Faz tempo que já não cabe mais a ideia de que a área tecnológica é destinada apenas a homens. O resgate da história do setor mostra que mulheres estão envolvidas na computação desde a origem, graças a nomes como Ada Lovelace, primeira programadora da história, ou Mary Kenneth Keller, primeira mulher a receber um diploma de pós-graduação em computação.
Entretanto, a diferença entre homens e mulheres no mercado de tecnologia é enorme. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apenas 20% das pessoas que atuam na área são mulheres. Elas correspondiam a apenas 13,3% das matrículas nos cursos presenciais de graduação na área de Computação e Tecnologias da Informação e Comunicação e 21,6% na área de Engenharia e profissões correlatas.
Para a cientista da computação Laís Xavier, primeira mulher a assumir a presidência da Associação das Empresas de Tecnologia de Pernambuco (Assespro-PE) em 40 anos, a baixa presença das mulheres em cargos de TI está ligada a fatores educacionais. “Enquanto os meninos são incentivados desde cedo a pensar racionalmente, as meninas são estimuladas a brincar de boneca", afirma a especialista, que é CEO da Mídias Criativas.
Na tentativa de abrir mais espaços para as mulheres no setor, ainda quando era estudante de Engenharia da Computação na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Lhaís Rodrigues criou o “Women Makers” (mulheres que fazem, em tradução livre), um projeto que busca emponderar, inspirar e incentivar a participação feminina nas áreas de Tecnologia, Engenharia e Empreendedorismo. “Nossa ideia era ajudar o maior número de pessoas a buscarem a profissão que elas quiserem seguir, principalmente as mulheres que querem atuar na área de tecnologia”, conta a jovem.
A iniciativa de pessoas como Lhaís e de instituições que tentam aproximar as mulheres da tecnologia podem trazer resultados importantes. Nos Estados Unidos, onde esse movimento é um pouco mais antigo, os efeitos já são sentidos. De acordo com levantamento feito pelo site HackerRank, baseado em informações do governo americano, o setor de TI contratou mais mulheres do que homens nos primeiros nove meses de 2019. Segundo as informações, cerca de 65% das 39,9 mil vagas criadas no período foram ocupadas por elas. Ainda não há dados de 2020, porque a realização do levantamento no ano passado foi prejudicada por causa da pandemia.
E o Brasil tem condições de viver um fenômeno parecido. Segundo o estudo Doutores brasileiros titulados no exterior, do Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), as mulheres representaram 60% desse universo. Porém, as doutoras tituladas no exterior ainda ganham menos que seus pares do sexo masculino, que recebem, em média, um salário 26,5% maior. Um dado que aponta o trabalho árduo a ser feito na busca pela igualdade entre os gêneros, de acordo com a advogada e socióloga Bruna Rompatto.
"Reduzir a hostilidade de certos ambientes de trabalho, assegurar medidas protetivas contra assédios morais e sexuais e descortinar preconceitos em determinadas carreiras são ações necessárias para que as mulheres sejam mais participativas e reconhecidas na área de CT", afirma ela.
“Enquanto eu era estagiária ou desenvolvedora, não sentia nada. Mas mudou quando virei empresária. Eu representava uma empresa e tinha a sensação que, a cada reunião, as pessoas estavam esperando outra pessoa chegar. Não tinham a percepção que seria uma mulher de TI. Eu sentia que as pessoas não me davam credibilidade”, lembra Laís Xavier.
Como ela, 81% das mulheres já sofreram preconceito de gênero, seja na escola ou no ambiente de trabalho. É o que aponta uma pesquisa realizada pela Yoctoo, consultoria de recrutamento e seleção especializada no segmento de TI. Cerca de 43% afirmam sofrer preconceito na universidade, já que os cursos são majoritariamente masculinos. Mas, os maiores problemas estão mesmo no ambiente de trabalho.
De acordo com 63% das mulheres ouvidas pela pesquisa, é nas empresas onde o preconceito mais acontece. Para elas, o maior desafio é ter que provar sua própria competência técnica o tempo todo (82%). Na sequência, aparece a dificuldade em serem respeitadas por pares, superiores e subordinados do gênero masculino (51%). “Essa é uma triste realidade enfrentada por muitas mulheres que decidem abraçar a carreira de tecnologia no Brasil. Precisamos trabalhar para mudar isso, afinal, existe uma grande demanda reprimida por profissionais dessa área”, afirma Paulo Exel, diretor da Yoctoo.
O preconceito também influencia diretamente na ocupação dos cargos de liderança. Segundo uma consultoria de marketing digital desenvolvida pela empresa TWIRI, 27,4% das empresas brasileiras não possuem nenhuma mulher exercendo qualquer cargo de chefia. Além disso, em 32,3% das companhias nacionais, a presença feminina não passa de 10% do total das posições de liderança.
Para mudar essa realidade, a TIM anunciou, no início de março, a meta de aumentar para 35% a participação de mulheres em cargos de liderança em toda a empresa. Só no conselho de administração, por exemplo, 30% dos assentos já são delas.
“Ter uma representatividade na liderança inspira muito quem está no começo da carreira a enfrentar os desafios e ver que há possibilidade de chegar no topo. Isso é importante para fazer com que mais meninas sigam em frente”, diz a engenheira sênior de telecomunicações Monique Fonseca, que está na gigante de tecnologia há mais de sete anos e hoje trabalha no setor de redes, responsável pela qualidade e sinal do serviços.