MÚSICA

Naná Vasconcelos: 80 anos de nascimento jogam luz em obra ainda desconhecida pelo Brasil

Homenagens, exposição, megamural, fotobiografia e relançamento de discos no exterior dão merecido destaque ao legado do premiado percussionista

Cadastrado por

Emannuel Bento

Publicado em 01/08/2024 às 14:14 | Atualizado em 02/08/2024 às 10:32
LEGADO Naná Vasconcelos deve ganhar Cátedra na Universidade Federal Rural de Pernambuco - MICHELE SOUZA/JC IMAGEM

Em vida, o percussionista Naná Vasconcelos costumava falar: "Sou um Brasil que o Brasil não conhece". Existem vários motivos para tal afirmação: o artista construiu um prestígio maior no exterior e criava um tipo de música pouco consumida pelas massas - apesar do diálogo com o popular.

Neste 2 de agosto de 2024, Naná estaria completando 80 anos se estivesse vivo. Eleito pela revista Down Beat o melhor percussionista por nove anos consecutivos (1983-1991), ele ampliou o conceito de percussão, estendendo-o a qualquer objeto que emita som, passando por elementos da natureza, pela voz, pelo corpo e pela eletrônica. Ao mesmo tempo, também revolucionou o papel do percussionista, que deixa de ser um acompanhante para tornar-se solista.

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A efeméride dos 80 anos tem estimulado diversas ações para popularizar esse legado, resultados das movimentações de sua viúva, Patrícia Vasconcelos, que vive em Nova York e tem voltado ao Brasil para fechar parcerias. Em conversa com o JC, Patrícia listou novidades e também externou alguns desejos para o futuro.

"Estou em conversa com a Prefeitura do Recife com uma proposta para existir uma Casa Naná. Ela teria algumas indumentárias e peças, também sendo um espaço de socialização com oficinas. Porém, ainda não foi concretizado. A ideia é que o espaço mantenha o legado dele", diz.

Novidades

Uma fotobiografia de Naná Vasconcelos, assinada por Augusto Lins, será lançada ainda neste ano. O autor também organizou projetos semelhantes para Chico Buarque, Sônia Braga e Dom Helder Câmara.

A gravadora alemã Altercat relançou em vinil os discos "Africadeus" (1962), o seu primeiro solo, e "Naná, Nelson Angelo & Novelli" (1974). A gravadora estadunidense Blank Forms lançou um disco duplo com o áudio de um show realizado com Naná e Don Cherry, intitulado "Organic Music Theatre: Festival de jazz de Chateauvallon 1972".

"Com uma emenda parlamentar do deputado estadual João Paulo (PT), estamos começando a catalogar todo o acervo dele. Também estamos em diálogo para um possível documentário, além da criação de um Festival Naná Vasconcelos, que ainda está aguardando aprovação", diz Patrícia.

Ações já realizadas

Mural artístico traz homenagem a Naná Vasconcelos pintado com Tintas Iquine. - Divulgação
Megamural de Naná Vasconcelos na fachada do Edifício Guiomar, localizado no bairro da Boa Vista, em frente ao Parque 13 de Maio - RENNAN PEIXE/DIVULGAÇÃO
Megamural de Naná Vasconcelos na fachada do Edifício Guiomar, localizado no bairro da Boa Vista, em frente ao Parque 13 de Maio - RENNAN PEIXE/DIVULGAÇÃO

No Carnaval do Recife deste ano, o encontro Tumaraca voltou ao dia de abertura e contou com uma homenagem a Naná, reunindo 13 Nações de Maracatu, o pianista Amaro Freitas e o músico Lucas dos Prazeres.

Naná também ganhou um megamural intitulado "Naná Vasconcelos, Sinfonia e Batuques", de autoria da artista Micaela Almeida, que ocupa cerca de 200m² da fachada do Edifício Guiomar, localizado no bairro da Boa Vista, em frente ao Parque 13 de Maio, nas proximidades da Faculdade de Direito do Recife.

O espetáculo Pernambuco Meu País, que integra o evento de mesmo nome, incluiu a obra musical do artista, com direção do músico Jam da Silva e da coreógrafa Maria Paula Costa Rêgo. O festival do Governo do Estado envolve oito municípios do Agreste e do Sertão.

Ocupação Naná Vasconcelos, no Itaú Cultural - LETÍCIA VIEIRA/DIVULGAÇÃO
Ocupação Naná Vasconcelos, no Itaú Cultural - LETÍCIA VIEIRA/DIVULGAÇÃO
Ocupação Naná Vasconcelos, no Itaú Cultural - LETÍCIA VIEIRA/DIVULGAÇÃO
Ocupação Naná Vasconcelos, no Itaú Cultural - LETÍCIA VIEIRA/DIVULGAÇÃO

Em São Paulo, foi inaugurada a Ocupação Naná Vasconcelos, em cartaz no Itaú Cultural, até o dia 27 de outubro. Com sucesso de público, a mostra traz ampla seleção de fotos, vídeos, vestimentas, instrumentos e objetos originais, incluindo o seu berimbau, construído em 1967 e que o acompanhou até a morte, em 2016.

Ainda na capital paulista, o Sesc Pompéia recebeu o show "Amém e Amem – 80 Anos de Naná Vasconcelos", com Virgínia Rodrigues, Marivaldo dos Santos, Lucas do Prazeres e Zé Manoel.

Alimentando o legado

"Todas essas ações estão fazendo com que mais pessoas conheçam o legado e a obra de Naná. Ele foi um músico muito conhecido fora do Brasil. A música dele atingiu mais outros países, embora ele aqui também fosse conhecido pela atuação na abertura do Carnaval e tudo mais", diz Patrícia Vasconcelos.

Patrícia Vasconcelos nas gravações de documentário sobre Naná Vasconcelos, produzido pela Associação Raízes da Tradição - ACERVO @RAIZESDATRADIÇÃO
Patrícia Vasconcelos participou das gravações do documentário - ACERVO @RAIZESDATRADIÇÃO

"Acho que a música do Naná é muito sofisticada. Culturalmente, ele não foi um músico popular, apesar de ter transitado do popular ao erudito. Acho que isso dificulta a sua popularização. Talvez tenhamos uma cultura que absorve mais outros tipos de música, não despertando um interesse nessa fidelidade. De toda forma, o interesse melhorou bastante", opina.

"Por isso, continuo alimentando esse legado. Me coloco como um veículo de convergência das ações e estou à disposição de empresas e pessoas físicas que querem ajudar a fomentar esse legado."

Resumo da trajetória

Nascido no Recife, Juvenal de Holanda Vasconcelos aprendeu a tocar e manejar instrumentos de percussão ainda criança. Trabalhou como baterista em cabarés e na Banda Municipal do Recife. Em 1966, participa com Geraldo Azevedo e Teca Calazansdo musical folclórico "Memórias de Dois Cantadores", em que explora pela primeira vez o berimbau, instrumento em que se especializa.

Morando no Rio de Janeiro, colabora com Gal Costa, Os Mutantes, Milton Nascimento e Geraldo Vandré. Com o saxofonista argentino Gato Barbieri, vai para a Argentina, Estados Unidos (onde vive em 1971) e Europa (Festival de Montreux, de 1972). Mora em Paris entre 1972 e 1977, gravando o disco solo "Africadeus" (1972).

Naná Vasconcelos estaria completando 80 anos se estivesse vivo - RICARDO B. LABASTIES/JC IMAGEM
Naná Vasconcelos estaria completando 80 anos se estivesse vivo - RICARDO B. LABASTIES/JC IMAGEM
Naná Vasconcelos estaria completando 80 anos se estivesse vivo - SÉRGIO BERNARDO/JC IMAGEM
Naná Vasconcelos estaria completando 80 anos se estivesse vivo - MICHELE SOUZA/JC IMAGEM

No Brasil, em 1973, grava o segundo álbum, "Amazonas". Em Paris, no selo Saravah, grava um disco com Nelson ngelo (1949) e Novelli (1945), em 1974, e forma um duo com Egberto Gismonti (1944).

Em 1978, fixa-se em Nova York, e cria com Don Cherry (1936-1995), trompete e percussão, e Collin Walcott (1945-1984), tabla e cítara, o trio Codona, com quem grava dois discos, em 1979 e 1981, que incorporam ao jazz características da música africana, asiática e brasileira

Grava seu terceiro álbum solo, "Saudades" (1979), e integra o grupo do guitarrista norte-americano Pat Metheny (1964). Nos anos 1990, formou o trio Inclassifiable com o saxofonista britânico Andy Sheppard (1957) e o tecladista norte-americano Steve Lodder (1951).

Naná Vasconcelos estaria completando 80 anos se estivesse vivo - NATHALIA MARTINS/DIVULGAÇÃO
Naná Vasconcelos estaria completando 80 anos se estivesse vivo - NATHALIA MARTINS/DIVULGAÇÃO

Em 1994, volta a trabalhar no Brasil, lança "Contando Histórias" (1994) e cria o projeto ABC Musical, que reúne crianças de sete a dez anos para cantar música folclórica brasileira. No ano seguinte, assumiu a direção do Perc-pan (Panorama Percussivo Mundial), cargo que ocupou até 2001.

Voltou a morar no Recife em 1999, assumindo a abertura do Carnaval na década de 2000. Grava os discos Fragmentos (2001) e Minha Lôa (2002), "Isso Vai Dar Repercussão", com Itamar Assumpção, "Chegada" (2005), "Trilhas" (2006) e "Sinfonia e Batuques" (2010).

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