Era final dos anos 1990 quando CDs com capas que estampavam chamas passaram a integrar as estantes de muitas salas no Grande Recife. Os conteúdos dos discos eram trilha em encontros familiares nos domingos, bares da classe trabalhadora, clubes dos subúrbios, gafieiras... A Banda Labaredas (nome que justificava a iconografia das chamas) era uma sensação.
O álbum "A Melhor Banda de Brega do Brasil, Vol. 1" foi lançado em 1997, mas o nascimento de Labaredas é de muito antes, quando nem valia a pena se autodenominar como uma "banda de brega". Foi em 1982 que José Carlos, conhecido como Mittó (vocal e guitarra), e José Edson, o Orelha (contrabaixo), se uniram para formar uma banda de baile.
Neste sábado (11), a partir das 21h, a Labaredas comemora esses 40 anos de história com show no Clube Português do Recife - ingressos por R$ 20 (pista) e R$ 35 (camarote). O grupo também lançou o DVD "40 anos de Estrada" pela Somax.
De 'banda de baile' a 'banda de brega'
"Tudo começou em abril de 1982. Éramos uma banda de baile, fazíamos cinco horas de show tocando forró, rock, pagode e também brega. Até que chegou o momento em que partimos para o brega porque as próprias pessoas pediam isso", diz Mittó, hoje com 65 anos.
O grupo chegou a lançar um compacto em 1986, intitulado "Os Labaredas". Com quatro faixas, o projeto pelo selo U.D.S, de um produtor musical chamado Vianniz. "Ele nos descobriu quando tocávamos nos bailes. Era cantor de brega que gostou do que viu e fez o convite. Nós vendíamos os discos próprios nos bailes, foram mil cópias. Porém tivemos uma grande decepção porque as rádios não queriam tocar as músicas", relembra Mittó.
Naquela época, bandas de brega não eram comuns no Recife. Existiam os cantores, a exemplo de Reginaldo Rossi (que tinha amplitude nacional), Adilson Ramos e Augusto César.
Foi por isso que "A Melhor Banda de Brega do Brasil, Vol. 1" (1997) mudou o jogo. A Labaredas se "assumiu" brega com instrumentação completa, letras sobre cotidiano e um pé no romantismo da jovem guarda - que é a gênese do ritmo.
O repertório foi composto por regravações - como o sucesso "Garotinha Linda" (Daniel Benitz e Juca Medalha) - e algumas músicas autorais - como "Nosso Ninho de Amor" e "Preciso Sair da Solidão".
O lançamento saiu pela NPA Produções e fez tanto sucesso que despertou a atenção da Sony Music, que fez a distribuição dele e de outros três da banda. Com essa promoção nacional, a Labaredas conseguiu capilaridade por outros estados, como Pará, Piauí, Maranhão, Bahia e Ceará.
Impacto no brega de Pernambuco
"Naquela época tinham os cantores, as bandas não tocavam brega porque existia muita discriminação. Quando gravamos esse primeiro CD, todo mundo quis participar. Fazíamos muitos shows. Os artistas pediam para abrir os nossos shows, até que começamos a realizar grandes maratonas de brega", explica Mittó.
"A gente abria o evento e tocava meia hora. Em seguida, os cantores iam subindo no palco um por um. Quando eles terminavam, a gente voltava para encerrar a festa. Fizemos muitos shows em clubes como Treze do Vasco, Bela Vista e SESI do Ibura. Aí vieram os clubes Português, Internacional, Santa Cruz, Náutico... Depois de um tempo, passávamos em Boa Viagem, nos bares da classe alta, e estavam todos lá ouvindo Labaredas."
Entre as bandas que surgiram no ápice da Labaredas estão Conde e Banda Só Brega, Banda Camelô, Chama do Brega e Paixão Brasileira. Era a sedimentação de um novo momento daquela cena, que ganharia grande amplitude cultural midiática no Grande Recife.
O segundo disco, "Minha Paixão" (1999), trouxe o grande hino da banda: "Kelly". O compositor da música, Juca Medalha, veio fazer show no Recife, soube que a banda iria gravar um disco e ofereceu a faixa. "Minha Paixão", "Arrependimento" e "Procure Me Esquecer" são os outros sucessos.
Contando com inéditas, coletâneas e ao vivo, a Labaredas lançou cerca de 31 discos. Todos eles estão disponíveis no streaming graças a um trabalho da Polydisc - um privilégio para os ouvintes interessados, já que esse acesso não é comum no brega pernambucano.
Apesar das mudanças do mercado, o grupo nunca parou. A divulgação de shows ocorre pela página do Facebook. A formação é composta por Mittó (vocal), Orelha (contrabaixo), Jonathan Jefferson (baterista), Gunga Monteiro (contrabaixo), Fabinho (guitarra), Adriana (backing vocal) e Ademário e Davi (percussão) - apenas os dois primeiros são da formação original.
"É difícil", começa o vocalista ao avaliar a marca de 40 anos. "Enfrentamos muita discriminação. Chegávamos nos lugares e diziam: 'Ah, uma banda brega, com esse nome vocês não vão para canto nenhum'. Mas pela qualidade das músicas, que eram cheias de instrumentos e com letras sobre o dia a dia, caímos na língua do povo. Nunca fizemos um brega quadrado", diz.
Ao falar sobre o brega atual, Mittó opina que hoje existe menos valorização do ritmo em si e mais da "curtição dos momentos". "As pessoas não definem qual brega gostam de ouvir ou de dançar, mas sim de curtir."
"Meu conselho para a geração jovem é que o brega deve ser bem conduzido. Se não trouxerem de volta a originalidade do brega autêntico, raiz, ao menos mostrem letras mais respeitosas, que possam entrar na casa de todos, da criança ao idoso. Assim, o brega não vai voltar a ser tão discriminado como foi e ainda é em alguns lugares", pede Mittó.
"Não esqueçam dos legados de Reginaldo Rossi, Maurício Reis, Wando, Waldick Soriano, Evaldo Braga, Carlos Alexandre e tantos outros que deixaram canções lindas, com mensagens de amor, carinho e muita saudade. Isso é o que tentarei deixar para os que virão depois de mim."