Nos últimos dias, a internet recebeu uma enxurrada de comentários acerca da obra da artista plástica Juliana Notari. Diva, uma vagina de 33 metros de altura, 16 de largura e 6 de profundidade, foi esculpida no chão da Usina Santa Terezinha, em Água Preta, município da Zona da Mata Sul de Pernambuco. A peça, que está disponível para visitação das 8 às 17 horas, trouxe vários questionamentos e, aparentemente, fez jus a proposta de Notari.
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Diva faz parte de um processo que já existe há 20 anos na carreira de Juliana. Muito além de uma vulva, a imagem, presente em outros trabalhos seus, traz aspectos de ferida, fazendo analogia com os diferentes tipos de violência existentes. Ela não apresenta características típicas de uma genitália cis feminina, como grandes lábios e clitóris, por exemplo. “Até hoje a gente vive esse apagamento do corpo feminino, como a menstruação, que é vista como uma vergonha e suja, mas é algo extremamente potente. Essa sociedade capitalista patriarcal ela não admite isso. Ela quer que a mulher seja submissa ao homem”, explica Notari.
Só que, aparentemente, nem todo mundo entendeu a mensagem que Juliana quis passar. Nas redes sociais, os comentários e opiniões dividem-se entre quem apoia e quem não vê sentido algum. Ela acredita que isso, em partes, deve-se aos atuais líderes brasileiros. “Monumentos fálicos, como o Brennand, não tem esse reboliço todo na internet, porque é onde justamente se expressa o machismo, e a misoginia, impulsionados por esse governo”, falou. Juliana também acha que a legalização do aborto na Argentina, que coincidiu com o lançamento de Diva, acabou influenciando na opinião das pessoas.
Uma foto publicada pela artista durante a construção de Diva deu o que falar. Tudo porque o registro revela que a maioria dos trabalhadores manuais envolvidos na produção são negros. Notari acha hipocrisia lhe creditarem por essa culpa, uma vez que a problemática é algo que existe há décadas no Brasil e, como qualquer área, a arte reproduz a verdadeira e infeliz face do País, com as minorias colocadas em empregos secundários e com salários menores.
Outro ponto levantado nas redes sociais é o fato de que nem toda mulher possui vagina. A comunidade trans também está inserida no gênero feminino e algumas pessoas se sentiram ofendidas com a relação vagina e feminina. Juliana, entretanto, conta que não foi isso que quis dizer. “Não é que a vagina vá anular algo. É uma complementaridade de forças. Não estou anulando os transexuais, é uma força feminina. Tem homens que tem uma força feminina muito maior que algumas mulheres, e vice versa. São fluxos que não anulam e que não valem a pena genitalizar o processo. E aí é quando eu entro na questão da ferida”, relata.
Foram 11 meses até que enfim a obra ficasse pronta. “Tiveram vários momentos ao longo desses 11 meses que eu achei que a gente não ia conseguir”, assume Juliana. Ela comenta que a sua publicação no Instagram foi um desabafo e tirada de peso nas costas. “Ufa, consegui”, foi o seu pensamento naquele momento. “Foi literalmente um parto cavar aquele buraco. Não podíamos usar máquina ou escavadeira, porque podia não conseguir fazer as formas que a gente queria, podia ser muito brusco, aí foi tudo manualmente. Foi muito trabalhosa. E ao mesmo tempo foi um trabalho que teve alegria, eu acabei virando da família dos meninos, dos trabalhadores”, brinca.