JC 105 Anos

Freio na violência em Pernambuco só será possível com investimento em prevenção social

Quase metade das vítimas de assassinatos está na faixa etária de 18 a 30 anos. Sem estudo e sem emprego, jovens são facilmente cooptados para o crime. E perdem a vida em pouco tempo

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Raphael Guerra

Publicado em 02/04/2024 às 22:00 | Atualizado em 03/04/2024 às 0:12
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O desafio da segurança pública - com ações para frear a violência assustadora que vivemos - não é só de Pernambuco. O problema é nacional e, evidentemente, requer olhos atentos do governo federal, que tem o dever de unir forças com os estados para combater o crime organizado.

Mas não adianta só investir em repressão. O foco na prevenção social, com efeitos a longo prazo, é o caminho para reduzir a quantidade inaceitável de vidas perdidas todos os anos. 

Somente em 2023, segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, 40.464 crimes violentos letais intencionais foram somados no País. O número engloba os homicídios, latrocínios, feminicídios e lesões corporais seguidas de morte. Os óbitos decorrentes de intervenção policial não fazem parte dessa estatística.

Houve redução de 4,09% em relação ao ano anterior, quando 42.190 pessoas foram mortas. Ainda assim, um resultado muito ruim e que mantém o País no topo dos mais violentos do mundo. 

Nesse cenário, observando a situação de Pernambuco, é preciso reconhecer os investimentos profundos em segurança pública a partir de 2007, no governo Eduardo Campos, após a criação do programa Pacto pela Vida.

Entre os anos de 2010 e 2013, houve uma queda expressiva dos homicídios - graças, principalmente, ao aumento do efetivo policial e ao foco nas investigações e prisões de acusados desses crimes. Não à toa, a população carcerária em Pernambuco mais que triplicou, mesmo sem condições de receber tantos presos.

Só que os números da violência voltaram a crescer e 2014. E chegaram ao ápice em 2017, quando houve recorde histórico de assassinatos no Estado. E por que isso aconteceu?

O crime organizado avançou assustadoramente pelo Nordeste, mas também houve uma grande falha do Pacto pela Vida em não desenvolver grandes projetos na área da prevenção social. Promessas desse tipo - previstas no programa estadual - não saíram do papel. Poucas vezes os municípios foram convocados a colaborar com iniciativas e, mesmo assim, com raras exceções (leia-se o Compaz, no Recife), não houve avanços expressivos. 

Não é novidade para o Poder Público que adolescentes e jovens são cooptados com propostas tentadoras para integrarem as facções especializadas no tráfico de drogas. E perdem a vida com pouco tempo.

Os números da própria Secretaria de Defesa Social (SDS) indicam isso. No 2023, do total de mortes violentas intencionais, 49% das vítimas tinham entre 18 e 30 anos. E a maior parte tinha envolvimento com atividades criminais. 

O programa Juntos pela Segurança, lançado pela governadora Raquel Lyra em novembro de 2023, chegou com a promessa de um olhar mais profundo para a primeira infância e para os jovens, como forma de diminuir a situação de vulnerabilidade e, consequentemente, a violência.

A contar pelo número de secretarias envolvidas, projetos não devem faltar. Só que é preciso pressa, com iniciativas voltadas à ampliação da empregabilidade para a faixa etária que mais morre em Pernambuco. Lazer, esportes e cultura também não podem ficar de fora. 

E O SISTEMA PRISIONAL?

G DETTMAR/CNJ/DIVULGAÇÃO
Reeducandos precisam dividir espaços improvisados, porque não há quartos nem celas para abrigar todos - G DETTMAR/CNJ/DIVULGAÇÃO

Superlotado e sem controle do Estado, o sistema penitenciário pernambucano não contribuiu, nas últimas décadas, para a ressocialização e para o combate à violência. Ao contrário. Mesmo atrás das grades, detentos continuaram dando ordens aos seus comparsas para a prática de crimes, como assassinatos e disputa pelo domínio do tráfico de drogas. Prova disso é que, quase que semanalmente, a Polícia Civil faz operações e cumpre mandados de prisão contra pessoas que já estão atrás das grades.

O Estado precisa, de uma vez por todas, acabar com o descontrole nas unidades prisionais, reforçando a segurança, ampliando o número de policiais penais e desenvolvendo meios para que uma quantidade expressiva de reeducandos estudem e trabalhem. Só assim haverá a diminuição do tempo de ociosidade e mais chances de uma ressocialização efetiva, sem reincidência no crime, para a quebra do círculo vicioso da violência. 

Para se ter uma ideia, a população carcerária pernambucana é de cerca de 29 mil detentos (parte expressiva é de jovens), porém menos de 10% trabalham. E há apenas cerca de 1,8 mil policiais penais. Por lei, o efetivo deveria ser superior a 4 mil. 

Um exemplo bem sucedido é o modelo adotado pelo governo do Maranhão - inclusive já visitado pela governadora Raquel Lyra em 2023. 

Na década passada, o Complexo Penitenciário São Luís (antigo Presídio de Pedrinhas) era dominado por facções criminosas, com assassinatos, denúncias de tortura, estupros de mulheres de presos e conivência de servidores públicos.

Em 2015, na gestão do então governador Flávio Dino, atual ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), o programa Gestão Penitenciária (Gespen) foi criado para dar a devida atenção ao sistema prisional maranhense - com acompanhamento de todas as unidades e cobrança mensal por metas de melhorias, a partir de indicadores pré-definidos.

Fernando dos Anjos/Divulgação
Nos presídios do Maranhão, mais de 70% dos reeducandos trabalham - Fernando dos Anjos/Divulgação

No Maranhão, houve investimentos na construção de novas unidades, com mais tecnologia e segurança. O número de policiais penais também cresceu consideravelmente, com valorização do profissional e salários mais robustos. 

Lá, também houve investimento em atividades para ocupar os reeducandos. Atualmente, 70,71%deles estão inseridos em frentes de trabalho, interno ou externo, no Maranhão - número que faz diferença no processo de ressocialização e na queda no índice de ex-presidiários que voltam a praticar crimes. 

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