SempreNunca Fomos Modernos é um título exato para o que propõe a exposição que abre - nesta sexta-feira (5), para convidados, e a partir de sábado (6), para o público - no Museu do Estado. Advérbios antagônicos no tom da tensão que estudiosos têm causado neste ano do centenário da Semana de Arte Moderna de São Paulo: afinal, a capital paulista e seus artistas de 22 foram os únicos disseminadores no Brasil das ideias modernistas?
A resposta de cem anos é não e está fundamentada no livro Pernambuco Modernista (Cepe), do jornalista, antropólogo e escritor Bruno Albertim, lançado em julho na Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Foi da obra que se derivou a exposição. "Existe um modernismo de assento pernambucano que antecedeu e/ou é paralelo ao modernismo paulistano, mas acabou sendo apagado", defende Albertim.
"A dinâmica social tratou de conferir ao modernismo paulista a hegemonia. A gente está num momento de reescrever a história oficial, e o modernismo pernambucano precisa ser reinserido na história da arte brasileira."
Uma seleção de 109 trabalhos, de mais de cem artistas, pinçados desde a década de 20 do século passado até os anos de agora (no que a mostra compreende cem anos de produção artística em Pernambuco), compõe esse atestado visual do modernismo pernambucano em SempreNunca Fomos Modernos. Bruno Albertim assina a curadoria junto com o diretor do Museu do Estado, Rinaldo Carvalho, a especialista em artes visuais Maria do Carmo Nino e a historiadora Maria Eduarda Marques.
O recorte abrange "desde os pioneiros, Cícero Dias, Vicente do Rego Monteiro e Lula Cardoso Ayres, passando por artistas que confirmam como o modernismo em Pernambuco é de longa duração e grandioso, como Francisco Brennand e Tereza Costa Rêgo, que atravessaram o século 20 fazendo arte moderna, até chegar ao século 21, com artistas que eu chamo de modernistas contemporâneos", explica Albertim.
A disposição dos trabalhos não obedece à cronologia. Eles estão organizados sob eixos temáticos. Há valiosas obras de cânones convivendo com obras de artistas considerados populares, como o ceramista Manoel Eudócio, muito vinculado ao artesanato, ou Tiago Amorim, que nos últimos anos tem ocupado a Alameda dos Mestres da Fenearte. E convivendo também com emergentes, como Diogum, artista preto, filho de um ferreiro do bairro de São José, que, tendo aprendido com o pai a fazer grades, entortou a sina e os códigos de subsistência e opressão para, com o ferro, construir metáfora de liberdade.
Uma fidelidade à construção da identidade (e depois de identidades) é, no campo discursivo, o principal ponto de intersecção possível entre a diversidade de artistas nesse amplo recorte de tempo. Enquanto no Sudeste a arte contemporânea empalideceu a arte moderna, os pernambucanos mantiveram-se firmes na pintura de paisagens e no figurativismo, retratando o homem e seu lugar.
"Até por ter sido periférico, Pernambuco permaneceu muito fiel às características clássicas dessa modernidade, como a paisagem como traço da identidade, que foi fundamental no começo do modernismo, e aqui [no Nordeste] foi agenciada pelo discurso de Gilberto Freyre para definição de uma identidade regional", contextualiza Bruno Albertim.
"A questão da identidade permeia todo esse fazer artístico moderno e contemporâneo, do começo até os dias hoje."
Acontece que, enquanto as primeiras gerações estavam interessadas na formação de uma identidade suprarregional, a de agora discute, em seus trabalhos, outras identidades. Sai de cena o artista homem branco heterossexual, filho dos engenhos e formado na Europa, e surgem os artistas plurais - pretos, periféricos, mulheres, indígenas, transexuais. Eles mesmos - antes analisados por artistas brancos - pintam suas narrativas.
A própria pintura e o figurativismo são também intersecções desses artistas todo, em todo esse tempo. Do ponto de vista da técnica, as obras se correspondem pela paleta cromática com cores mais saturadas, identificadas com a ideia de Nordeste. "Vermelho intenso, azul cristalino, verde atlântico", cita como um poema.
Há, ainda, um acontecimento que aproximou, mesmo que numa incompreensão, o Recife das ideias modernistas: foi na capital pernambucana, conta Bruno Albertim, que ocorreu a primeira exposição de arte moderna europeia na América Latina. Vicente do Rego Monteiro, pela proximidade com artistas e galeristas, trouxe obras de Picasso, Léger, Miró e Braque, que ficaram expostas numa mostra no Teatro de Santa Isabel.
"Os jornais estabeleceram um debate público para entender se era arte. Nós vimos, pela primeira vez, as vanguardas europeias."