Você bota um disco pra tocar no Spotify. Vê um clipe no YouTube. Leu que Otto compôs seu álbum "Canicule Sauvage" pelo iPhone, com o aplicativo Garage Band. Muito mudou na forma de produzir, distribuir e consumir música — sobretudo, da segunda metade de 2010 pra cá, quando a mídia física foi entrando em escassez e as rede sociais e plataformas de streaming, em abundância.
O Porto Musical tem acompanhado esse leito de mudanças desde um pouco antes — era 2005 quando a convenção realizou a sua primeira edição, naquele início de vislumbre de uma internet que fosse veloz e, principalmente, acessível.
O evento volta ao presencial, desta quinta-feira (5) até sábado (7), no Bairro do Recife, para continuar falando do mercado musical e para ajudar a formar novos artistas. Será a 10ª edição, o que a torna simbólica.
"O que acho mais interessante nessa trajetória é que o Porto Musical atravessa e acompanha as transformações do mercado da música", enfatiza Melina Hickson, diretora do evento. "Ele foi criado quando a internet estava começando a mudar o fazer musical. De lá pra cá, a gente traz discussões e provocações sobre esse mercado: apesar de todas as transformações, a diversidade da música ainda não tem difusão; apesar da entrada da internet, as mídias comerciais continuam tocando só um tipo de música, de um mesmo expediente", complementa.
"Houve, sem dúvida, uma democratização, com o escoamento da produção musical nas plataformas digitais. É claro que a gente tem, hoje, mais oportunidades: um artista pode se produzir e escoar sua música numa plataforma dentro de casa. Você pode ouvir música sem ser na rádio e assistir a um clipe não necessariamente na TV, porém alguns mecanismos não mudam, e isso tem a ver com política pública", expõe Melina, que, aliás, promoverá no sábado (7) a conferência "Como garantir políticas públicas".
Eleições, TikTok, Kwai e YouTube
O debate sobre políticas públicas para a música vão levar em conta os dois cenários possíveis, até então, de vitória na eleição presidencial deste ano — a reeleição de Bolsonaro ou a volta de Lula.
Outra discussão que a diretora destaca nesta edição trata da circulação dos artistas nessa retomada de shows após a queda no número de casos de covid-19. "Como é que se volta a circular no Brasil, um país um tanto quebrado, onde boa parte das casas de shows fechou?", questiona.
O TikTok, o Kwai e o YouTube serão temas de seminários — "A gente vem de um período onde essas plataformas foram muito usadas — e continuam sendo. Como produzir conteúdo e como monetizar? O YouTube é a plataforma por onde os brasileiros mais ouvem música."
Confira aqui a programação completa.
Shows gratuitos
Fora as conferências, os debates e seminários, que carecem de ingresso (R$ 120, entrada única) e vão acontecer no Paço do Frevo e no Museu Cais do Sertão, a programação inclui shows gratuitos — na sexta-feira (6) e no sábado (7), a partir das 19h30, na Praça do Arsenal.
Uma das atrações é Afroito. Ele participou do Porto Musical em 2020, após uma das visitas de Melina Hickson a comunidades e periferias da Região Metropolitana do Recife, algo que ela repete desde 2018, quando entendeu que precisava ir até os artistas da margem, ao invés de esperar que eles viessem até o evento.
A diretora recorda que, quando esteve com Afroito, ele relatou ter ido àquele encontro a pé, porque lhe faltava dinheiro para a passagem. Foi, então, credenciado no evento. Nos últimos dois anos, construiu um trabalho consistente e que tem lhe dado projeção. Em abril, cantou no Guaiamum Treloso.
Caso parecido ocorreu com a recifense Uana, que no ano passado participou do pitching, e neste se apresenta no palco da Arsenal. "São exemplos de que o Porto Musical está ajudando a movimentar carreiras. Não estou dizendo que é por causa do Porto — é principalmente pelo talento e pela música deles. Mas, o Porto deve ter ajudado em alguma coisa."
Afroito se apresenta na sexta-feira, às 21h10, com as participações de Tássia Reis (SP) e Sued Nunes (BA). Na mesma noite, sobem ao palco Bixarte (PB), às 20h20; Luana Flores (PB), às 22h, e Martins (PE), às 22h50.
Já Uana é atração de sábado, no Baile do Marley, junto com Rayssa Dias (PE) e Gui da Tropa (PE), às 22h50. Além deles, se apresentam Dani Carmesim (PE), às 20h20; Zé Manoel (PE), às 21h10, e Rachel Reis (BA), às 22h.
A Orquestra de Bolso (PE) abrirá as duas noites, às 19h30.
Homenagem
Esta edição traz no cartaz Joel Datz, o Irmão Evento que faleceu no ano passado — e se não, certamente, estaria no Porto Musical nesses próximos dias. Melina Hickson conta que, após a edição passada, ele foi ao seu escritório, na segunda-feira, para pedir uma camisa do evento. Conversaram por duas horas.
"Era natural que a gente fizesse uma homenagem, porque a gente voltou e Joel não está mais presente. É um jeito de ele estar e ser lembrado, de a imagem dele abençoar a gente. Ele era o Irmão Evento, mas acho que ele estava nos eventos por causa das pessoas."