Particularmente no Nordeste, a construção civil deverá sentir de forma mais intensa os impactos da crise gerada pela pandemia do novo coronavírus. Na região, o setor já vinha acompanhando a distância uma recuperação mais acentuada do segmento em outras localidades como o Sudeste do País e, quando na melhor das hipóteses, preparava seu plano de voo por aqui, a chegada da covid-19 colocou em xeque uma possibilidade de recuperação ainda em 2020, levando à volta - senão de forma imediata, no médio e longo prazo - do baixo desempenho dos lançamentos de imóveis; vendas e acentuamento do desemprego nos canteiros de obra.
Para a coordenadora de Projetos da Construção da FGV/IBRE, Ana Maria Castelo, as dificuldades impostas pela pandemia pegaram o setor num momento ainda de “retomada muito frágil” no segmento imobiliário. “Contextualizando o cenário, por um lado, a construção foi considerada uma atividade essencial em boa parte dos estados. Isso significa que os canteiros estão funcionando. A gente sabe que no Nordeste isso não é verdade. Na região, o impacto está sendo muito mais significativo”, avalia.
No País, em termos de andamento de obras, de uma maneira geral, elas estão acontecendo. Segundo os números da Associação Brasileira das Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc), entre as 36 maiores incorporadoras do País, até a primeira semana do mês de maio, o percentual de obras paralisadas era de apenas 6%, com pelo menos 55 mil trabalhadores efetivos (87%) atuando. Em Pernambuco, o Sindicato da Indústria da Construção Civil do Estado (Sinduscon) estima que, por conta de determinação legal, cerca de 70% das obras estão parada, um cenário totalmente inverso ao do restante do País.
Essa situação momentânea, no entanto, não explica na totalidade a fragilidade da construção civil no Nordeste e em Pernambuco para mitigar os efeitos da pandemia. “Não quero dizer que isso (continuidade das obras em andamento) dá conta do impacto, porque já temos de outro lado o impacto nas vendas, com os stands fechados. Porém, realmente, temos representada uma mudança de cenário num momento em que no Sudeste o setor vinha se recuperando, enquanto ainda ensaiava uma recuperação em outras regiões como o Norte e Nordeste”, explica Ana Maria Castelo.
A disparidade na velocidade de retomada da construção civil por região, na verdade, já vem se prolongando basicamente desde 2015, quando do agravamento da crise econômica. Nos últimos cinco anos até 2019, o PIB da construção acumulava resultados negativos. Só no ano passado houve sinalização de alguma retomada, com crescimento de 1,6% frente 2018. Mesmo assim, o resultado não era sólido e uniforme o bastante. Conforme o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o Nordeste foi a única região do País a chegar em 2018 ainda com saldo negativo na geração de empregos da construção civil (- 4.257).
No ano seguinte, a região até conseguiu acompanhar as demais, com saldo positivo de 14.597, mas quando observado só o desempenho de Pernambuco, o Estado continuava demitindo mais do que contratando em 2019, chegando ao resultado de - 215 postos na construção naquele ano, ao passo que o Grande Recife amargava o segundo pior saldo das regiões metropolitanas do País (- 1.569 vagas).
“A gente vinha, como se diz, saindo da crise. Não totalmente, mas estávamos começando a respirar. Aí veio essa situação (da pandemia) e complicou tudo agora. Estava muito difícil, o desemprego ainda estava muito grande. A esperança era agora em 2020. Todo mundo estava apostando nisso”, lamenta o presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria da Construção Civil em Pernambuco (Marreta-PE), Reginaldo Ribeiro.
No estado, nas contas do sindicato, até o início de março o contingente de trabalhadores empregados na construção civil era acima de 20 mil pessoas. Até o fim do mês de abril, patrões e empregados entraram em acordo para concessão de férias coletivas. Com o retorno, a expectativa era de demissões em massa, mas segundo o Marreta-PE, por ora, pelo menos 80% dos contratos de trabalho foram suspensos, e não encerrados. “Está muito pouca (a demissão), graças a Deus. Não temos recebido notícia de grande quantidade de trabalhadores sendo dispensados”, comenta aliviado.
Antecipar as férias dos trabalhadores é uma prática que vem sendo adotada por 28,4% das empresas da construção civil no Estado. Embora o Marreta-PE reconheça que os empregos ainda estão sendo preservados até então, há temor sobre o que virá pela frente. A Fiepe aponta que quase 50% das indústrias pernambucanas pretendem demitir “em breve”. Nesse cenário catastrófico, a construção civil é o segmento líder, com 25,2% dos empresários pensando na necessidade de cortes por conta da pandemia.
“A situação é cada vez mais preocupante, porque o governo, na nossa opinião, não olha para a classe produtiva. Agora com esse novo decreto com mais restrição… O rodízio (de veículos) não tem explicação. A grande preocupação quanto à volta da construção civil era justamente pelo fato dos trabalhadores fazerem uso do transporte público. A gente é o único setor da indústria que está proibido. Existem outros com prejuízo, mas por falta de demanda. Nós estamos proibidos de produzir. É um negócio surreal”, critica o presidente da Ademi-PE, Gildo Vilaça.
Sem perspectivas para flexibilização das atividades, o Nordeste é a região com o maior número de estados com obras paradas. No Norte, segundo a Câmara Brasileira da Indústria de Construção (Cbic), apenas o Pará está com obras paralisadas. Sul, Sudeste e Centro-Oeste seguem com a produção. Dos estados nordestinos, Pernambuco, Sergipe, Maranhão e Piauí, impuseram restrições parciais ou totais aos canteiros de obras e essas disparidades locais deverão ser sentidas num momento de retomada, reforçando a disparidade que já existe entre o Nordeste e outras regiões.
Ainda no quarto trimestre de 2019, a região nordestina foi a única a apresentar resultado negativo no número de imóveis vendidos (-10,1%), no comparativo com os últimos três meses de 2018. Em relação aos lançamentos, a região teve o segundo menor índice na comparação entre os mesmos períodos. O crescimento foi de apenas 0,8%, como aponta a Cbic.
Na última sexta-feira, os resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad - Contínua) do IBGE confirmaram que mesmo antes do agravamento da pandemia do novo coronavírus o setor já registrava uma queda de 440 mil pessoas ocupadas em relação aos três últimos meses do ano de 2019.
Isso significa que o número de ocupados na construção, no período de janeiro a março deste ano, sofreu uma retração de 6,5%, passando de 6.820 milhões de pessoas no período de outubro a dezembro de 2019 para 6.380 milhões de janeiro até o último mês de março em todo o País.
No Nordeste, o índice ao fim do primeiro trimestre deste ano acumulava uma retração de 8,4%, saindo de 1.515 mil postos nos últimos três meses de 2019 para 1.479 mil postos no trimestre encerrado em março. Pernambuco teve uma queda mais contida (-3%).
Dada a importância do setor para toda a cadeia econômica, é preciso que o poder público assegure mecanismos contundentes para dinamização de uma possível retomada da construção civil no pós-pandemia. De acordo com Ana Maria Castelo, além do segmento imobiliário, toda a área de infraestrutura não conseguirá ter sua programação garantida através apenas de investimento privado.
“Na área de infraestrutura, temos ainda um movimento iniciante de retomada. Nos dois últimos anos, os investimentos cresceram em relação à 2018, vinham crescendo lentamente. Havia possibilidade de aumentar o ritmo de leilões e concessões, mas embora o setor não tenha sido tão afetado no andamento das obras, teremos mudanças bruscas no cronograma desses leilões e concessões”, alerta.
Na última sondagem feita pela FGV, os empresários da construção apontavam que, afetados pela crise, o tempo para recuperação do patamar até então visto antes da pandemia seria de no mínimo até 2021. “É um quadro bastante negativo. A gente sabe que a ainda tem muitas incertezas, como a própria duração da crise é incerta. A gente não chegou no pior dela, tem também a crise política, como vai ser a recuperação ainda é algo muito incerto. Por outro lado, De fato, o setor pode ser uma força para recuperação. Uma agenda de investimento em infraestrutura pode ser uma das forças, mas não temos nenhuma agenda”, critica a coordenadora da FGV.
Mesmo que o governo federal tenha ensaiado colocar em prática o programa Pró-Brasil, que prevê investimentos do governo em obras públicas como forma de retomar a atividade econômica após a pandemia do novo coronavírus, para Ana Maria não há nenhuma confiabilidade nisso.
“O governo anunciou, mas depois vimos o conflito entre área econômica e de infraestrutura. A gente não sabe o que de fato vai ser. É uma perspectiva, mas não tem nada de concreto. Temos instrumentos sendo utilizados para mitigar os efeitos da crise, como o suporte às famílias e a questão do crédito. há uma aspecto de que o setor imediatamente está sendo menos afetado. Agora, apesar das obras em andamento ou boa parte delas permitindo parte importante dos empregos criados desde o final do ano passado para cá, o adiamento de projetos que estavam colocados para o primeiro e segundo trimestre acontece. As empresas estavam começando a se preparar para um ciclo de lançamentos e passaram a se deparar com o adiamento dos projetos e ambiente não favorável novamente”.