ex-matador.

“Ele fala sobre sentimentos, mas tem uma camada também de discussão política sobre esse mundo que a gente vive, construído e alicerçado na violência, na estupidez, no desrespeito e machismo. A gente discute essa postura do poder e do domínio que vem ao longo dos séculos pautando a América Latina, latente e pertinente na nossa história”, relata Cavalcante.

AURORA FILMES/DIVULGAÇÃO - TRECHO DE 'KING KONG EN ASUNCIÓN', DE CAMILO CAVALCANTE

E na articulação desses discursos e narrativas, Camilo não abre mão de suas inclinações poéticas e literárias, já presentes em sua filmografia. Aqui ela é desenvolvida em especial por uma narração onisciente, feita pela atriz Ana Ivanova a partir de um texto da gaúcha Natalia Borges Polesso, adaptado para o guarani pela paraguaia Lilian Sosa. A narração era algo presente desde as primeiras concepções de roteiro, mas seu tom e na boca de quem ela sairia foi pensada e repensada com o tempo, sendo canalizada por essa figura fúnebre que acabou entrando no tratamento final.

Assim também o foi com a escolha do guarani como veículo dessa narração. "No Paraguai, ela é uma língua oficial, ensinada na escola, mas também a língua de um povo que vem sendo massacrado ao longo dos séculos. Foi uma forma de empoderar a linguagem, fazer a sonoridade dela, que é tão profunda na sua pronúncia e construção, como protagonista", elabora o diretor.

King Kong en Asunción teve boa parte de sua finalização sendo realizada remotamente, já durante a pandemia. Sua experiência primordialmente pensada para as salas de cinema precisou ser repensada, pelo menos para essa estreia em Gramado, assim como no Los Angeles Brazilian Film Festival e o Florianópolis Audiovisual Mercosul, outros dois festivais remotos que contarão com o filme em sua programação.

"Com as salas cheias, você sente a repercussão de forma mais imediata, mas agora, nesse formato, aconteçam mais repercussões. Sinceramente, não sei como vai ser essa troca, mas vejo esse cenário com os comentários nas redes e nas críticas. Queremos uma estreia ano que vem nos cinemas, algo que achamos essencial, mas não é algo que invalide a TV e o online. O principal é que o público tenha contato com a obra, da melhor maneira possível", conclui Camilo. O filme será exibido às 20h, em sessão única no Canal Brasil.

MARIO MIRANDA FILHO/AGENCIA FOTO - A gente discute essa postura do poder e do domínio que vem ao longo dos séculos pautando a América Latina, latente e pertinente na nossa história", expressa Camilo Cavalcante
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