O tempo — e suas ações nas esferas pessoal e coletiva, material e afetiva — alicerça as exposições Rosa Velho e Lembranças de Paisagem, de Jeims Duarte e Bruno Faria, respectivamente, que ocupam as galerias do Centro Cultural Mercado Eufrásio Barbosa, em Olinda, a partir das 19h do dia 21 de janeiro. As mostras apresentam obras em diferentes técnicas, como desenho e pintura, refletindo também sobre o imaginário em torno da paisagem.
Ao olhar em retrospecto para os seus 25 anos de carreira, comemorados neste ano, Jeims Duarte iniciou um processo de identificação de temas e símbolos que permeiam seu trabalho, principalmente a paisagem urbana do Recife e sua região metropolitana; a sua arquitetura e os seus objetos. Outro elemento recorrente notado pelo artista nos próprios desenhos é a figura humana, retratada por ele em diálogo com o inanimado.
"Vinha sentindo essa vontade meio inescapável de fazer um balanço, de avaliar o que foi feito nesse tempo de carreira — como foi feito. Essa exposição é centrada nessas figuras que me acompanham desde o começo e que estão, pela primeira vez, reunidas de forma proposital, como uma constelação. É como se houvesse um elemento de metalinguagem. Se há dez anos eu me via retratando a Sé de Olinda, podendo me dar o luxo de colocar uma cadeira na frente da igreja e desenhar, nessa exposição meu desenho de lá é um retrato em cima do retrato, como um exercício da memória", explica.
Composta por oito telas inéditas, entre elas um desenho em homenagem à sua avó paterna, Rosa (uma das inspirações para o título), retratada como um busto escultório, a exposição conta ainda com uma colagem que evoca diferentes elementos da trajetória de Jeims Duarte, como a reprodução do convite da sua primeira exposição, realizada em 1996, no Teatro do Parque.
A relação com o espaço urbano, conta Jeims, tem se transformado nos últimos anos. Por conta do contexto social e político, onde antes ele conseguia enxergar beleza, hoje vê descaso e desamparo.
"Sou morador do centro do Recife há décadas. Este é um momento bem melancólico para fazer um apanhado como esse, porque a poesia que eu costumava ver em certos espaços decadentes da cidade não consigo mais ver. Não sei se foram os meus olhos que mudaram ou se a decadência da cidade ganhou uma escala tão forte, grave, que não consigo mais ver tanta beleza. Talvez as duas coisas", reflete.
Na galeria 2 do Mercado Eufrásio Barbosa, Bruno Faria apresenta a mostra Lembranças de Paisagem, com curadoria de Bitu Cassundé, que dá continuidade à pesquisa que vem desenvolvendo a partir do garimpo de flâmulas/bandeiras em mercados de segunda mão, como Feira da Praça Benedito Calixto, Feira do Bexiga, Feira do MASP, em São Paulo, e Feira da Praça XV, no Rio de Janeiro. A série parte de um olhar sobre a paisagem e a memória.
As flâmulas colecionadas por Bruno eram produzidas nas décadas de 1960 e 1970, por letristas e designers populares da época, e traziam imagens icônicas de diferentes cidades, adquirindo status de suvenir.
"Me aproprio dessas obras, trazendo elas para a esfera da arte a partir da intervenção com pinturas nas áreas onde há textos, deixando a paisagem da imagem de cada bandeirinha. É uma série muito grande que eu tenho, então várias configurações são feitas a partir do lugar onde ela é apresentada. No Eufrásio, as bandeirinhas são inéditas e apresentadas em formato mais horizontal", detalha.
>> Exposição promove diálogo entre as obras de Bruno Faria e Lorenzato
Na exposição, o público terá a oportunidade de ver um conjunto composto por 21 obras que retratam diferentes paisagens de cidades brasileiras: Recife, Rio de Janeiro, Belém, Salvador e Natal, entre outras. Para o artista, a apresentação das obras em determinados espaços geográficos produz uma espécie de reencontro metafórico desses trabalhos com o local onde eles foram adquiridos.
Além da série de bandeirinhas, o artista visual também apresenta o trabalho 10xPaisagem, da série Paisagem Falida.
"É um trabalho de desenho que realizo a partir de uma folha de carbono da fábrica Helios, que criou o primeiro papel carbono no Brasil e era muito utilizado em máquinas de escrever, entre outras. Hoje, com os avanços da tecnologia e a informatização, o papel carbono não é tão usado e, por conta disso, a fábrica faliu. Nesse trabalho, é apresentado um conjunto de dez desenhos que faço a partir de uma paisagem que já existe na folha, que são imagens de coqueiros. O desenho acaba sendo apresentado como uma espécie de ruína", pontua.
Tanto a exposição de Bruno quanto a de Jeims são resultado do chamamento público de ocupação publicado pela Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco em outubro de 2020. Os artistas receberão, durante a abertura da exposição, a premiação de R$ 8 mil para a ocupação da galeria 01 e R$ 6 mil, da galeria 02.
A visitação acontece de terça a domingo, das 9h às 13h, seguindo os protocolos de segurança, com obrigatoriedade do uso de máscara. As mostras ficam em cartaz até o dia 21 de abril.