JC 105 ANOS

Desafios da cultura em Pernambuco exigem bom destino aos recursos disponíveis

Boa execução da Política Nacional Aldir Blanc, que destinará bilhões aos Estados por cinco anos, regulamentação do Mecenato e reflexão sobre modelo de contratação de ciclos festivos estão entre os principais obstáculos para o fortalecimento da cultura

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Emannuel Bento

Publicado em 03/04/2024 às 7:56
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Do fervor das ladeiras históricas de Olinda à poesia do Sertão do Pajeú, Pernambuco é um referência cultural para o Brasil. A arte pulsa em cada mesorregião, em cada manifestação, em cada traço da história.

Com tamanha diversidade, os desafios para esse setor não são simples. O Estado tem demandado ações efetivas do poder público, incluindo boas práticas e estruturações de equipes de órgãos - sobretudo com a grande demanda da Política Nacional Aldir Blanc (NAB), que vai injetar R$ 3 bilhões por ano para a cultura dos Estados até 2029.

Além disso, urge promover um "desafogamento" do Funcultura por meio de novas formas de captação de recursos, permitindo que os investimentos circulem de forma mais eficiente. Nesse sentido, desponta a implementação do mecenato, concebido de maneira democrática e transparente.

Essas iniciativas devem ser acompanhadas por práticas transparentes, que transcendam as instabilidades políticas. As mudanças devem ser implementadas como forma de promover um ambiente propício para o florescimento da economia criativa, catalisando o potencial cultural como fonte de desenvolvimento econômico e social sustentável.

Política Nacional Aldir Blanc

Com a pandemia, os trabalhadores da cultura tiveram experiências inéditas com as Lei Aldir Blanc (LAB) e da Lei Paulo Gustavo (LPG), que destinaram recursos federais para execução de ações e projetos culturais em todos os Estados. Como legado dessa conquista, o Brasil agora vive a construção da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento à Cultura (PNAB).

Com esta política, a União entregará aos Estados, anualmente, parcelas de R$ 3 bilhões durante cinco anos. Essa será uma oportunidade única de estruturar um sistema federativo de financiamento. Como Pernambuco irá se beneficiar dessa nova ferramenta?

Esse é um dos grandes dilemas para os próximos anos. A recente experiência da LPG, que repassou ao Estado mais de R$ 100 milhões para a cultura, foi frustrante para boa parte dos trabalhadores da área.

Recursos podem fazer a diferença

O Governo do Estado, através da Secult-PE e Fundarpe, adiou três vezes o resultado provisório da análise das propostas e atrasou em até quatro meses o início do pagamento dos projetos aprovados nos editais da LPG. Além disso, surgiram várias contestações sobre os resultados, com muitas reclamações sobre falta de transparência.

JAN RIBEIRO/FUNDARPE
Registro de desfile do Bacanal do Bandeira, em 2023 - JAN RIBEIRO/FUNDARPE

Para os profissionais da cultura, ficou evidente a urgência de uma reestruturação eficaz nos órgãos e equipes responsáveis por atender às demandas da PNAB. A chegada da LGP durante um período de mudanças nos quadros de secretariado parece ter impactado negativamente na execução dos projetos, acentuando ainda mais a necessidade de uma gestão estável e comprometida.

Por muito tempo, um dos principais problemas das pastas de cultura foi a "falta de dinheiro". Nos próximos anos, os aportes federais irão encher as contas do Estado. Caso sejam bem distribuídos, esses recursos farão a diferença.

Mecenato no Sistema de Incentivo à Cultura

Não é novidade que o Funcultura, principal instrumento de fomento de Pernambuco, anda defasado e já não consegue comportar a diversidade de produtores interessados - além da velha reclamação de que os mesmos nomes emplacam projetos todos os anos.

Uma solução para essa questão, trazendo mais dinamismo para o setor, é a implementação do mecenato - fomento em que instituições privadas repassam recursos para projetos culturais em troca de renúncias fiscais.

Como isso ajudaria? Grandes eventos, como festivais de música, cinema e teatro, poderiam utilizar dos impostos de empresas que queiram atrelar as suas marcas aos eventos. Assim, sobraria mais recursos do Funcultura para a cultura popular, patrimônio e artistas independentes, por exemplo.

É verdade que parte dos trabalhadores da cultura veem com apreensão esta mudança, visto que os recursos poderiam ir apenas para grandes produtores, ou até minar a liberdade criativa dos artistas em detrimento aos interesses das empresas. Contudo, tudo depende de como o mecenato será implementado.

Mecenato precisa ser regulamentado

O desenho, inclusive, já existe: há sete anos, foi criado o Mecenato Cultural de Pernambuco pela Lei do Sistema de Incentivo à Cultura do Estado de Pernambuco (SIC) - Lei Estadual nº 16.113/2017. Porém, a gestão anterior não decretou a regulamentação da lei.

A Lei aponta três modalidades, sendo o mecenato uma delas. O artigo 20, inclusive, diz que as empresas deverão fazer aporte adicional, não dedutível do ICMS, de valor variável consoante com o tipo do projeto, ao programa CREDCULTURA.

O valor é de 10% para projetos Tipo I (ocupações, aquisições, reformas, restauros ou manutenções de acervos ou de espaços e equipamentos culturais, mapeamento de grupos e expressões culturais e ações de salvaguarda); e 15% para objetos do tipo II e III, que englobam projetos cujo objeto compreenda os ciclos culturais tradicionais do Carnaval, Semana Santa, São João e Natal, promovidos pelo Poder Público, festivais promovidos pelo Poder Executivo estadual e demais categorias.

Neste sentido, o CREDCULTURA pode ser considerado como um fator limitador para o financiamento de projetos de grandes produtoras e ou grandes eventos.

Ciclos Festivos

JAN RIBEIRO/FUNDARPE
Ciclo Junino de Pernambuco - JAN RIBEIRO/FUNDARPE

Uma questão que tem gerado desconforto entre os profissionais da cultura há bastante tempo é o atual modelo de contratação dos ciclos festivos. Apesar de ser um tema simples, muitos produtores e artistas ainda o encaram como um tabu, pois todos almejam participar dessas festividades.

Qual o problema? Atualmente, o Governo lança as convocatórias com o objetivo de habilitar propostas de artistas e grupos para compor as programações do município.

No entanto, as contratações ocorrem via Prefeitura. A gestão de cada município atua junto ao Governo para garantir um determinado valor de recursos para a festa. A Fundarpe também oferece os artistas aprovados e a própria Prefeitura irá selecionar quais deseja.

Assim, o modelo acaba se transformando em um balcão de negócios entre as gestões, como uma espécie de ferramenta política. O modelo é ótimo para os gestores, mas péssimo para os artistas, que precisam fazer pressão dos dois lados para serem convidados.

Além disso, muitas vezes as prefeituras estão interessadas no impacto da festividade parente os eleitores, sem necessariamente fortalecer a cultura. Por parte do Estado, fica o desafio de garantir o espaço para a cultura popular nos municípios, além de aumentar a transparência nessas contratações - caso o contrário, o viés de balcão de negócios se acentua.

O que diz o Estado

Em nota sobre o PNAB, a Secult-PE afirma que formulou um Plano de Ação em 2023 e, no começo deste ano, elaborou um Plano Operativo com trabalho de técnicos especializados da Secretaria, focados exclusivamente na PNAB.

"Essas propostas foram divulgadas nas escutas públicas, promovidas entre Fevereiro e Março. As escutas presenciais foram realizadas em todas as macrorregiões de Pernambuco", diz.

"As informações obtidas nesses encontros estão sendo sistematizadas para a validação de editais e programas, processo crucial para a formulação do Plano Anual de Aplicação de Recursos (PAAR), divulgado pelo Ministério da Cultura", informa.

A nota acrescenta que parte do recurso do PNAB pode ser utilizado com contratação de equipe técnica para demandas finalísticas, garantindo assim a efetiva implementação das políticas públicas.

Mecenato ja tem previsão, diz Secult

Sobre o Mecenato, a comunicação da Secult-PE/Fundarpe afirma que A atual gestão está comprometida em realizar a entrega do programa devidamente regulamentado, criando um desenho do funcionamento da política, estando atualmente em fase de validação interna na Secult-PE, com posterior envio aos demais órgãos que compõem a administração pública.

A previsão de lançamento do programa, com chamamento público, é para o primeiro semestre de 2025.

"Caberá à Secretaria de Cultura de Pernambuco, unidade gestora do Mecenato, estabelecer, por meio de instrução normativa, critérios objetivos para admissão de proponentes e respectivos projetos, evitando a alta concentração, tanto no contexto da região de desenvolvimento, bem como no porte dos projetos, adotando políticas afirmativas que tornam os processos de seleção democráticos, acessíveis e inclusivos. Além disso, haverá a necessidade de instrução e sensibilização do setor empresarial, como estratégia de fomento aos projetos aprovados", diz a nota.

"Assim, o setor cultural será impactado positivamente em diferentes dimensões: social, simbólica, cidadã e econômica, gerando oportunidades de emprego e renda, circulação de bens e serviços culturais, além de ampliar os atrativos turísticos e ativar novos negócios."

Uma questão que tem gerado desconforto entre os profissionais da cultura há bastante tempo é o atual modelo de contratação dos ciclos festivos. Apesar de ser um tema delicado, muitos produtores e artistas ainda o encaram como um tabu, pois todos almejam participar dessas festividades.

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