No susto do início da pandemia de covid-19, em março de 2020, empresas mandaram seus colaboradores para casa às pressas, com medo da contaminação pelo novo coronavírus. Isso porque o isolamento social é a forma mais eficaz para evitar a disseminação do vírus. Assim, o home office, uma modalidade de trabalho prevista para solidificar-se no futuro, foi adiantada por força da crise sanitária inesperada. E, diferente do que muita gente acreditava, já completamos um ano trabalhando nesta modalidade.
Uma das pessoas que imaginavam que o home office duraria menos tempo era a pernambucana Lúcia Brito. Natural de Garanhuns, no Agreste do estado, ela trabalhava na sede da telefônica TIM, em Brasília. Mas com a chegada da pandemia, ela fez as malas de volta para sua terra natal, onde trabalha desde o ano passado.
“Eu pensava que no segundo semestre já voltaríamos, pelo menos, ao modelo híbrido. Mas eu estava enganada”, afirma ela, ressaltando que a empresa oferece todo o suporte para que seus funcionários possam trabalhar em casa. A estrutura oferecida contempla subsídio para a montagem de um escritório equipado com cadeiras, headsets, mouses, mesas e o que mais for necessário para o desempenho das tarefas. "Estou amando o home office", diz.
Quem também pensava parecido era Rafael Neri. Funcionário da mesma empresa de Lúcia, ele fez um caminho inverso ao da colega. Mineiro de São Lourenço, antes da pandemia ele trabalhava na capital pernambucana, e agora já espera não precisar mais sair de perto da família para dar seu expediente.
“No começo foi difícil. Mas, já estou 100% adaptado. Não preciso sair de casa e consigo conciliar melhor a minha vida profissional com a pessoal”, conta ele. “Agora posso estar junto da minha família, ver o crescimento do meu filho e ainda ter uma certa flexibilidade”, completa Neri, lembrando que, atualmente, 100% dos colaboradores da operadora - exceto a equipe de lojas - seguem em trabalho remoto em todo o Brasil
O desejo do profissional em ter um ‘home office eterno’ é o mesmo de outros profissionais e já é realidade em parte da empresa. A Tim já havia realizado uma pesquisa sobre o trabalho remoto que mostrou que 98% dos funcionários querem atuar de casa pelo menos uma vez por semana mesmo em um cenário de normalidade e 90% adotariam a modalidade duas vezes por semana ou mais.
Com bases nesses levantamentos internos, a empresa já implementou o teletrabalho de forma definitiva para o call center próprio e avalia um modelo híbrido, que mistura o novo modelo com o antigo, para os demais profissionais no futuro, mas somente quando for seguro reunir mais pessoas nos escritórios. Para isso, vem realizando diversas reformas e mudanças de endereço em sua sede e escritório regionais.
O caminho trilhado pela companhia telefônica deve ser o mesmo feito por outra centena de empresas. De acordo com especialistas, o trabalho em casa, ou pelo menos o modelo híbrido, veio para ficar. Esse é mais um desafio para aqueles que não gostam ou que estão com dificuldades de se adaptar às novas diretrizes laborais, como o faturista Mariano Tavares.
"Não aguento mais o home office. Começo a trabalhar antes das 8h e vou além das 18h. No final do ano passado, as notas fiscais se multiplicaram, e passei a madrugada trabalhando. Levei até uma bronca da minha chefe, que já disse que não quer que eu extrapole meus limites, mas se eu não o fizer, não entrego tudo o que preciso", explica.
Na avaliação de Luana Cepellos, especialista em gestão de pessoas pela Fundação Getulio Vargas (FGV), parte desse efeito negativo pode ter relação com o fato de estarmos em uma pandemia, em condições compulsórias e muito difíceis, com crianças em casa, isolamento social, restrições de mobilidade e sobrecarga de tarefas domésticas.
Para ela, após a pandemia, os benefícios do trabalho remoto e do home office serão percebidos de forma mais positiva pelos trabalhadores. "Acredito que qualquer empresa que tentar forçar o retorno ao escritório em tempo integral enfrentará um dilema: muitos profissionais experimentaram os ganhos positivos do trabalho remoto e home office".
Esta também é a percepção de Júlio Pascoal, especialista em comportamento humano e professor de pós-graduação da Unit-PE. Segundo ele, a pandemia rompeu barreiras culturais e tecnológicas que impediam o trabalho remoto. Mas na sua avaliação, esse movimento será mais acentuado em alguns segmentos do que em outros. "Está em curso uma mudança estrutural no local de trabalho, mas o potencial futuro do trabalho remoto está concentrado entre trabalhadores altamente qualificados", acrescenta a especialista.
De acordo com o docente, as pesquisas com funcionários em trabalho remoto apontam que, quando a pandemia passar, a maioria vai querer escolher onde trabalhar, com muitos preferindo uma combinação flexível de escritório e casa, o chamado trabalho híbrido. Por outro lado, à medida que a pandemia avança, as preocupações com a saúde mental dos colaboradores passam a ser uma das principais razões para retornar ao escritório.
"Isso ocorre porque alguns colaboradores se sentem cansados e desconectados, sentem falta de trabalhar presencialmente e podem ter mais dificuldade em colaborar em ambientes remotos", conta o docente. “Com a atividade híbrida, juntamos duas coisas que naturalmente buscamos, qualidade de vida e interação social, por isso, empresas que estão estrategicamente se estruturando para funcionar nesta modalidade tendem a ter colaboradores mais engajados”, complementa.