O mercado dos games foi um dos poucos setores da economia que cresceu durante a pandemia. Em 2020 movimentou U$ 120 bilhões de dólares em todo o mundo. O faturamento vem da venda de jogos, assinatura de serviços ou vendas de produtos e acessórios dentro dos próprios games. O Brasil é o 13º maior mercado de jogos eletrônicos do mundo, segundo o estudo Global Games Market da consultoria Newzoo. Uma movimentação em torno de US$ 1,5 bilhão por ano em jogos desenvolvidos para diferentes plataformas como celulares, computadores e consoles. A expectativa de crescimento até 2022 é de 5%, de acordo com relatório da consultoria PwC. Mas este número pode estar subestimado porque o estudo é de 2019 e a pandemia impulsionou a venda de jogos por conta do isolamento social.
Encarado como diversão ou puro passatempo para muitas pessoas, os games se tornaram fonte de renda e profissão para alguns. É o caso do estudante de Fisioterapia Arthur Morato, de 25 anos. Ele joga o Tibia, um game no formato RPG on-line. O RPG (Role-playing game) é um tipo de jogo onde os participantes assumem papéis de personagens e criam narrativas ao longo da partida. O progresso de um jogador se dá de acordo com regras predeterminadas, mas é possível também improvisar e fazer seu personagem evoluir. Quanto mais evoluído for o personagem, melhor será o seu desempenho no jogo. A venda de personagens evoluídos foi a forma que Arthur encontrou de monetizar o seu hobby. Ele é uma espécie de “desenvolvedor” de personagens do Tibia. “Na medida em que você vai subindo de level [nível], seu personagem vai ficando mais forte. Nesse percurso você vai acumulando Tibia Coins, que é a moeda do jogo. Você pode usar essa moeda virtual para comprar itens virtuais para fortalecer seu personagem, como armas e roupas especiais, ou vender seu estoque de Tibia Coins. Tudo isso vale dinheiro na vida real”, afirmou.
VALORES
Arthur conta que já chegou a vender um personagem bastante evoluído por R$ 26 mil. Mas diz que já ouviu falar de personagem vendido a R$ 80 mil. A negociação é feita através da venda da conta de usuário no jogo. No dia a dia os valores são bem mais modestos. “Hoje o maior volume de negociação é com o chamado service. Eu jogo com o boneco de outras pessoas para fazer missões que eles não conseguem fazer. Daí os donos dos bonecos me pagam, em média, R$ 300 por esse serviço que leva cerca de 5 horas”, diz Arthur que estima passar 85% do seu tempo diário na frente do computador. “Boa parte desse tempo desenvolvendo personagens ou jogando para alguém. Eu encaro isso como o meu trabalho”, resume.
Já o gamer Paulo Neto está em outro nível. Morando em Caruaru, o pernambucano de 18 anos de idade recebe salário em dólar para jogar FIFA (simulador de futebol). Ele foi contratado, há um ano e meio, pelo Atlanta United, clube de futebol dos Estados Unidos. O caruaruense defende a equipe do estado de Geórgia nos campeonatos da FIFA Global Series e na MLS. Uma carreira profissional que começou aos 12 anos jogando de brincadeira com o irmão mais velho e evoluiu até a conquista do vice-campeonato do mundialito de 2019 da Romênia. Paulo Neto está entre os 15 melhores do mundo no ranking da FIFA. No Brasil, ele está no topo do ranking.
Paulo foi campeão da divisão Sul-Americana do FIFA 20 Summer Cup Series e chegou às semifinais da MLS Cup 2020, nos Estados Unidos. Ele não revela quanto recebe mensalmente do Atlanta United mas garante que “daria para viver só disso”. Além disso, o gamer tem outras fontes de renda, como as premiações dos campeonatos. Em 2019, aos 16 anos, Paulo ganhou US$2,5 mil dólares de prêmio disputando a liga americana. Ele ainda fatura com propagandas e vendas de assinaturas de conteúdo exclusivo em seu canal nas redes sociais, onde dá dicas para outros jogadores de FIFA. Paulo terminou o ensino médio no ano passado, mas não chegou a prestar o Enem porque estava treinando para campeonatos. Ele chega a treinar entre 4 e 7 horas por dia. “Por enquanto vou focar nos jogos. Depois penso em empreender ou algo assim”, afirmou.
CURSO
Para quem não tem habilidade suficiente para viver da disputa de campeonatos, mas quer se profissionalizar neste ambiente, um caminho são os cursos de desenvolvimento de jogos virtuais. Em Pernambuco, existem quatro cursos superiores na área, um dos mais antigos é o da Universidade Católica de Pernambuco, que existe desde 2010. Com dois anos e meio de duração, o curso tecnológico em Jogos Digitais tem apenas uma entrada por ano, com 40 vagas. Breno Carvalho, coordenador do curso de Jogos Digitais da Unicap, mais uma vez explica que o mundo dos games vai bem além do entretenimento. “Os jogos podem ser aplicados em diversos contextos. Na Publicidade e no Jornalismo eles compõem o chamado serious games, que são aqueles com foco em processos de engajamento ou de motivação à reflexão por parte do público. Na área de educação e saúde, para a capacitação ou informação e até na área de Recursos Humanos e Psicologia o game pode ser usado para seleção de pessoal. A própria Medicina pode utilizar jogos para treinar médicos ou até de forma terapêutica para tratar pacientes com problemas neurológicos”, explica o professor.
Como a aplicação dos jogos eletrônicos é muito ampla, Breno diz que o mercado local sempre requisita profissionais recém-formados, tanto que existem dezenas de estúdios de criação em Pernambuco. Outro caminho são os alunos fundarem sua própria startup. Os salários ficam em torno de R$1.500 para iniciantes até R$ 10 mil para cargos de supervisão. O profissional em Jogos Digitais também pode participar de projetos avulsos. Desenvolver o projeto de um game pode custar para o cliente entre R$ 35 mil ou chegar a R$ 300 mil no mercado local. Isso vai depender do escopo do projeto, da complexidade, do número de profissionais envolvidos e de outras variáveis. O profissional de jogos digitais pode desempenhar várias funções como programador, artista 2D e 3D, animador, designer, entre outros. “Eu diria que os pré requisitos para seguir esta profissão são gostar de games, ter inglês fluente, porque a maior parte da literatura atualizada sobre o assunto é em inglês, e sobretudo saber trabalhar em equipe porque um game é geralmente resultado de uma criação coletiva”, diz o professor Breno Carvalho.