O Marco Regulatório do Fomento à Cultura, sancionado em projeto de lei pelo presidente Lula (PT) em 27 de junho, vem despertando discussões e comemorações no setor cultural. A Lei nº 14.903/2024 torna oficial o denominado "Regime Próprio do Fomento à Cultura", com regras, instrumentos e procedimentos específicos adequados à realidade do setor artístico e cultural.
O objetivo da legislação é trazer mais eficiência para os gestores públicos, além de democratizar o acesso às políticas culturais, especialmente para agentes das periferias e das culturas tradicionais, negras e indígenas. Os defensores da iniciativa têm destacado que o Marco corrige históricas deficiências no setor cultural, permitindo melhor administração, fiscalização e regulação.
A senadora Teresa Leitão (PT), relatora do projeto; o presidente da Fundação de Cultura do Recife Marcelo Canuto e o produtor cultural Du Lopes comentaram a respeito do marco em entrevista à Rádio Jornal na manhã desta segunda-feira (15).
Relatora rebate críticas
Críticos têm apontado para o fato de que o Marco acaba com o modelo de licitação. De fato, a lei propõe um afastamento da Lei de Licitações, na operacionalização do fomento à cultura no país ao argumentar que "fomento não é licitação e, por isso, não pode ser regulamentado pela referida legislação".
"A lei determina claramente quais são os instrumentos a serem utilizados para o alcance desse recurso. O que ela consegue fazer é desburocratizar o processo de acesso sem colidir com a lei geral de licitações. Ela cria um processo próprio para atingir os produtores menores, mas que não são menos importantes em vista de estrutura", diz Teresa Leitão.
"São produtores que não têm alcance a um escritório de contabilidade ou jurídico. A lei fixa por lei evidentemente uma forma diferenciada que vai promover o acesso dos agentes culturais a recursos, sem precisar terceirizar a produção desses recursos ao seu alcance."
Especificidade
Marcelo Canuto, presidente da Fundação de Cultura do Recife, ressaltou que essa diferenciação da Lei de Licitação é fundamental. "Não era justo que a cultura ficasse no mesmo patamar da construção civil", disse. "A mesma lei que regulava a concorrência de uma obra era a regulava a área da cultura, embora ela tenha uma especificidade própria. Cada artista tem uma criação diferenciada e só ele tem esse valor."
Canuto também abordou o aspecto da democratização. "Muitas vezes, o artista é humilde do ponto de vista de formação, muitos são semianalfabetos, que aprenderam por herança de pais. Não estamos falando só de Pernambuco, mas do Amazonas, de Roraima ou de Goiás. Esses artistas prestam conta, porém visam muito mais a entrega do trabalho. Essa regulação serve para todos aqueles que são menos organizados, mas não menos valiosos ou criativos."
Também sobre a democratização, Teresa Leitão destacou o caráter formativo: "Os editais costumam ter aspectos punitivos, mas, desta vez, incluímos também um aspecto educativo. Ensinar como fazer. Isso é muito positivo, pois lidamos com pessoas de boa fé, honestas, com erros formais por falta de esclarecimento."
Independente
O produtor cultural Du Lopes, responsável pelo Rock na Calçada, comentou que o Marco irá beneficiar os artistas independentes.
"Temos que acreditar nessas políticas públicas, sobretudo na desburocratização, como algo muito sério, porque a administração pública é algo realmente sério. No imaginário de muita gente, o dinheiro para a cultura é uma farra, mas não. O Marco é algo que atingirá as margens, as comunidades ribeirinhas, pessoas de periferia, onde de fato nasce a cultura da comunidade."
"Sempre que tem uma crise econômica, o primeiro setor afetado é o cultural. São pilares para a construção de uma sociedade educada, com conhecimento, quando falamos em ter esse acesso, é um promotor, fazedor de cultura, que possa chegar dentro dessas produções. Precisamos estar aptos a como funciona".
Preservação
"Nossos clubes de frevo, caboclinhos e maracatus estão se apagando pela incapacidade de manutenção, do pagamento da conta de luz ou da possibilidade de ter um computador. A lei é um ponto positivo nesse sentido, pois abre oportunidade para que as agremiações se mantenham", destacou Marcelo Canuto.
"Isso tem a ver com a manutenção da memória cultural do Brasil, de Pernambuco, do Recife. Os nossos patrimônios imateriais estão se apagando pois o cidadão responsável é neto de uma entidade e hoje precisa trabalhar fora para pagar as suas contas pessoais. A regulação permite a sobrevivência, dando liberdade e custeio."
Histórico do projeto
O Projeto de Lei do Marco Regulatório do Fomento à Cultura foi criado na Câmara dos Deputados, em 2021, pela deputada Áurea Carolina. No Senado, passou pela Comissão de Educação e Cultura, sob relatoria da senadora Teresa Leitão, sendo aprovado por unanimidade em 21 de maio de 2024 e em votação simbólica no Plenário.
O Marco da Cultura não elimina leis já existentes, como a Lei Rouanet, a Lei Cultura Viva, a Lei do Audiovisual e as Leis de Fomento dos estados e municípios. No entanto, a modernização dos procedimentos pode inspirar a revisão dessas leis, visando maior efetividade no fomento cultural.