A trama de Maligno (2021), dirigido por James Wan, segue Madison Mitchell (Annabelle Wallis), que após alguns infortúnios passa a ter visões aterrorizantes de crimes brutais e que realmente estão acontecendo. Para entender sua ligação psíquica com os crimes, Madison precisará reviver questões deixadas para trás sobre o seu passado.
Para alguns estudiosos da sétima arte, a construção do gênero horror é uma questão de 'olhar cinematográfico' que segue, ao menos, dois pilares: a imperfeição sobreposta aos personagens e a passividade voyeurista firmada no pacto de suspensão da descrença entre obra e espectador. Outros estudiosos, assim como o mestre da montagem Eisenstein, afirmam que esses pilares possuem base irrevogável na forma e no sentido do filme, mesmo quando o sentido seja resultado da obra em junção a uma terceira força (espectador). No entanto, ao considerar o processo de análise crítica, entendemos que todos esses elementos são coerentes e passíveis de serem um meio para a própria análise.
Em Maligno (Malignant), assim como nas possibilidades de caminho para forma crítica, há uma pluralidade de formas e de referências, principalmente ao consolidado cinema de Dario Argento e aos clássicos filmes do subgênero slashers. Desde o início, há uma constante necessidade de autoafirmação em relação a grandiosidade do filme. Uma 'áurea' nos momentos iniciais impressa pelos planos, que se declaram assertivos e prolongados, sempre reforçando essa intensa grandiosidade. Grandiosidade essa que às vezes é relacionada à locação e outras à fotografia, por exemplo.
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No prólogo, há também uma proposital segurança, que se soma à decisão de trazer os créditos finais para o início do filme, uma referência a produções antigas, e que já nos diz o ponto de partida dessas mesmas referências: a década de 80. Pontos acertados, o longa de Wan se apresenta com uma temática sobrenatural nos primeiros minutos, mas logo toma distância dessa premissa e dá lugar a uma trama de investigação e suspense, aos moldes dos Giallo Movies, subgênero fílmico nascido na Itália e que serviu de molde para slashers como ‘Halloween‘ e a franquia 'Pânico'.
Como dito anteriormente, Wan reúne diversas 'receitas' de subgêneros do horror, colecionando referências na forma fílmica que vão desde clássicos do cinema italiano como Profondo rosso (1975), de Dario Argento, aos mais recentes e popular, como O sexto sentido (1999), de M. Night Shyamalan, com suas cores bem determinadas a serviço da narrativa e plots surpreendentes.
Durante o desenrolar do longa, ainda é inserida uma tentativa de gênero híbrido que gera no espectador duas reações distintas: primeiro, um desejo de que o filme assuma um pouco mais de objetividade. Porém, logo em seguida, há um reforço na ideia de sopa de letrinhas das referências, o que nos leva à segunda sensação: 'mind blowing'. Além disso, provoca uma feliz comparação com o incrível e bem sucedido Parasita (2019), de Bong Joon-ho. Ou seja, quando a gente começa a querer se desinteressar, Wan joga no nosso colo um plot twist tão absurdamente ridículo, que é impossível desgrudar da cadeira, ou sequer tirar os olhos da tela com tamanha ousadia e genialidade. E, sim, o gênero híbrido se consolida.
Dividindo o roteiro com Ingrid Bisu e Akela Cooper, James Wan ainda recebe o mérito das decisões absurdamente audaciosas e um grande potencial de, com o passar dos anos, se tornar um clássico cult. Afinal, é um grande mérito do diretor equilibrar as decisões comerciais impostas pelo estúdio e sua liberdade criativa de ousar e experimentar, flertar com antigos sucessos, como Jogos Mortais, e ainda ter o título de filme de terror mais esperado do ano. No entanto, não esperávamos menos do que isso de um filme que se vende como 'uma nova visão do horror'. Presunçoso? Talvez. Ousado? Com certeza! Vale a pena? Sem dúvidas!
*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC